A identidade da Guiné

Matteo Candido *

25.03.2010

Identidade: cada um de nós defende-a com  os dentes cerrados,  reagindo imediatamente quando vê alguém comprometê-la. É óbvio que não existe nada mais caro, pois é o nosso ego, sem o qual não podemos viver.

Saibamos porém o quanto estamos dependentes dos que nos rodeiam, dos que, para além de nós, ajudaram no crescimento e fortalecimento da nossa identidade, o que dificilmente teria acontecido sem eles.

A Minha identidade pessoal é, portanto, a mesma da minha família, do meu clã, da minha tribo. As próprias tribos podem ter entrado em contato com outras tribos pacífica ou conflitualmente, o que provocou sempre trocas de características, alterando assim a identidade primitiva.

Assim, a identidade que se reivindica ser sem misturas(sem mestiçagem) é pura fantasia, uma abstração, fora da história, e que levou às aberrações que conhecemos do Hitler com a sua hipotética raça ariana. Para o poeta e político senagalês Léopold Sédar Senghor a mestiçagem era uma mais-valia, um enriquecimento para cada raça.

Não há raças puras, ou nações com uma única raça: todos nós somos, mais ou menos, o resultado de uma mistura de raças.

É evidente que não podemos aceitar que alguém que está lá fora, venha nos impor, como nos tempos primitivos, o seu tipo de mestiçagem. Todo mundo tem que fazê-lo por si, caso contrário estamos perante uma imposição. E abusos destes houve muitos na história. Sendo o colonialismo o mais conhecido em África. Mas também houve outros casos, como a expansão árabe-muçulmana, ainda que tenha sido feita sob a inspiração da religião e não à base da força, como aconteceu com os europeus. Mas também foi uma imposição.

Isso suscita um sentimento de rejeição e irritação e é considerado um ataque hediondo à própria identidade. É ver que esses "vêm de fora" apresentando-se com um ar de superioridade, impondo "a civilização", “o progresso” a quem, aos seus olhos, ainda é "subdesenvolvido".

A arrogância e prepotência dos europeus é hoje um facto reconhecido que envergonha qualquer branco que tenha conhecido, através da história, os comportamentos "primitivos" e "incivilizados" dos velhos colonialistas revelando apenas a estupidez e a injustiça que cometeram, apesar de se terem dado a conhecer como desenvolvidos e civilizados.

Mas o que é a civilização?

Além das palavras e discussões, acho que podemos ter um conceito menos impreciso e vago, quando assistimos à união de um ou mais povos à volta de uma estrutura que expressa uma mentalidade e uma forma de ser que permite a todos os participantes,ser tratados como pessoas e nunca como istrumentos.

A civilização não é, portanto, uma questão de quantidade, de magnitude, de extensão, de riqueza ou de poder.

Ela é a expressão da riqueza da natureza, nos diferentes lugares, através dos tempos.

Esta natureza humana aparece sempre cada vez que vem ao mundo um ser humano, mas as sua formas sâo determinadas e limitadas pelo ambiente físico e social em que o indivíduo se encontra, ou seja, numa dada família, naquela etnia, nessa população específica.

Em cada indivíduo, família, etnia, há um valor específico e positivo; todos podem beneficiar dele, para melhorar ou enriquecer a própria humanidade. E isso é basicamente o que significa a própria cultura, que eleva, enobrece a humanidade de cada pessoa, e de cada etnia.

Mas a experiência e a história dizem-nos que, por dentro desta humanidade: em nós, nas famílias, nos grupos étnicos ... não há só expressões positivas, mas também  injustiça, perseguição, maus tratos ... E também aqui, a nossa identidade é posta em causa: devemos ser honestos, admitir as nossas limitações e superá-las. E se a identidade individual não consegue fazê-lo sozinho, é necessário outras identidades, ou valores "superiores" (família, etnia, tribo nação), intervirem para evitar que a identidade individual se transforme em capricho e cause danos no colectivo.

O ponto mais alto desta "entidade superior" é a Guinendade, para os grupos étnicos da Guiné - Sédar Senghor e outros pensadores africanos referem-se à "negridude" - isto é, à chamada para uma mentalidade comum, na qual a natureza da Guiné se exprime melhor e se defende contra a estupidez recorrente de indivíduos ou grupos.

Esta Guinendade tem que ser determinada por pessoas que lhe pertencem. Nâo dos outros. Aqueles que estão fora podem ser escutados e as suas ideias acolhidas como particularidades que sirvam para o seu próprio enriquecimento.

A Guindedade não é eterna, é algo vivo, que deve ser sustentado e defendido com base nos valores recebidos da tradição, sabendo que hoje, com a globalização não é fácil, sobretudo devido às imposições selvagens de uma economia mundial que a política ainda não conseguiu regular, e que está corrompendo todos os valores humanos herdados da tradição.

* Pedagogo italiano, amigo da Guiné-Bissau.


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