A esperteza de Lebre do Baciro Djá
Augusto Ulique ∗
Muitos falam das incongruências do Baciro Djá, eu diria a esperteza de Lebre do Baciro Djá.
O DSP ao aceitar o apoio de Djá, abriu-lhe a porta de regresso à família do PAIGC. Consciente ou não, permitindo ou não, o Baciro mais uma vez confirmou a esperteza da Lebre que sempre usou na senda política para chegar onde se encontra hoje na sociedade guineense.
Quem soube analisar atentamente os vídeos dos comícios durante a 1ª. volta das presidenciais na Guiné-Bissau poderá reparar um fenómeno que decorreu durante esta campanha. Dos 12 candidatos à presidência, 3 entre eles (Domingos Simões Pereira, José Mário Vaz e Carlos Gomes Júnior) são todos militantes ativos do PAIGC. Outros 2 (Baciro Djá e Umaro Sissoco Embaló) são os ditos “ex-militantes” dos libertadores. Portanto aqui houve, a meu ver duas campanhas simultâneas.
Uma campanha, que era para as presidenciais, e outra, da luta para a liderança do PAIGC, que aqui fica demonstrado naquilo que eu considero de esperteza de Lebre do Baciro Djá!
O senhor Baciro Djá atacou, e com acusações graves, na 1ª. volta das presidenciais quer o DSP, quer o JOMAV, com simples, mas claras e objetivas intenções. Se conseguir regressar à família do PAIGC fazer lembrar aos militantes o que havia denunciado durante a campanha para as presidenciais, para lhe legitimar a candidatar-se à liderança dos libertadores.
Ao CADOGO Júnior, Djá só fez lembrar a este que já é tempo de se ocupar dos netos e deixar a política ativa. Para Baciro Djá, o Umaro Sissoco não constituirá nenhum perigo uma vez que este se encontra na estrutura de liderança de um movimento (MADEM-G15) que hoje lidera a oposição, constituindo-se atualmente como o segundo maior partido na Guiné-Bissau. Portanto está fora de questão que o Sissoco tenha intenções de regressar ao PAIGC.
Com este cenário o grande perdedor na luta política no seio dos libertadores será o DSP. Se o Domingos Simões Pereira ganhar as presidenciais, será obrigado a deixar a liderança do partido. Para este fim haverá candidatos à liderança do partido e um deles poderá ser o Baciro Djá que depois da segunda volta das presidenciais abandonaria a FREPASNA para regressar à família dos libertadores.
Uma vez que Djá decidiu apoiar o DSP, ganhou a estima e a legitimidade dos militantes do PAIGC neste momento decisivo entre quem será o próximo Presidente da República entre Simões Pereira e Sissoco Embaló.
Se o DSP perder as eleições presidenciais, será o fim da sua liderança no partido. Porque os críticos e os opositores da sua liderança vão reclamar a sua incapacidade em ganhar eleições. As suas estratégias de liderança fizeram com que o PAIGC perdesse a maioria absoluta conquistada nas eleições legislativas de 2014, e consequentemente, não tenha conseguido vencer as legislativas de março deste ano com uma maioria que lhe permitisse governar sozinho. É a partir daqui que afirmo que o grande perdedor na política guineense nesta altura é o DSP que não soube tomar decisões certas, realistas, coerentes, nos momentos oportunos.
Houve alturas em que o DSP poderia aproveitar para unir a família do PAIGC ao invés de manter os princípios, as promessas e alianças que depois não soube ou não pôde honrar.
Se alguém se lembrar num dos comícios do JOMAV em Buba sul da Guiné se não me engano, disse em kriol, cito: “I na pirdi es eleiçon i dipus nô na robal partido”. Para mim tornou-se claro que a eleição presidencial não é só uma mera eleição para a presidência da República, sendo igualmente uma oportunidade de disputa para a liderança do PAIGC.
Por isso, chamo a atenção aos compatriotas que veem o Domingos Simões Pereira como solução para a Guiné-Bissau.
Sem uma renovação e reformulação radical do PAIGC (que até aos nossos dias ainda se considera partido-Estado), nada mudará na Guiné-Bissau, sobretudo, enquanto este partido continuar a ser o detentor dos símbolos da nação e com slogans da última campanha para as legislativas, cito: “É terra ten si dunu”. E cada vez que existir conflitos no seio dos libertadores, que sempre reclamam serem donos da Guiné-Bissau, o país continuará na habitual instabilidade política.
Suponhamos que assim fosse, que o PAIGC sozinho é que libertou a Guiné do jugo colonial português, o que não é o caso. Isto não lhe dá a legitimidade de manter uma nação refém durante décadas. Reclamando o direito de ser o único que libertou o país por isso, ser o dono da nação guineense.
Disse e repito que o PAIGC, nos tempos idos não foi a única força que libertou a Guiné-Bissau. Porque o próprio Amilcar Lopes Cabral que muitos denominam de pai da nação, dizia: “(…) O PAIGC é um movimento que congrega forças e ideologias de interesses diferentes unidos para um objetivo único/comum, o de expulsar o colonialismo português do nosso território. E que depois da independência os camaradas que continuassem a apoiar e a seguir os ideais do partido, teriam que se inscrever para a militância no partido. A partir daí os dossiês de cada camarada seriam estudados pela direção superior do partido remetendo-os para aprovação. A quem não conseguisse reunir as condições para ser admitido como militante no partido, seria atribuído o estatuto de Combatente da Liberdade da Pátria.”
