CARTA ABERTA
Dakar, 19 de Agosto de 2005
Sua Excelência
Sr. João Bernardo VIEIRA
Presidente da República da
Guiné-Bissau
BISSAU
Excelência Senhor Presidente da República,
O Povo, (a razão de ser do nosso engajamento político desde a nossa tenra juventude), acabou de o eleger ao cargo do mais alto Magistrado do nosso País. Eleição ganha por sufrágio universal e em conformidade com os resultados agora definitivamente proclamados.
Antes e durante a sua campanha eleitoral, Vossa Excelência Sr. Presidente da República, apregoou mensagem de Paz, de unidade do povo no respeito da sua diversidade, de consenso e de convergência política. Em prol dum desenvolvimento harmonioso económico-social na justiça e a caminho duma prosperidade tão desejada pela maioria dos cidadãos, fundamento do bem estar da Sociedade.
Vossa Excelência Sr. Presidente da República, disse também que pedia perdão ao Povo pelos erros do passado e, fez a promessa, se viesse a reconquistar a sua confiança e for eleito, que iria dirigir o País segundo as normas da democracia moderna no interesse exclusivo da Nação, banindo o divisionismo e o espírito de clan.
O mundo inteiro ouviu a sua promessa, feita em moldes de juramento à bandeira. E o mundo inteiro aplaudiu!
Desnecessário, desde então, Senhor Presidente da República, rememorar todo o sangue derramado durante (o que se compreende) e após (o que não se compreende) a luta pela independência. Esta independência pela qual Vossa Excelência muito contribuiu e foi uma das figuras Heróicas pela sua conquista.
Inútil igualmente relembrar, Senhor Presidente da República, os traumas que marcaram as primeiras décadas da nossa independência, com o seu cortejo de golpes, ajustes de contas e de vinganças, entre antigos companheiros que sois, culminando com a tragédia de junho de 1998, em lutas armadas fratricidas e sanguinárias ?!
Sr. Presidente, esta tragédia serviu de pretexto à invasão ao nosso solo por tropas estrangeiras, dando azo a muita humilhação, causando êxodo das nossas populações além-fronteiras, provocando de novo inúmeros mortos e incontáveis feridos!
A dor foi intensa, Sr. Presidente da República, ver nossos compatriotas, conseguindo transpor fronteira, chegar pés inchados em sangue, depois de muito caminhar pela mata adentro, fugindo à guerra entre irmãos, recebidos em acampamentos desprovidos do essencial, sofrendo física e moralmente, a alma se esvaziando!!!
Ver entulhados, a bordo de navios de fortuna, inválidos, crianças, mulheres, idosos, gente nossa, desembarcados em Terras estrangeiras em grande estado de fragilidade e de indigência, fugindo e deixando atrás seu País a ferro e a fogo, acredite que é uma visão insuportável, de emoção incontida, Senhor Presidente da República. As entranhas não resistiam!!!
Senhor Presidente, num País como o nosso, de um pouco mais de um milhão de habitantes, potencialmente rico em recursos, com camponeses peritos em lavoura, homens e mulheres corajosos no trabalho e no sacrifício, com um céu abençoando com chuvas benfazejas, é um paradoxo que a sua economia esteja como está e seja considerada das mais devastadas dos Países ditos mais «pobres» de África por conseguinte do “Mundo’”?!
A nossa agricultura, num solo fertilíssimo, onde outrora a cultura do arroz abundava, da mancarra também, a extração do coconote e óleo de palma enriquecendo a produção, temos hoje tudo praticamente abandonado, em benefício quasi exclusivo de nozes e vinho de caju, produto como se sabe, empobrece sobremaneira o chão!
A pesca, outro pulmão da nossa economia, sofre duma gestão que se diz incontrolada e incontrolável. Os investimentos feitos em câmaras frigoríficas para a conservaçâo dos produtos do mar em estado de deliquescência?
Outros sectores da vida do País, Senhor Presidente da República, não escapam à miséria:
– Assim, as nossas estruturas hospitalares se encontram imensamente carentes, muitos pacientes, aqueles que dispõem de meios, deverão recorrer a Países estrangeiros, por falta de equipamento e de especialistas nos nossos hospitais. Quid dos outros sem meios??
– Nos nossos Estabelecimentos escolares, as estatísticas revelam que os resultados e o nível do ensino estão cada vez mais baixos. Que a nossa função pública anda bastante desvalorizada, os funcionários sofrendo meses a fio sem salário e este, incompatível com o custo elevado de vida??
– Constante, é a quase inexistência duma rede de energia elétrica doméstica e industrial, sopé indispensável ao conforto nos lares e ao desenvolvimento económico. Inexistência também, duma rede rodoviária ao serviço da populaçâo e transações entre a Capital e outras aglomerações do País…
E já vamos, Senhor Presidente da República, para além de 30 (trinta) anos da nossa independência, mais de uma geração e mais a nossa!!
