A Interdependência Humana
Por: Samuel Reis*
14.02.2008
"...jurei a mim mesmo que tenho que dar a minha vida, toda a minha energia, toda a minha coragem, toda a capacidade que posso ter como homem, até ao dia em que morrer, ao serviço do meu povo, na Guiné e Cabo Verde. Ao serviço da causa da humanidade, para dar a minha contribuição, na medida do possível, para a vida do homem se tornar melhor no mundo. Este é que é o meu trabalho." - Amílcar Cabral, 1969
Já vieram perguntar-me o porquê de me envolver nesta causa (e em tantas outras sobre as quais reflicto e debato), uns de forma mais agressiva que outros, alguns até em tom de troça, muito poucos por verdadeira e inocente curiosidade. É sinceramente irritante ver como funcionam as mentes dos jovens actuais. Portanto, para poupá-los de uma resposta feia, opto, a maior parte das vezes, por não responder de todo. Os verdadeiramente interessados em compreender-me, se existem, podem ler aqui a resposta.
Vejo nos jovens actuais, e isto aplica-se a todos os jovens, não em especial aos guineenses, um conformismo extremo, quase militante! Muito para lá da simples preguiça. Embora seja a preguiça intelectual que os deixa vulneráveis aos ataques sorrateiros de uma sociedade egoísta e egocêntrica, que educa severamente os seus filhos para que sigam o mesmo caminho...
Repare-se, perguntam-me porque participo, ridicularizando-me, mas nunca se perguntaram porque não participam! Não é curiosa esta inversão da ordem natural? Sim, porque o natural é participar! Jamais poderia ser o contrário. Mas é na indiferença que estes jovens acreditam, quase religiosamente. Crêem que o normal é nascer, crescer, consumir, reproduzir-se (o único passo que é encarado como opcional) e por fim morrer, depois de “desfrutar da vida", deixando o planeta num estado pior do que o encontraram. Mas assistir inactivo e escondido na imitação da multidão formatada é para cobardes que, inegavelmente, estão mortos aos olhos da humanidade. Eu, um apaixonado pela vida, luto pela justiça e liberdade! Seja onde for e para quem for.
Sem compreender isto (não por incapacidade, mas sim por nem tentarem) muitos suportam o seu desdém pelo meu envolvimento nesta causa no facto de eu, como se pode facilmente ver na minha pele clara, ser “muito mais português do que guineense”, portanto não tenho o direito de me unir a nenhuma luta para além das fronteiras que o sistema impõe à minha pele. Contudo isto é, para além de infantil e tremendamente racista, completamente irrelevante.
Que diferença faz ser ou não guineense? É claro que esta é a luta da Guiné-Bissau, o coração de toda a questão é o povo guineense e a sua liberdade. Só quem ama este povo pode lutar verdadeiramente do seu lado. Negar este facto seria uma afronta a todo o movimento e uma alienação completa do objectivo principal: libertar a Guiné-Bissau da ditadura. Mas será ilegítimo um qualquer estrangeiro unir-se a esta causa? Estará, por exemplo, um angolano, a intrometer-se caso queira participar com a atitude correcta?
Claro que não! Isto é apenas mais uma armadilha da nossa sociedade, que cria barreiras entre povos e nações, entre as "raças", essas classes fantasiadas por fanáticos inconscientes, para que se crie um ambiente de indiferença para com o mundo injusto e cruel que nos rodeia. As barreiras entre etnias e povos são apenas uma armadilha da nossa sociedade para que, na ilusão de uma divisão, nunca nos coloquemos no lugar do oprimido, e nunca nos preocupemos com um indivíduo que hipoteticamente pertence ao "outro grupo".
Tantas vezes me deparei com o dilema de escolher uma "equipa", um "lado" para apoiar. Impuseram-me essa escolha! Vejo agora que isso está completamente errado. Ao olhar para trás apercebo-me como tantas vezes fui condenado ao limbo racial, isolado na fronteira entre o "preto" e o "branco", transformado no homem sem terra e, consequentemente, sem direito a afirmar-se ou a lutar por algo.
Tudo por ser o resultado do encontro de duas pessoas de culturas e povos diferentes que se amaram e respeitaram, um exemplo de vida que tenho sempre em mente, o dos meus pais.
É triste ver como todos estão muito mais ocupados a encontrar diferenças e formas de separação em vez de reforçar a igualdade óbvia. E para além da igualdade está a interdependência dos seres humanos, que nunca é óbvia para os que abraçam um conceito distorcido de liberdade e amam a sua suposta independência e auto-suficiência, resumidamente, o seu egoísmo. Quem vive focado nos seus pequenos dramas e tem como único objectivo de vida obter prazer, nunca poderá compreender a interdependência do ser humano. Só quando nos elevamos acima dos interesses individuais e compreendermos que somos pequenas partículas de um todo superior, podemos realmente considerar que estamos vivos.
Meus irmãos, todos estamos ligados entre nós. Afirmo, com toda a firmeza, que me privo de ser plenamente feliz enquanto houver um único ser humano, por mais longe que esteja, sem a mesma oportunidade de alcançar a felicidade.
É consciente desta interdependência que escrevo estas palavras. É consciente da igualdade que me envolvo nesta luta, e em muitas outras! E continuarei a faze-lo, como ser humano, não como português nem como guineense ou seja o que for.
Porque na minha mente demoli todos os muros que me separavam dos meus irmãos, humanos, como eu.
Nô Djunta Mon!
* 16 anos de idade, estudante na área de Línguas e Humanidades do 10º ano com aspiração de vir a ser jornalista
VAMOS CONTINUAR A TRABALHAR!
Projecto Guiné-Bissau: CONTRIBUTO