A Justiça FUNCIONA Onde há Homens Justos!
Fernando Casimiro (Didinho) 15.10.2010 Texto enviado para publicação, por pessoa devidamente identificada. Por saber de quem se trata e por me ter sido solicitado, assumo total responsabilidade pelo artigo em questão, por razões que se prendem com a salvaguarda da integridade física do autor, que reside em Bissau, onde exerce a sua actividade profissional.
A Justiça FUNCIONA Onde há Homens Justos!
É difícil saber por onde começar quando o assunto é refletir sobre inúmeras violências perpetradas ao longo da história recente do país, escamoteadas com a finalidade de conquistar ou manter o poder. E é a partir dessa dificuldade, de não ser tautológico, por um lado e, por outro, de entendermos a rede de funcionamento da indústria guineense do crime político-militar, que tentaremos analisar o processo nº 10/2010, supostamente da autoria do Procurador-Geral da República, recentemente posto a circular na Net. Este comportamento, mais uma vez, prova não só a comprovada fragilidade das instituições do país, como também a predisposição que o homem-político guineense tem de produzir e sustentar a instabilidade. Independentemente da posição que se quiser tomar e/ou da leitura que se quiser fazer, precisa-se reconhecer piamente que a Guiné-Bissau está a viver o pior momento da sua história como país independente. A violência institucional e social torna-se cada vez mais visível e preocupante. A perda de credibilidade das instituições tanto a nível interno como internacional é cada vez mais crescente; a incapacidade do Estado como legítimo detentor do monopólio da violência é assustador e os mecanismos para controlar problemas resultantes da luta pelo poder, instalados há mais de duas décadas, são praticamente inexistentes. Face a este quadro institucional ilegal e inoperante, depara-se com a pressão contraditória de interesses que reclamam a aplicação da justiça como se estivéssemos num país onde a lei é um princípio que regulamenta as relações sócio-institucionais. O escândalo da semana é a circulação via net e outros meios de comunicação, do referido processo que, do ponto de vista profissional é nada mais que um “lixo”, ausente de qualidade e imparcialidade investigativa para fundamentar os fatos sem forçar a obtenção da verdade que se busca. É mais um barril de pólvora lançado estrategicamente, com o aproveitamento de uma prostituição assumida pelas instituições da República, no caso particular, pela Procuradoria-Geral da República. A questão neste momento não é defender ou atacar os acusados, mas, os guineenses precisam reconhecer que no atual contexto a Guiné-Bissau não está em condições de investigar, julgar e punir os seus criminosos político-militares. Não existem condições institucionais, profissionais e garantias de segurança para ninguém, do presidente da República ao cidadão comum. Toda a movimentação que neste momento se vê não se traduz num verdadeiro apelo à justiça com equidade, mas apenas uma oportunista intenção de vingança, de ódio e de acesso ao poder. Infelizmente, o destino quis e somos forçados a conviver com os algozes da sociedade sob o mesmo céu, encontrando e desencontrando na mesma rua, ou compartilhando o mesmo palanque para solicitar votos dos eleitores. A justiça não produz frutos desejáveis num ambiente onde a vontade dos homens sobrepõe o imperativo da lei, é como uma semente lançada em rochas de calcário, que nunca se germina ao ponto de crescer e produzir frutos. Independentemente da veracidade ou não das acusações feitas no referido processo, o questionável são as inconsistências de acusações levantadas. Pois, não se discorreu sobre os supostos mandantes e executores do general Tagme Na Waié para depois apresentarem os fatos do assassinato do presidente Nino Vieira, tendo em conta a ligação existente entre os dois crimes. Pior ainda, é que os seis homens do aquartelamento de Mansoa foram apontados como executores da missão. E logo se pergunta: quem era o comandante do batalhão de Mansoa e por que permitiu os seus homens participar de uma missão criminosa? Outra pergunta: considerando a existência de uma hierarquia na estrutura militar, por que foi permitido ao então vice-chefe da Armada, o comandante José Zamora Induta, ordenar formatura no Estado Maior General? Por onde andavam os comandantes dos três ramos militares? Por que após o assassinato do presidente Nino Vieira o general Antônio Injai foi promovido ao cargo do Vice-CEMGFA? Por que não consta no processo, do grupo de militares que estiveram na residência do presidente, o nome do capitão Pansau Intchama, já que este confirmou publicamente, através do site www.didinho.org a sua presença e envolvimento no crime? Mesmo com assistência dos advogados, e, tendo em conta a realidade existente, até que ponto pode-se confiar nos depoimentos dados na prisão pelo ex-CEMGFA, José Zamora Induta e pelo coronel Samba Djaló sobre os crimes supostamente cometidos? Da mesma forma, sobre os assassinatos que vitimaram Hélder Proença, Baciro Dabó e mais outras duas pessoas por que não constam os nomes dos supostos mandantes, mas apenas, de um dos supostos executores, concretamente, o capitão Pansau Intchama? Por que não se falou da pessoa que aliciou Hélder Proença sob proposta de suposto golpe de Estado ao corredor da morte? Talvez a única pessoa em condições de responder e/ou dissipar nossas dúvidas sobre esses assuntos seja o presidente Malam Bacai Sanhá, que já havia dito que não é um presidente de “zig-zag e muito menos, que gosta de dizer mentiras”. Isso além de afirmar à imprensa francesa e ao mundo, estar na posse do relatório e com graves acusações de envolvimento de políticos e militares. Também tinha prometido dentro de pouco tempo a divulgação do relatório sem medir as graves consequências desse posicionamento na perspectivação de tal reconciliação nacional que se propala falaciosamente. Aliás, homens assim merecem espaço na calçada da fama de Hollywood, pois são exímios atores com capacidade para produzir filmes de terror e também de comédias. Conforme apontamos no início, é complexo posicionar sobre os atos criminosos mais recentes do país sem observar os anteriores, como dos comandos africanos; do 14 de novembro; do 17 de outubro, ou o caso major Robalo de Pina; o caso Fá Braima; o caso Nicandro Barreto; o caso Jorge Quadros; o levantamento de 7 de junho; o caso Ansumane Mané; Baba Djassi e outros; o caso Veríssimo Seabra e Domingos Barros e outros que não citamos, mas cujos familiares clamam por justiça. Entretanto, como defensores dos direitos humanos e da pacificação da Guiné-Bissau, somos da opinião de que todos os atos criminosos devem ser condenados e os seus criminosos castigados em conformidade com a lei vigente, no entanto, precisamos apenas criar condições necessárias para punir os assassinos do presidente Nino Vieira e também, de todos os outros, e inequivocamente precisamos de um tempo para fazer isso acontecer. O inaceitável é permitir que se faça o uso indevido desses fatos para benefícios políticos, conforme tem acontecido desde a abertura política ao momento atual no país.
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