AINDA O DESVIO DOS CEM MIL DÓLARES

 

 

 

ENQUANTO O GOVERNO LUTA PARA PAGAR SALÁRIOS REGULARES AOS FUNCIONÁRIOS, O REPRESENTANTE DA GUINÉ-BISSAU NAS NAÇÕES UNIDAS NÃO CONSEGUE JUSTIFICAR O PARADEIRO DOS CEM MIL DÓLARES!

 

As consequências dos desvios constantes dos magros recursos da Embaixada em Nova Iorque e da má gestão - que resultaram na perda das instalações da Missão Junto das Nações Unidas - para a imagem e as finanças do país: Alguém se importa em Bissau?

 

Parte IV

 

Por: Joao Carlos Gomes*

 

João Carlos Gomes

 

 

Junho de 2007

Nova Iorque

* Escritor/Jornalista

 

 

 

1. Para ajudar os guineenses a entenderem: porque é que é importante que mantenham os olhos bem abertos sobre os cem mil dólares desviados pelo representante da Guiné-Bissau Junto das Nações Unidas, o Embaixador Alfredo Cabral; os fundamentos de algumas das afirmações feitas anteriormente na introdução desta assunto, e; enquanto esperamos por uma acção oficial por parte das autoridades de Bissau, vamos continuar a oferecer um historial, o mais detalhado possível do caso,  como forma de pôr a toda a situação num contexto apropriado:

 

 

A Imagem da Guiné-Bissau

 

”Se por acaso se encontrar na esquina da ‘Segunda Avenida’ com a ‘Rua 43 Este’, e, um senhor com um ar cortês e uma pronúncia africana se aproximar e lhe pedir uma moeda para fazer uma chamada telefónica, ofereça-lhe o dinheiro.  É possível que o indivíduo em questão seja um diplomata da Guiné-Bissau a tentar contactar o seu país, pois nos últimos seis meses, os telefones da Missão da Guiné-Bissau Junto das Nações Unidas estão todos cortados.  Isso é o que acontece a quem não paga as suas dívidas.” (Jornal, “The New York Post”, 13 de Dezembro de 1999).

 

2. Este comentário, que fala por si, aparece num artigo sob o título: “O Simples Acto de Pagar Dívidas é uma ‘Missão’ Impossível”, datado de 13 de Dezembro de 1999, publicado pelo New York Post, um dos principais jornais da cidade de Nova Iorque.  Para quem não sabe, o termo, ‘missão impossível’ é aqui utilizado metaforicamente, emprestado do título de um dos filmes produzidos pela Hollywood, ‘Mission Impossible’ (Missão Impossível).  As representações diplomáticas dos vários Estados Membros Junto das Nações Unidas em Nova Iorque são também, por vezes, denominadas de, ‘Missão’.

 

3. O jornalista que sublinha ainda o facto de que a embaixada estava “às escuras pois o senhorio tinha cortado a luz para forçar os diplomatas a entregar-lhe a sua propriedade”, diz também que um dos funcionários (da embaixada) lhe sugeriu: “Se escrever um artigo a denunciar esta situação, talvez o meu governo se sinta comprometido e decida enviar o dinheiro”.  Este é apenas um dos muitos exemplos que podiam ser aqui citados para demonstrar, sem risco de exagero, o ponto a que as coisas chegaram em Nova Iorque, com a Guiné-Bissau a ser constantemente humilhada publicamente por causa da má gestão dos seus magros recursos financeiros e outros possíveis actos de corrupção, sobretudo, por parte de indivíduos como o Embaixador Cabral.

 

4. O sentido de responsabilidade do Embaixador Alfredo Cabral, tanto em relação à protecção do património nacional como para com os cidadãos do país que representa, sempre deixaram, e continuam a deixar, muito a desejar.  Nas peças anteriores, abordamos, entre outras questões: o desaparecimento dos cem mil dólares que foram entregues ao Embaixador em Outubro de 2005 pelo então Primeiro Ministro Carlos Gomes, para: cobrir as despesas da reabertura da embaixada em Nova Iorque e, a aquisição de três viaturas oficiais, instruções que, até agora, estão por cumprir.  Falamos igualmente do facto de que, com a sua má gestão, incompetência e mesmo indiferença em relação à situação económica do país, não há sombra alguma de dúvida do facto de que, ao longo das suas quase três décadas de serviço em Nova Iorque, o Embaixador Alfredo Cabral é uma das figuras cuja face representa tudo quanto há de errado com a Guiné-Bissau hoje.  

