A INDEPENDÊNCIA QUE NÃO CHEGOU

 

 

Alberto Indequi *

albertoindequi@yahoo.com.br

27.04.2012

Quando em algum dia do mês de outubro do ano mil novecentos e setenta e sete, com apenas cinco anos de idade, caminhando com o meu pai para o primeiro dia de aula no semi-internato de São Domingos, sentia o meu peito inflar de esperança. Eu imaginava que toda aquela criançada teria um futuro brilhante e que a pobreza do nosso país recém-libertado seria apenas algo passageiro. Era uma visão lúdica de infância.

Quando cantava o hino nacional um pouco antes de cada aula, escutava dos meus professores e de alguns alunos mais velhos, que a dependência externa do país para solver quaisquer das nossas responsabilidades financeiras também era algo passageiro. Que tal situação era fruto de um longo período colonial, marcado por uma política de manutenção do nosso povo no analfabetismo e na ignorância, para melhor explorá-lo, mediante vários artifícios, tais como a monocultura de amendoim, com fixação dos preços de forma vil, promoção de mão de obra barata, dentro da lógica de exploração do homem pelo homem. Falavam que o dirigismo cultural levado a cabo pelo governo colonial visava manter o controle político e social sobre o nosso povo, sustentado pela filosofia de “dividir para melhor reinar”. Verbalizavam, euforicamente, que o nosso Estado recém-criado dispunha de ambiciosos projetos educacionais, que, quando fossem implementados iriam mudar a realidade socioeconômica herdada. Era uma visão de quem entendia que a verdadeira revolução se faz com a educação de qualidade.

Quando visitava a minha família aos fins de semanas, observava meu pai e colegas seus a falarem com entusiasmo de quem havia participado na luta de libertação nacional, movido pelo sonho de liberdade e de um futuro melhor para os seus filhos. Eles acreditavam, piamente, na melhoria das condições de vida dos guineenses acalentados pelo sonho de Cabral, em construir “NaPátria Imortal a Paz e o Progresso”.Era uma visão romântica que se vivia no período pós-independência.

O tempo passou, o menino do semi-internato cresceu, mas a esperança num futuro melhor para o nosso povo começou a “naufragar”.Este começou a perceber que acesso ao ensino ficava cada vez mais difícil, a política de formação de quadros superiores carecia, e ainda, carece de uma lógica desenvolvimentista. Descobriu que não existia uma política de Estado para o desenvolvimento econômico e social para a nossa querida Guiné-Bissau. Era uma visão da realidade ganhando espaço no imaginário de um jovem frustrado com o destino do seu país.

Junto com a idade também cresceu a consciência ecológica. Percebeu que a nossa fauna e flora eram e ainda são devastadas sem nenhuma fiscalização eficaz. No espectro econômico, viu também o tecido produtivo de viés industrial, outrora impulsionado pelo ímpeto revolucionário dos primeiros anos da nossa independência, sofrer uma brutal retração após o14 de Novembro de 1980. Dos sumos e compotas Titina Silá ao Leite Blufo; da montadora da Citroen à Guimetal; da SEMAPESCA à ESTRELA DO MAR; de SOCOTRAM ao Complexo Agroindustrial de Cumeré; de fábrica de plástico a BAMBI, foram totalmente desativadas sob mais diversas alegações, cada uma mais disparatada que a outra. A nossa rica fauna marinha não recebe a devida proteção e que o país não dispõe de infraestruturas pesqueiras para captura, conservação e transformação do pescado no nível que deveria ser. Era uma visão de quem percebeu que os nossos governantes preferem nos incutir a mentalidade de incapacidade a fortalecerem as bases para um crescimento econômico sustentável.

A gestão de ajudas externas revelou-se extremamente desastrosa e marcada pela ausência de horizontes claros. Os termos de cooperação internacional com parceiros econômicos e sociais nem sempre levaram em consideração as especificidades do país, o que acabou por propiciar a corrupção e o endividamento colossal do Estado. A chamada assistência técnica internacional, da qual o país se “beneficiou” foi mal aproveitada, e, muitas vezes serviu apenas para o empreguismo, compadrios e promoção do malfeito, enquanto isso, quem paga a conta é sempre o povo. Aqui, a visão de uso racional dos recursos disponíveis e a equidade na seleção de mão-de-obra qualificada começam a esvair-se, abrindo espaço para injustiça e descrença no meio dos jovens quadros.

Nos meados dos anos noventa do século passado, a Guiné Bissau entrou na UEMOA, contudo não conseguiu transformar o seu potencial econômico em ativo valioso, para catapultar o seu desenvolvimento, uma vez que ela tem terras aráveis, com índice pluviométrico melhor que alguns países sócios da organização. Tem vocação turística, mas não incentiva o turismo e nem conta com infraestruturas para tal. Aliás, com as cíclicas crises político-militares seria difícil convencer os turistas a visitarem o país. Faltou a visão de expansão da nossa economia, visando o aproveitamento do novo e vasto mercado. O resultado disso é que o país acabou por ser mero importador de bens e serviços, e, consequentemente, gerador de empregos nos países vizinhos.

