A Guiné-Bissau no compasso da crise e instabilidade política

                                           

       

                                                                

 Avelino Gomes Costa*

avelcost@gmail.com

Escrito em Paris, 24 de Setembro de 2010 

 

 A Guiné-Bissau conforme é desejo de todos seus filhos, tem de poder contribuir para seu desenvolvimento por maiores que sejam as dificuldades. Volvidos hoje, mais de trinta e seis anos desde que o país se configurou no quadro das nações do mundo como território independente e soberano, após uma árdua e intensa luta armada contra o regime colonial português que durou onze heróicos anos.

 

Enquanto algumas das promessas eram desde o início idealizações provavelmente alcançáveis, outras encontraram obstáculos imprevistos na era da democratização. Com efeito, a história legou a realidade graves e complexos problemas, com os quais devemos lidar hoje. Dos primórdios da independência à actualidade, o país tem passado por não poucos cenários de convulsões sociais e sobressaltos políticos sob égide duma classe carente de pensamento estratégico gerencial e com uma visão desenvolvimentista limitada do Estado.

 

Trinta e seis anos se passaram e continua uma situação de desespero e incertitude na condução de destino do nosso país. Há quem diga que entre promoção de incompetência e a má filosofia inspirada de governação, repousa o fundamento que serviu de álibi para justificar a crise dando tom à instabilidade, regressão social, e votando ao fracasso todos os esforços de construção de um Estado de direito, democrático, participativo e do tão almejado sonho de bem-estar social atrelado ao desenvolvimento sustentável. Portanto, é vergonhoso e preocupante se tivéssemos em consideração o tempo perdido com atitudes e comportamentos que em nada abonam para equacionar o desenvolvimento. Porém, muitos entraram no abismo da impopularidade pelo que demonstraram ser capazes de oferecer ao país. Ora, à medida que o país se torna ingovernável, sob auspício dum regime imprudente, predador e intolerante, pode-se esperar que para sua revitalização face à adversidade da conjuntura também seja um fardo mais do que imaginável.

 

Entretanto, a Guiné-Bissau não pode continuar a ser alcunhada como reduto dum militarismo atípico e o terreno fértil para semear ódio e vingança. Assim, numa clara alusão à necessidade imperiosa de juntos trabalharmos pela paz e estabilidade, considero que a acção política dos investidos da responsabilidade de gerir o país, não só deve se limitar ao âmbito das instituições políticas enquanto tais, mas, em grande medida, de certo contexto ético e moral que se desenvolve e consolida.

 

Apesar das vozes, que no contexto da victória democrática para o triunfo da alternância clamam pelo estancamento de aberrações, até então praticada pelo regime no sentido da rápida e célere reconciliação, a Guiné-Bissau ainda se mantém refém de uma das suas maiores ameaças de sempre ‘a instabilidade política’ que tem provocado ecos de desequilíbrio na governação. Esta visão sucinta da realidade, mostra que há no interior da própria administração central, conflitos internos não resolvidos pelo qual, porém, é necessário passar. Efectivamente, entre imbróglio e coabitação política inglória está fadado o sistema.

 

Não se limitando apenas a esta questão, muitas situações ridículas do presente apontam para o campo complexo do ‘jogo’ a falta duma política de concertação activa e de diálogo permanente que logicamente teria de envolver actores da sociedade civil, o exemplo de sindicatos, partidos políticos, associações juvenis e profissionais, ONGs e diferentes confissões religiosas, na busca de soluções radicalmente novas para lá das contingências conjunturais.

 

O comprometimento com o ideal democrático, na forma de aplicação de seus valores normativos intrínsecos, deve permitir que o abuso de poder seja restringido e fazer com que a justiça funcione ao mínimo. Paradoxalmente, privilegiar hoje uma pluralidade de factores que animam a nossa viva pretensão de custurar mecanismos em detrimento da paz e estabilidade é sem dúvida perante a conjuntura, uma questão permeável de evitar formatos institucionais e códigos morais rígidos que abrem espaço para decisões arbitrárias e abusos de poder. Partindo dessa idéia incontestável e visando uma orientação de opinião no sentido desejável, a questão seria então, como amnistiar os erros e deslizes d´outrora se no contexto actual do agir político, ainda não se vislumbra sinais relativamente positivos de mudança em oposição ao culto de práticas subversivas e do macabrismo político?

 

Há bastante evidência de que, na Guiné-Bissau, de tanto que já vimos e assistimos em momentos conturbados da história, uma grande quantidade de ocorrência da palavra “nô purda dja n`tru”, parece reunir consenso para encorajar a iniciativa dum amplo debate sobre as possibilidades de estabilização. Tal desiderato sob efeito acumulado das crises que tem passado a Guiné-Bissau é uma condição indispensável, única e talvez a necessária para reconciliar os guineenses e fazer com que o próprio país se coloque no aspiral ascendente rumo ao desenvolvimento. Perdão só pode não ser um grande sacrifício moral, mas sim um esforço minimalista, quando todos os actos da injustiça, barbárie e desordem, tais que revestidos de impunidade, fossem a expressão última duma justiça funcional.

 

A estabilidade política que a Guiné requer deve resultar da combinação dos elementos que garantam a participação da cidadania e as necessidades técnicas e operacionais que o governo precisa para o pleno cumprimento de suas funções. Caso contrário, continuaremos a suster descaminho na condição mórbida da longa história em nome de desenvolvimento, paz e da democracia. 

 

 

 * Diplomado em Ciência Política pela Universidade de Brasília – UnB/ Brasil

 * Mestrando em Ciências Políticas e Sociais pela Université Paris II Panthéon-Assas / França


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