 

5. De salientar aqui que, os dados até agora obtidos no quadro desta investigação, apontam para a possível participação directa do Embaixador Alfredo Cabral no desvio de muito mais fundos do Estado guineense, do que os cem mil dólares inicialmente denunciados.  Neste capítulo, (e, enquanto se espera por uma reacção oficial por parte das autoridades de Bissau,) vamos continuar a debater o impacto a longo termo das acções do Embaixador Cabral, no decurso da sua carreira, não só em relação a possíveis desvios de fundos do Estado, mas também, de uma maneira geral, na sua gestão incompetente e deliberadamente maléfica da coisa pública.

 

 

Despejo da Embaixada da Guiné-Bissau – o aspecto legal

 

6. Farto da situação criada pelo total das acções dos diplomatas guineenses ao longo dos anos nos Estados Unidos, finalmente, a 1 de Agosto de 2001, o Governo Americano, através do seu Departamento de Estado, retirou a imunidade aos diplomatas guineenses, acção que tem consequências negativas enormes para o funcionamento eficaz dos representantes de qualquer governo no exterior, sobretudo numa área de desempenho obviamente tão sensível como a diplomacia.  Esta decisão foi uma das condições prévias essências que possibilitaram uma série de sanções e acções que se seguiram, das quais a embaixada foi objecto, incluindo o despejo em questão, o qual nunca teria sido possível, por causa das imunidades e protecções de que beneficiam os governos, diplomatas e, as suas representações, ao abrigo do direito internacional. 

 

7. Ainda do ponto de vista legal, outra situação intrigante que facilitou o processo de despejo, foi o facto de que - acreditem ou não – não só, a representação diplomática da Guiné-Bissau nunca chegou a contratar um advogado para montar uma defesa eficaz, mas também, naquilo que se tornou numa surpresa agradabilíssima para o senhorio, no dia do julgamento, os diplomatas guineenses nunca se dignaram sequer a comparecer para tentar proteger os interesses do país.  Ou seja, apesar de estar sobejamente claro o facto de que, por causa do não cumprimento dos seus compromissos financeiros, a embaixada da Guiné-Bissau era a parte culpada – graças às imunidades e privilégios  acima referidos - ao abrigo da lei, a única razão que permitiu o juiz deferir o pedido do senhorio, foi, ironicamente, porque os próprios interessados, os diplomatas guineenses, não compareceram para oferecer qualquer explicação sobre a sua situação.

 

8. Aliás, se as fontes de que esta investigação dispõe estão correctas, este despejo, facilitado por uma falta de representação legal, levou a uma situação jamais registada na história da comunidade diplomática nas Nações Unidas: estabeleceu um precedente legal, o qual poderá ser citado por senhorios em casos futuros, nas suas tentativas de desalojar outras embaixadas que não paguem as suas rendas.  Numa linguagem mais simples: pelo facto de ter acontecido com a Guiné-Bissau, no futuro, a jurisdição de tutela terá dificuldades enormes em aceitar a invocação de imunidades diplomáticas como uma barreira legitima para impedir uma acção de despejo.

 

9. No entanto, em justiça, vale a pena mencionar aqui também que, o Governo Americano foi extremamente paciente vis-a-vis a falta de responsabilidade sobejamente demonstrada pelos diplomatas da Guiné-Bissau.  Um documento oficial a que esta investigação teve acesso, mostra que - mesmo com o senhorio na posse de uma decisão judicial autorizando o despejo, para tornar possível a implementação de tal acção, e, após anos de abusos por parte da diplomacia guineense das cortesias, hospitalidades e a compreensão que o seu país tem demonstrado a Guiné-Bissau - numa acção extraordinária, o próprio Colin Powell, na altura Secretário de Estado (Ministro dos Negócios Estrangeiros) do país anfitrião, ainda teve que assinar pessoalmente a autorização. 

 

 

Comprar ou continuar a pagar renda?

 

10. Num país como os Estados Unidos, sobretudo numa cidade como Nova Iorque, a compra de um edifício a qualquer momento representa um investimento económico e financeiro sensato que oferece enormes vantagens e dividendos, sobretudo para os países mais pobres.  Por exemplo, o Uganda e a Nigéria que são hoje proprietários, são países que para além de estarem em condições de albergar condignamente as suas representações e - em alguns casos, oferecer espaço de residência para os seus diplomatas nas imediações da sede das Nações Unidas - também possuem uma fonte quase que inesgotável de rendimento e financiamento das suas operações.  Dois dos países vizinhos da Guiné-Bissau, a Guiné Conacry e, Cabo Verde, este último, cuja Embaixadora reside no prédio de que a embaixada é proprietária, são outros dos exemplos de um tal investimento inteligente, mesmo se ainda não atingiram, na totalidade, o nível de benefícios que outras representações diplomáticas em Nova Iorque já estão a desfrutar.