 

No campo agrícola, saiu da monocultura de amendoim para a de caju, sem prévias pesquisas sobre impactos ambientais. Não há nenhum tipo de melhoria genética na produção animal e nem na vegetal. Da mesma forma, não dispõe de controle fitossanitário eficaz. É um país de vocação agrícola, no entanto importa “nhelen parfumée”, visivelmente pobre em nutrientes, em vez do arroz de pilão, que só pela sua característica, ostenta uma película fibrosa e cheia de vitaminas. Devo ainda dizer, que existem muitas vozes na praça, que sustentam a ideia de que é mais barato importar o arroz do que incentivar o seu cultivo no país, mesmo sendo o principal produto da nossa dieta alimentar. Isto é errado, posto que, o incentivo agrícola de produtos que compõem a base alimentar de um país é uma questão de estratégia nacional. Aqui faltou a visão estratégica para uma segurança alimentar.

 

Na seara cultural, saiu do dirigismo cultural colonial, para ser “tragado” pela cultura dos países vizinhos. Aliás, estive há dias a falar com um amigo mais velho sobre assunto e ele disse-me que no passado os nossos vizinhos gostavam de copiar a nossa cultura e o nosso estilo de vida. Hoje em dia não existe mais cordialidade entre guineenses. A arrogância e a brutalidade tornaram-se marcas visíveis no aspecto comportamental de algumas pessoas. Foi perdida a subtileza que marcava e diferenciava nosso povo positivamente. A perda da urbanidade e civismo faz-se sentir na nossa urbe.

Sob o ponto de vista urbanístico, Bissau que era uma das Capitais mais lindas, limpas e organizadas, em toda costa ocidental da África, passou a ser a mais suja, a mais, desorganizada, a mais escura, com estradas e ruas esburacadas, sem nenhum plano diretor perceptível. Comércio informal por todos os lados, comprometendo de tal forma a plástica e estética da cidade, que não dá para distinguir onde começa e termina o tradicional mercado de bandim. A falta de política urbanística é que faz com que o “perímetro urbano” de uma cidade com quatrocentos mil habitantes comece desde Cais de Pidiguiti até depois do aeroporto. Ou seja, com mais de dez quilômetros lineares, o que é muito para abrigar somente a quantidade de habitantes acima mencionada. Isso pressiona ainda mais por parcos recursos urbanísticos existentes. Bissau ruralizou-se.

De orgulho de um país cujo povo forjou a sua nacionalidade com suor e sangue, que logo após a independência lutava tenazmente pela sua emancipação econômica, para um país economicamente dependente, e, por incrível que pareça, há que se orgulhe disso. A Guiné Bissau é um país que até ano passado precisava de ajuda externa para custear as nossas despesas correntes. Ou seja, ajuda para manter a máquina administrativa do Estado a funcionar e os serviços públicos básicos. Ocupava a posição nº 176 no ranking das Nações Unidas sobre o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), de acordo com último relatório publicado no dia 02 de Novembro de 2011.O país já esteve em posição pior. Perdemos a capacidade de indignação e contentamo-nos com as últimas posições em quase todos os aspectos sociais, econômicos e políticos.

No aspecto político, o país testemunhou a três golpes de Estado, sendo a último ainda em curso. Foram várias intentonas. Nem com advento da democracia conseguimos consolidar as nossas instituições. Já depois da democratização mergulhou numa guerra entre irmãos. Registaram-se presenças militares estrangeiras no nosso país. Com quase trinta e oito anos de independência, transitaram pela presidência da República, 14 quatorze presidentes, dentre titulares e interinos, tendo alguns desses ocupado mais de uma vez o cargo, enquanto que o nosso vizinho Senegal, com cinquenta e dois anos de independência, só agora é que acabou de eleger o seu quarto presidente. Do país mais promissor no pós-independência entre os PALOP, para o mais instável e sem perspectivas de desenvolvimento. Tornou-se independente politicamente de Portugal e passou a ser refém de seus próprios militares. Esta situação traz-me um reencontro frustrante com a memória política da minha infância, o que seguramente acontece também aos milhares de guineenses. Falta a visão patriótica e honra à memória dos que deram suas vidas pela causa da independência.

Para concluir, apelo a todos os guineenses que devemos desarmar as nossas mentes e os espíritos para discutirmos a nossa Guiné, pois, somos um país viável e precisamos ter consciência das nossas responsabilidades enquanto cidadãos. As soluções para os nossos problemas dependem somente de nós, ainda que com apoio de parceiros externos, como de facto precisamos. Que quaisquer divergências, crispações pessoais ou políticas não permeiem os assuntos de Estado. Isto é necessário para que possamos ter a efetiva paz e desenvolvimento, de modo alcançar a verdadeira independência em todos os sentidos. Independência essa sonhada por Amílcar Cabral e tanto outros combatentes de liberdade da pátria. Devemos deixar de lado o uso de força como solução para os nossos conflitos. Devemos respeitar a vontade popular na sua plenitude. Vamos fortalecer as nossas instituições. Deixemos de oportunismo político e o desejo desmedido de chegar ao poder independentemente dos meios ou circunstâncias. Devemos parar de ver o Estado como única fonte de sobrevivência pessoal. “Vamos construir na pátria imortal a paz e progresso”.

Alberto Indequi

* Advogado e Empresário

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