A BOA GOVERNAÇÃO É FEITA COM EXEMPLOS!
Cem mil dólares não foram suficientes para custear uma das recentes deslocações do Presidente? Que tal quatrocentos mil?
Não há dinheiro para combater a droga e pagar salários aos funcionários, mas há-o de sobra para financiar, e bem, uma campanha eleitoral e; para as despesas exorbitantes, ligadas às frequentes deslocações do Presidente ao estrangeiro.
Por: João Carlos Gomes*
03 de Dezembro de 2008
1. O governo do Primeiro-ministro Carlos Correia acaba de anunciar que não está em condições de pagar os quatro meses de salários devidos aos funcionários públicos, pedindo a estes que, ‘apertem os cintos’. Este anúncio surge a uma semana de uma das celebrações mais importantes da comunidade muçulmana e, cerca de três semanas antes de duas outras celebrações religiosas e familiares, o Natal e, claro está, o final do ano.
2. Tendo em conta o facto de que, para além das eleições legislativas acabadas de realizar, o pagamento dos salários dos servidores do Estado era a outra principal prioridade do governo liderado por Carlos Correia - como é que se explica esta declaração de Fernando Gomes, Ministro da Função Pública, repudiada recentemente por Desejado Lima da Costa, líder da maior central sindical do país?
3. Uma das explicações avançadas, aparentemente pelo governo, foi não ter conseguido persuadir um dos bancos privados do país a conceder-lhe um empréstimo de cerca de $1.5 (um bilião e meio) de francos CFA, corresponde a cerca de $3 (três milhões) de dólares americanos. Para explicar melhor a situação, e tendo em conta o facto de que, à partida, os interesses do país constituem uma preocupação, não só, do governo, mas também, do Presidente da República, talvez o governo tenha que ponderar o seguinte:
4. Não é fácil ignorar os meios logísticos que o Partido Republicano para a Independência e o Desenvolvimento (PRID), liderado pelo ex-Primeiro-ministro Aristides Gomes - conotado igualmente com o Presidente Nino Vieira - acaba de ostentar durante a sua, surpreendentemente bem financiada campanha eleitoral. Isto, sem qualquer fonte óbvia de receita, que justifique a disponibilidade financeira em questão, situação que chocou a consciência dos cidadãos, ao ponto de o PRID passar a ser conhecido popularmente como, ‘Partido Responsável pela Introdução da Droga’.
Não havia dinheiro para combater a droga, não é mesmo? Uma viagem memorável.
5. Para quem conheceu sensivelmente de perto Aristides Gomes, a noção de o antigo Primeiro-Ministro se ter envolvido com o negócio da droga é algo que, a priori, para o autor desta peça, foi difícil de aceitar. No entanto, os meios logísticos e financeiros demonstrados por Aristides Gomes e, o seu partido, afiguram-se um quanto chocantes por várias razões.
6. Por exemplo, durante o seu mandato como Primeiro-Ministro de escolha do Presidente Nino Vieira, ambos não foram sequer capazes de conjugar esforços, para mobilizar meios financeiros semelhantes aos da campanha eleitoral do PRID, para fazer face ao flagelo da droga que, continua a devastar de forma vergonhosa, a pátria de Amilcar Cabral. Agora, apenas pouco mais de uma semana após a divulgação dos resultados das eleições legislativas, surge a revelação de que o Estado não está em condições de cumprir com umas das suas principais responsabilidades para com os cidadãos – o pagamento dos salários?
7. Incidentalmente, nos últimos tempos, têm circulado fortes rumores que dão conta de uma rixa entre o Presidente Nino Vieira e, o actual Primeiro-Ministro Carlos Correia, pois por ocasião da sua última viagem à China, para a assistir à sessão de encerramento dos Jogos Olímpicos, em Setembro de 2008, Nino obteve autorização do Primeiro-Ministro, para um montante de $50 milhões (cinquenta milhões de Francos CFA), correspondente a aproximadamente $100.000.00 (cem mil) dólares americanos para custear as suas despesas. Pode-se questionar se, nas suas condições actuais, um país como a Guiné-Bissau pode-se dar ao luxo de ter um Presidente que necessita de tanto dinheiro para uma única viagem.
8. Mas o mais chocante, é que o principal problema não reside nos factos acabados de narrar. É que, segundo fontes em Bissau, não satisfeito com a quantia autorizada, Nino dá a volta ao Primeiro-Ministro e, consegue levantar do Tesouro Público, um montante quatro vezes superior ao que lhe havia sido autorizado, ou seja, $400.000.00 (quatrocentos mil) dólares. Este valor que representa cerca de trinta porcento da quantia que o governo está agora a tentar obter do tal banco privado para pagar salários aos funcionários públicos, foi gasto, numa só deslocação do Presidente, na qual, o governo do país anfitrião - a China - já estava a pagar tudo.
(Nino Vieira e Hu Jin Tao, Beijing, 16 de Setembro de 2008)
9. Esta incapacidade de estabelecer prioridades, patente na evidência dos factos, incluindo - com relação à origem dos fundos acabados de disponibilizar, para o PRID de Aristides Gomes, nas últimas eleições legislativas - tem que constituir motivo de muita preocupação, não só por parte dos cidadãos de um país empobrecido por anos de má-gestão da coisa pública, mas também, dos parceiros internacionais da Guiné-Bissau, principalmente, os países doadores. Porque é que os guineenses são chamados a ‘apertar os cintos’, enquanto o Primeiro Magistrado da Nação vive à Jet-7 (a larga)?