 

11. Para além do facto de os seus governos já não terem que fazer face às enormes dificuldades e despesas inerentes à necessidade de efectuar transferências regulares de quantias avultadas para custear as suas despesas de representação,  o facto de serem donos de imobiliários, quer também dizer que as receitas que muitos destes países recolhem através das rendas e outras formas de aluguer de espaços nos seus edifícios, permitem às suas embaixadas operar sem preocupações.  Outras vantagens incluem o facto de que, conseguem arrecadar receita suficiente para pagar regularmente os salários dos seus diplomatas nos Estados Unidos.  Ainda melhor, têm dinheiro  para proceder a outros investimentos e, se necessário, enviar fundos de volta aos seus países. 

 

12. Igualmente importante, é o facto de que, por exemplo, muitos dos países que decidiram fazer tais investimentos, hoje já não têm que se preocupar com problemas de arranjar fundos todos os anos para custear as altas despesas associadas com as deslocações dos seus representantes a Nova Iorque para participar nas sessões anuais da Assembleia Geral das Nações Unidas.  Em muitos casos, as vantagens de tais investimentos incluem também ter disponíveis instalações destinadas ao alojamento de, pelo menos, parte das suas delegações governamentais entre outros. 

 

13. No caso concreto do Uganda, não é demais lembrar que, apesar de todos os problemas e embaraços que os ugandeses tiveram que enfrentar durante a presidência de Idi Amin Dada, o famigerado ex-Presidente (agora falecido), teve a visão de realizar um tal investimento estratégico, ainda nos anos setenta.  Hoje, tal prédio está a trazer benefícios enormes ao Uganda.  Em contraste, no ano 2007, mais de trinta anos após a sua independência, a Guiné-Bissau ainda continua a mergulhar o balde numa fonte quase seca para regar - não o seu - mas o jardim dos outros.  Aliás, esta é uma situação que não existe apenas na representação guineense nos Estados Unidos.  É também o caso da maior parte das embaixadas guineenses  noutros países.

 

14. Um facto interessante é que, enquanto que nas cerca de três décadas em que vem servindo (ou sugando?) a Guiné-Bissau como diplomata nos Estados Unidos, o Embaixador Alfredo Cabral nunca tomou medidas para poupar dinheiro ao país através da compra de instalações condignas - ainda que modestas - para a embaixada, já não é o caso no que concerne aos seus próprios investimentos pessoais.  No decurso do processo de pesquisa que resultou nesta série, surgiram indicações de que, enquanto continua a esbanjar os fundos da Guiné-Bissau, de propósito, em pagamentos de rendas mensais, o Embaixador Alfredo Cabral teria comprado o apartamento em que reside.  Ou seja (a ser confirmado), o Embaixador Alfredo Cabral foi capaz de entender que, no seu interesse pessoal, comprar é um melhor investimento.  Mas, quando se trata da gestão dos escassos fundos do povo martirizado da Guiné-Bissau, é melhor continuar a pagar renda.  Porquê?

 


 

 

Correcção: Na peça anterior, tinha sido mencionado que o Embaixador Alfredo Cabral nunca tomou medidas para reduzir as instalações da embaixada, a qual tinha mandado ampliar na altura em que a Guiné-Bissau foi eleita como Membro Não - Permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas e, que foi ocupado a partir de Janeiro de 1997.  Sendo que tal afirmação corresponde à verdade, há que mencionar o facto de que, em Outubro de 2000, o seu substituto (por um período breve) mandou reduzir o espaço que o Embaixador Cabral havia mandado ampliar.  No entanto, mesmo depois da redução, a nova renda continuou a ser ainda muito acima do montante anterior à decisão de ampliação do espaço inicial.

 

 

Nota: Por causa de uma preocupação constante em oferecer informações precisas, este trabalho está absolutamente aberto a possibilidade de correcção de qualquer dos dados até agora apresentados.  Em virtude do facto de que se está a tornar extremamente difícil encontrar dados diferentes, ou seja, que contradigam a linha que tem vindo a prevalecer nas peças até agora publicadas, o Embaixador Alfredo Cabral fica também aqui convidado a submeter material, particularmente mostrando: as suas contribuições específicas, singulares e positivas para a Guiné-Bissau, sobretudo na diplomacia; o impacto positivo que até agora teve na carreira dos seus colegas de trabalho, sobretudo os seus subordinados e, na vida dos guineenses em geral.  Não se trata apenas de currículo, o qual não está em causa.  Essencialmente, pede-se ao Embaixador Alfredo Cabral que - como decano da diplomacia guineense - demonstre aos guineenses o que que já fez ou produziu de palpável, e que, amanhã poderá vir a servir de exemplo, sobretudo aos mais jovens que aspiram a uma posição como a sua.

 

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