COVID-19: É PRECISO ESTAR À FRENTE DA CURVA
Eu juro que não queria escrever nada disto…
A trajectória do COVID-19 na Guiné-Bissau está em curso, depende de nós se a curva vai crescer exponencialmente ou não.
Soubemos hoje à noite, nas entrelinhas de um debate televisivo, que havia mais 6 casos confirmados no país, a juntar-se aos 2 anunciados no dia 25 de março. Ou seja, em 4 dias (entre 25 e 29 de março), multiplicámos por 4 o número de casos. Isto, presumindo-se que os resultados são de facto de 29 de março e não de 26 ou 27 de março (estou a tomar a data de anúncio como sendo a data de confirmação, mas estas 2 datas podem ser diferentes e isso é importante em epidemiologia).
Não sabemos se um dos novos casos seria o terceiro caso inconclusivo da primeira vaga.
Mais importante: não nos disseram se os novos casos são importados (pessoas – Guineenses ou não-que contraíram a doença fora da Guiné-Bissau) ou se já são o resultado de transmissão local (contágio de pessoas residentes, sem história de viagem recente para países com a doença). Não nos disseram se os 6 novos casos resultam dos primeiros 2 casos ou não. Não conhecemos o sexo e a idade das pessoas infectadas. Também não sabemos se são casos graves ou não.
Também não nos disseram se os novos casos estão relacionados uns com os outros ou não, ou seja, se pertencem ao mesmo foco de transmissão ou se já há vários focos de transmissão local. Quantos contactos estão a ser seguidos?
Ora bem, aqui reside a importância da transparência na comunicação de informação útil, completa e em tempo real, em situações de epidemia. Dependendo de como a gestão da informação é feita, conseguiremos ou não tranquilizar a população e obter a sua adesão às medidas de prevenção que estão preconizadas.
Urge definir a liderança política, estratégica, técnica e operacional da epidemia. É necessário clarificar funções e definir métodos de trabalho que sejam produtivos e impactantes. Organização, rigor, disciplina e método são fundamentais.
É imperativo reforçar a vigilância epidemiológica: se não conhecermos a trajetória da epidemia e a sua direção, vamos ter que correr atrás dela em vez de estarmos “ahead of the curve”.
Tendo em conta que cada caso confirmado pode infectar 1 a 2 pessoas (com base em dados da evolução da epidemia noutros continentes), é urgente terminar a formação de médicos, enfermeiros e pessoal de apoio na prevenção e controle de infeção e manejo de casos (para os primeiros), mas é também preciso mobilizar todos os formados em epidemiologia de campo e organizar um “crash course” para formar mais.
Proteger os profissionais da saúde e o pessoal de apoio é de capital importância. Comunicar e reforçar a sensibilização da população para a mudança de comportamento, com estratégias apropriadas e adaptadas ao nosso contexto é no regra de ouro.
Eu volto a jurar que não queria escrever nada disto…
Em cidadania.
Magda Nely Robalo – Epidemiologista
Bissau 29.03.2020