10. Porque acudir aos apelos de um país assumidamente pobre, e, cujo Presidente, por um lado, afirma às populações que não visita o interior, porque o país não tem dinheiro, mas que, por outro lado - como foi o caso, por exemplo, entre Setembro e Outubro de 2007 - no espaço aproximado de um mês, se encontra, literalmente: esta semana, em Nova Iorque (acompanhado da mulher; o cunhado, e; a filha), na semana seguinte, em Paris; na outra, em Havana, e; na outra ainda, em Brasília? Para que servem os Ministros dos Negócios Estrangeiros, e outros oficiais, cujas viagens custam muito menos do que as deslocações presidenciais, muitas vezes, completamente desnecessárias?
11. No que concerne à comunidade internacional, quem é que vai tomar a sério as alegadas insuficiências económicas e financeiras do país que, levaram, por exemplo, a Dra. Carmelita Pires, Ministra da Justiça da Guiné-Bissau, a lançar um apelo internacional de apoio para o financiamento de um programa de emergência para o combate ao tráfico de estupefacientes – quando provenientes de um país, cujo próprio Presidente e; o seu Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, entre outros, desfilam pelas ruas da capital, em veículos de alta gama, tais como o ‘Hummer’ (fabrico Americano, com um dos maiores índices mundiais de consumo de combustível, dentro da sua classe)?
12. A falta de apoio e de financiamentos para certas áreas consideradas cruciais, são indicadores claros do nível de credibilidade dos actuais dirigentes da Guiné-Bissau, aos olhos de uma comunidade internacional, cada vez mais cansada de dar a este país, mais uma oportunidade, entre muitas outras, completamente desperdiçadas.
13. Por ocasião da sua última visita à Suécia, país que, por décadas, investiu muito na Guiné-Bissau, o autor desta peça foi confrontado, durante uma conversa com um dos antigos representantes deste país nórdico em Bissau, com aquilo que representa a frustração sentida por parte de muitos dos parceiros do país com a situação vigente. Num crioulo perfeito, o mesmo afirmou: ‘João Carlos, Guiné-Bissau nega desenvolvi’ (a Guiné-Bissau é um país que se recusa a desenvolver)!
‘Bó para dja’!
(‘Já chega’, advertência do grupo musical Tabanka Jazz, numa das suas interpretações).
Ninguém está a exigir à Guiné-Bissau que institua um programa ‘Sankarista’ de austeridade, mas apenas que os seus governantes ponham a mão na consciência e sintam, pelo menos um pouco, a dor do seu próprio povo.
14. O termo ‘Sankarista’ é utilizado aqui como referência ao modelo de governação instituído pelo malogrado ex-Presidente Tomas Sankara, do Burkina Faso que impôs medidas de austeridade não só ao país, mas a si próprio, como exemplo.
15. Tomando o montante gasto com a viagem à China como referência e, se tivermos em conta o número de vezes que o Presidente Nino Vieira viaja por ano, pode-se imaginar o desfalque que as suas deslocações representam para o Orçamento do Estado, num país que, para além de não ter um único hospital decente para tratar os seus cidadãos, reclama hoje e aos quatro ventos, falta de recursos para cobrir as suas outras despesas mais básicas, como é o caso com as dificuldades actuais no pagamento de vários salários em atraso.
16. Os cidadãos têm direitos e, a comunidade internacional está à espera de ver uma demonstração sustentada, por parte do governo, da sua capacidade de exercer, a começar pelo próprio Presidente Nino Vieira, um certo sentido de responsabilidade fiscal, à medida dos graves problemas económicos, financeiros e sociais que o país enfrenta no momento. E, não custa muito aos governantes fazerem um esforço sincero, consciente e responsável, nesse sentido, quando claramente, os excessos têm custado muito ao país.
Sugestões:
‘Santos’ da casa: ‘Pui mon, pa n’djudau’
(põe as mãos, que te ajudarei)
17. De forma a fazer um esforço, ainda que mínimo, para demonstrar aos parceiros da Guiné-Bissau, a sua preocupação em poupar e, utilizar, ao máximo, os magros recursos do país, porque é que, por exemplo, na sua ida a Cuba em 2007, o Presidente guineense não coordenou o itinerário das suas viagens com os seus homólogos dos países amigos, pedindo por exemplo, boleia à delegação cubana, após a sua participação nos trabalhos da Assembleia Geral das Nações Unidas, para cobrir o trajecto Nova Iorque/Havana?
18. Porque é que depois de Nova Iorque, o Presidente e a sua delegação tiveram que ir até Paris, para só então, atravessar, de novo, o Atlântico, rumo a Havana, e; não foi, de Nova Iorque, directamente para Cuba, que fica a minutos de avião da fronteira sul dos Estados Unidos, país a partir do qual tem várias opções, muito mais baratas?
18. Será que, na ida a Cuba, e, como parte de um processo coordenado entre países amigos, se Nino Vieira tivesse pedido boleia ao Presidente José Eduardo dos Santos, de Angola, que, precisamente na semana anterior, esteve em Havana, este não teria passado por Bissau, que fica convenientemente a caminho para o pegar, antes da sua travessia do Atlântico e, em seguida, após Cuba, juntos para Nova Iorque, para onde o Presidente Angolano também veio, sem quaisquer despesas adicionais para a Guiné-Bissau? Angola é um país que nos últimos tempos tem assistido muito a Guiné-Bissau com os seus problemas financeiros. Não há qualquer sombra de dúvida que, no seu novo papel de Presidente do, ‘País Piloto do Continente Africano’, José Eduardo ‘Zedu’ dos Santos tê-lo-ia feito. Na hora de mendigar, porque não os milagres de um, ‘dos Santos’, da casa?
*Escritor/Jornalista
Nova Iorque
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Projecto Guiné-Bissau: CONTRIBUTO