A democracia à luz das eleições

 

Filomena Embaló

fembalo@gmail.com

28.06.2005

 Filomena EmbalóSeja qual for o resultado desta eleição presidencial, desde já aparece uma questão que urge ser objecto de profunda reflexão num futuro imediato, se é que se quer que a Guiné-Bissau viva a sua aprendizagem democrática sem os sobressaltos que a têm avassalado nestes últimos anos:

 

Que modelo de democracia será viável para a Guiné-Bissau?

 

 

 

 

 

 

Interessantes têm sido as análises feitas sobre o processo eleitoral em curso, denunciando as anomalias que, por sinal, em cada escrutínio vêm ao de cima: a motivação de candidatos por interesses pessoais, a compra de votos por candidatos, a exploração de sendas tribais para a angariação de votos, a não aceitação dos resultados saídos das urnas, a transformação das eleições em licitações para o aluguer do Palácio da República ou da Primatura, para citar as mais gritantes.

 

Levantou-se a questão da credibilidade que poderá ter, perante a opinião nacional e internacional, um vencedor que ganhe por ter pago o preço mais forte. Questionou-se quanto às garantias que tal eleito possa dar para o combate à corrupção, que se tornou numa instituição nacional, a única que funciona (e bem) no país.

 

Insistiu-se muito na necessidade da transparência das eleições que se querem também livres e justas e relevou-se a importância da presença de centenas de observadores internacionais durante a fase do escrutínio, considerados os garantes dessa transparência. Porém ninguém se questionou se se pode realmente considerar transparente, livre e justo este processo eleitoral, na medida em que o controle da transparência se limitou apenas ao processo de votação e contagem de votos. O que dizer de todo o processo que está a montante da votação: a campanha pré-eleitoral e eleitoral? Poderão ser consideradas também transparentes, livres e justas eleições recheadas de irregularidades e actos de corrupção por parte de certos candidatos, que todos são unânimes em denunciar?

 

Constatou-se o forte peso do voto étnico nos resultados desta primeira volta e denunciou-se por causa disto mais uma manobra de captação de votos. Mas isto não seria já de esperar, tendo em conta as características fundamentais da maioria da população guineense? Como se pretende que vote uma população essencialmente rural, com um índice de analfabetismo rondando os 80%, vivendo num quase ostracismo cultural, em que as referências fundamentais são as do clã e em que o desconhecido não inspira confiança por não se identificar nele valores comuns? Como fazer respeitar as regras do jogo desta democracia, quando ela se revela alheia ao sistema de organização política e social da maioria da população que vive e sobrevive à margem dos órgãos de soberania e poderes institucionais? Já se pensou na facilidade que é para um candidato a compra de um voto étnico? Aliciando as cúpulas tem o voto do povo numa bandeja!

 

Alguém se referiu mesmo à falta de maturidade política por parte do cidadão por pensar que este não vota livremente segundo a sua consciência. De que maturidade política se fala? O que é fazer política para o cidadão comum, que não tem o direito de se projectar a longo prazo por ser a sua primeira (e, na maior parte dos casos, única) preocupação quotidiana a luta pelo sustento alimentar dos seus? Não será dotar-se de meios que lhe permitam alcançar esse sustento, mesmo que seja pontualmente? E isso é falta de maturidade política? Não terá ele votado em consciência de acordo com as suas aspirações imediatas? O que é o futuro da nação para o cidadão que tem fome e vê os seus morrer por falta de assistência médica? Unicamente uma noção abstracta!

 

Perante este estado de coisas, pergunto:

O que é que está mal na nossa sociedade?

Que sentido têm estes processos eleitorais? São para dar boa consciência aos governantes e cativar a comunidade internacional para continuar a dar ajudas? Uma coisa é certa, eles põem a nu todas as aberrações e limitações da implantação do sistema democrático ocidental no nosso país!

Não será já tempo de se “desconfiar” da inadequação do modelo de democracia que se pretende instaurar a prego e martelo e que é alheio à maioria da população guineense?  

Não será já tempo de se dar aos cidadãos os meios para se desenvolverem e serem eles mesmos a construir, de baixo para cima, o seu próprio modelo de democracia de acordo com os seus valores de referência, aqueles com os quais se identificam?

Ou será que vamos continuar a inovar na “guineanização” da democracia ocidental?!


PROJECTO GUINÉ-BISSAU: CONTRIBUTO - LOGOTIPO

VAMOS CONTINUAR A TRABALHAR!

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