Os relatórios das mais autorizadas e credíveis Instituições Internacionais divulgam, Sr. Presidente da República, que a situação de pobreza que prevalece
no nosso País, se deve, entre outros males, à péssima governação dos sucessivos regimes, à corrupção, ao desvio de fundos públicos, à concussão, à incompetência!!…
Senhor Presidente da República, a instabilidade crónica que vem minando a vida económica e social do nosso País, tem sido o factor mais ‘’estável’’ desde a nossa Independência!!
Torna-se uma prioridade, um imperativo absoluto, Senhor Presidente, a restruturação das nossas Forças Armadas. Convém proporcionar aos nossos soldados e aos Antigos Combatentes, condições duma existência condigna, instaurar um Exército Nacional Republicano a condizer com as necessidades de hoje, tanto no seu efectivo como na sua modernizaçâo.
A nossa Juventude, Senhor Presidente, vive sem amparo, sem rumo, sem futuro. O desemprego, crónico, não ajuda aspirar a uma vida decente e é de recear que o alcool, a droga, a prostituição, já presentes, venham agravar a sua já tão precária existência. Ela, a nossa juventude, também e infelizmente é inexistente no palco das competições desportivas inter-africanas e internacionais ausentes em encontros culturais!
Senhor Presidente da República, esta é a parte ínfima da realidade que naturalmente estou certo não ignore, e à qual irá estar confrontado logo de início e durante o seu mandato.
Hoje, com o multipartidarismo, se revelaram, como ontem, várias sensibilidades – o que é salutar -, na paisagem política do nosso País. Procure e esforce incutir no espírito de cada guineense, o conceito da tolerância e da irmandade!
Tente, ao pé dos que porventura ainda a cultura de Partido único subsista, doutriná-los à cultura da democracia e de respeito à opiniao doutrem. Ensinar que um irmão que milite num partido diferente pode ser um adversário em termos de ideia doutrinal, mas nunca um inimigo. Porque todos aspiram ao mesmo ideal: O bem do País, o bem de cada um. Faça triunfar a batalha das ideias, sem violência e no respeito mútuo!!
Senhor Presidente da Républica, preconizo que pratique como tentara em 1980, mas desta vez sinceramente, a política de mão estendida a todos os Partidos. Tente, respeitando as regras da democracia pluralista, com o apoio Parlamentar, governar com homens e mulheres competentes, estejam eles onde estiverem e seja qual for a cor do Partido a que pertençam, ou sem Partido nenhum. Privilegie a competência e a honestidade. Tenha em conta única e exclusivamente o interesse geral!!
Senhor Presidente, ao pedir publicamente perdão ao Povo pelos seus erros do passado, deu provas de coragem. O Povo, ao elegê-lo à Magistratura Suprema, confirma a sua magnanimidade. Porém, a História nos ensina também, Senhor Presidente da República, que o Povo pode perdoar, o Povo às vezes, perdoa. Mas o Povo, Senhor Presidente, não esquece, o Povo nunca esquece. A sua memória é in memoriam! A sua memória é perpétua!…
Senhor Presidente da República, tente deixar à História, um novo marco desta sua nova Passagem, antes que o Destino, inexorável, nos leve à Eternidade!!!
Faça com que ao fim deste seu mandato, os filhos da Guiné, possam dizer: ‘’Estamos num bom caminho, entramos finalmente na senda do Progresso e na era de Justiça e de PAZ’’!!
São estes, os votos ardentes deste velho militante, pioneiro da hora H, que se prosterna com respeito e solenidade perante a memória dos que pelo caminho ficaram, dentre os quais o saudoso Amilcar CABRAL, rendendo-lhes Preito e Homenagem pelo sacrifício supremo, na certeza de que a GUINÉ, a nossa Pátria , irá ser (e sê-lo-á) um País ufano, orgulhoso, no sentido nobre da palavra, andando de cabeça erguida, no bem estar e na felicidade de seus filhos, a militar activamente no concerto das Nações Livres e Independentes pela Paz no Mundo!!
Senhor Presidente, através desta Carta Aberta, quero saudar e prestar Homenagem a um outro Símbolo (Vivo) da nossa Luta, Raiz e Mobilizador do nosso Nacionalismo, outra figura mártir da nossa História: Rafael Paula Gomes BARBOSA, nosso Companheiro, meu ilustre Zain LOPES de nome de guerra e da clandestinidade.
Que Deus proteja a Guiné-Bissau.
Aceite, Senhor Presidente da República, os protestos da minha respeitosa consideração.
Henri LABERY (Politólogo – Jornalista Político-Editorialista)
Fundador com Amilcar CABRAL e Rafael BARBOSA, do Primeiro Movimento de Luta pela Independência da Guiné (MING) 1954.
Primeiro Leader Nacionalista duma Colónia Portuguesa a ser reconhecido e admitido no seio das Nações Unidas em Novembro de 1961, advogando do alto da tribuna da Organização Mundial pelo direito da Guiné “Portuguesa” e das Ilhas de Cabo Verde à Auto-determinação, à Soberania Nacional e Internacional enquanto Secretário-Geral do Movimento de Libertação da Guiné e de Cabo-Verde –MLGC- ./