Por isso convido-vos a ler a obra de Cabral quando dizia que nem toda gente é do partido. Hoje há pessoas que reclamam o estatuto de serem militantes só por pegarem em armas e lutarem ao lado do partido contra o colonialismo e nenhuma vez preencheram a ficha de inscrição como militantes do PAIGC. Assim como também há pessoas, que só por militarem no PAIGC depois da independência, por convicções ideológicas, chegam a reclamar o estatuto de Combatente da Liberdade da Pátria; ou que julgam que, por um familiar ter lutado pela independência nacional, esse facto dá-lhes, igualmente, por via “sucessória” de familiaridade/parentesco, o direito de herdar o estatuto de Combatente da Liberdade da Pátria.
Aconselho o PAIGC que conheço desde a infância (mas ao qual nunca aderi), nas matas de Gã-Pará, Gã-Gurgol e Ponta-Nobo, na região hoje chamada Quinara, de seguir os ideais de Amilcar Lopes Cabral, e de se libertar das garras de oportunistas e pessoas que aderiram à luta de libertação para se salvar dos crimes cometidos nas zonas então ocupadas pelo colonialismo português, ou os que pensaram tomar depois o partido para usarem para os seus interesses pessoais (Muitos ainda se lembram da música do grupo musical Super Mama Djombo nos anos 70: Tugas n´barka ê bai, tugas di terra fika, ê na soronda, imperialismo na regua..!). Porque estes de facto estão ainda dentro do PAIGC até aos dias de hoje. O próprio Amilcar Cabral havia dito que depois da independência todos eles iriam ser apresentados à justiça para responderem pelos atos que os obrigou a abandonar a então zona ocupada pelo inimigo.
Na sua obra, Cabral mencionou alguns nomes a título de exemplo para ilustrar que nenhum dirigente ou militante do partido deve sentir-se confortado com aquilo que conseguiu fazer para chegar hoje lá onde está e ocupar o lugar que ocupa esquecendo do passado. Ele foi ainda mais longe, dizendo que: “vamos considerar os registos criminais que a administração colonial vai deixar na nossa terra”.
Se, na verdade, o PAIGC hoje pensar seguir os ideais de Amilcar Cabral, que ponha ao público as obras dele para serem estudadas, analisadas na sociedade guineense. Porque este partido é detentor de segredos de uma nação por construir. Perguntem ao povo da dita “antiga-zona libertada” o que lhes foi prometido durante a luta de libertação.
Qual foi o papel que desempenharam durante a luta de libertação. Alguém sabe dizer como é que os guerrilheiros eram abastecidos com géneros alimentícios?
Como funcionava a logística para abastecimento dos guerrilheiros com materiais bélicos?
Para os que não sabem, já existia de facto um aparelho administrativo na então “zona libertada”, ou seja, os lugares ocupados pelos guerrilheiros. É aqui que nasce o dilema do PAIGC querer reclamar um passado que pertence a quase ⅔ dos guineenses que durante a luta de libertação fazia o grosso da “antiga-zona libertada.”
Por questões de estratégia política a nível internacional, Cabral foi obrigado a criar um aparelho de estado rudimentar para convencer a opinião internacional, o que conseguiu de facto.
O paradoxal em tudo isso é que depois da morte de Amilcar Cabral ninguém foi capaz de fazer as correções ou a reestruturação de uma ideia ou estratégia que foi criada de forma provisória para alcançar uma etapa da vitória numa guerra de libertação contra um país (Portugal fascista) fraco em termos da existência de uma burguesia influente a nível mundial.
Portugal desprezou a Guiné tanto tempo, que nem sequer se apercebeu que a inteligência de Amilcar Cabral implantada numa colónia que os tugas sempre consideravam de só mais um pedaço de território no continente africano, poderia afetar o bolo gordo como Angola e Moçambique, onde o imperialismo havia sido instalado com colossais lucros que tiravam para a metrópole e a Europa capitalista.
É bom que os guineenses comecem a pensar num Estado e numa Nação por construir e porem de lado os partidos políticos. A luta de libertação demonstrou aquilo que Cabral de facto percebeu e chamou de unidade, luta e progresso. Unimo-nos e lutamos contra um mal que afetava a sociedade guineense: o colonialismo, e vencemos, tornando-nos independentes sem questionarmos a etnia, raça, religião ou cor da pele. Agora o que nos falta é ter o mesmo espírito, desta vez o patriotismo e o nacionalismo para podermos erguer uma nação progressista que orgulhe a todos os Bissau-Guineenses, e não a um partido!
A Guiné-Bissau e os interesses dos guineenses estão acima de TUDO e de TODOS!
Deus abençoe os GUINEENSES!
Augusto Ulique/ 15 d. Dez. 2019/Flensburg, Alemanha
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∗ Eng.º Augusto Ulique, guineense, casado e pai de 5 filhos
Formação e carreira:
1986 -1991:
Estudos de Geologia e Minas com título de Engenheiro Geólogo com pós-graduação desde 1991 na Universidade Técnica e Academia de Minas em Freiberg/Saxónia na então Alemanha Democrática.
1992 – 1995:
Assistente na Faculdade de mineralogia da Universidade Técnica de Freiberg/Saxónia no Estado Federal Sachsen.
2000 – 2014:
Docente na Escola Superior de Bernburg no Estado Federal de Sachsen-Anhalt, com a cadeira docente de Ecotrofologia.
2013 – 2015:
Diretor de projeto de investimento na área de agricultura na Guiné-Bissau.
Desde 2015 após o regresso da Guiné-Bissau, até à presente data, é funcionário do Estado Federal de Schleswig-Holstein.