A LUTA PELO PODER E O NARCOTRÁFICO GERARAM A CRISE POLÍTICA NA GUINÉ-BISSAU.

 

“A nossa luta deve ser também contra os inimigos de dentro”

(Amilcar Cabral)

 

   

Por: Ricardino J. D. Teixeira[1]

Ricardino Dumas Teixeira

ricardino_teixeira@hotmail.com 

10.08.2008

Introdução. 

 

A crise política que o país enfrentou desde a queda do governo de Martinho Cabi afetou em cheio não apenas a segurança das pessoas e dos bens particulares, mas do Estado como um todo. É uma crise oriunda de um modo típico da prática política e do exercício do governo, que mostrou-se corrupta e criminosa. O principal protagonista dessa crise foi o PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde), que decidiu sair unilateralmente da coabitação política instituída juntamente com o PRS (Partido da Renovação Social), do líder político-religioso que se diz melhor do que Amilcar Cabral, Mohamed Yalá Embaló, e o PUSD (Partido Unido Social), fundado por Victor Saúde Maria, ex-governante do PAIGC.

Retomando melhor a forma de fazer política na Guiné-Bissau, discutem-se as diversas visões da atual crise no país (sendo as principais a queda do governo, o narcotráfico do Estado, a tentativa ou não de golpe de Estado e o processo eleitoral marcado para o mês de Novembro).

 

1ª visão: incompatibilidade entre facções políticas dentro do PAIGC

 

A primeira versão da crise deveu-se a “falta de confiança” e a “incompatibilidade” entre diversas facções no interior do PAIGC. A luta pelo poder gerou uma disputa dentro do PAIGC – criada pela incapacidade de dialogar com todas as facções do partido, entre elas, a do Presidente da República, que ainda mantém a popularidade e estatuto de velho guerreiro do movimento de libertação. O presidente continua visto como o “símbolo” de poder dentro do PAIGC, apesar do abalo que sofreu durante o golpe de Estado de 1998.

A seguir estão os homens que ainda depositam suas confianças na figura de Malam Bacai Sanha, que fora homem de confiança de presidente durante os sucessivos governos sob comando do partido. Bacai Sanha é um militante do “núcleo duro” do PAIGC ao mesmo tempo em que é visto como um “moderado” do partido. Por isso adquiriu confiança suficiente para apresentar a sua candidatura a direção máxima do PAIGC, no último Congresso (VII), que teve lugar na região de Gabu.

Já Carlos Gomes Júnior - atual líder do PAIGC - sempre procurou apresentar um viés mais “modernista”. Gerou, durante o seu governo, a desconfiança e oposição nos setores do “núcleo duro” do partido. 

Por último a ala mais recente do Martinho Cabi, que se viu até então fortalecido pelo cargo que ocupava no governo. O principal problema de Martinho Cabi foi o de desobedecer ao Carlos Gomes Júnior, colocando em causa o seu poder dentro e fora do partido. Não são as divergências ideológicas que estão em disputa e explicam as facções políticas dentro do PAIGC, mas divergências de poder, a luta pelo poder, pelo controle do Estado e, principalmente, dos setores financeiros do Ministério das Finanças e das Forças Armadas.

 

2ª visão: controle das finanças e despreparo do PAIGC para a eleição.

 

Alguns analistas argumentam que a crise foi gerada pelo PRS que insiste afirmar que a pasta do Ministério das Finanças o pertence, no quadro do então governo de base alargada recentemente destituído pelo presidente, somada a declaração do Líder político-religioso do PRS, segundo a qual o PAIGC é o responsável pela criminalização do Estado e tráfico de drogas. Outros, ainda, recentemente, alegam que o PAIGC não estaria preparado para a eleição próxima, temendo o desempenho eleitoral do PRS, nessa eleição. Esse temor do PAIGC teria gerado a recente crise política.

 

3ª visão: disputa política entre Martinho Cabi e Carlos Gomes Júnior.

 

Outros ainda creditam que a queda do governo deveu-se o braço de ferro entre Martinho Cabi e Carlos Gomes Júnior. Mas a recente suspensão do Chefe de Estado-Maior da Marinha, supostamente por tentativa fracassada de golpe de Estado, neste momento, refuta todas as hipóteses acima levantadas. Isso porque os militares não precisariam de apoio de Martinho Cabi, nem de Carlos Gomes Júnior ou de Presidente da República para assumir o poder político no país.

 

4ª visão: processo eleitoral

 

Neste, a acusação veio de partido de oposição, o PRS. Para ele, a queda do governo de base alargada foi gerada por João Bernardo Vieira, atual Presidente da República, que estaria maximizando o seu poder dentro e fora do PAIGC aproveitando-se da suposta crise política. Portanto, é uma crise gerada pelo controle do poder por parte do presidente. Nesse sentido, o PRS argumenta, ainda, que é preciso haver eleições na data marcada. Caso contrário geraria um ambiente político vulnerável e de desestabilização permanente. Vejo o PRS muito firme nessa posição, e o atual governo vai ter de enfrentar o problema de governabilidade com ou sem PRS

 

Uma visão político e sociológico da crise: a minha visão do caso.

 

As análises precedentes contribuíram de alguma maneira, para a maior compreensão das mudanças políticas que estão ocorrendo no país, mas negligenciaram a dimensão militar da crise.  A apreensão de duas aeronaves no Aeroporto Internacional Osvaldo Vieira, supostamente por tráfico de drogas, com a participação de alguns oficiais das Forças Armadas e funcionários do Estado, também jogou um papel de destaque nessa crise. Basta lembrar afirmação publica do então Primeiro-Ministro, segundo a qual dispunha em sua pose nomes de pessoas ligadas ao Estado supostamente envolvidas com o trafico internacional, uma prática corruptor e clientelístico que se nutre do dinheiro fácil - diz Martinho Cabi – representando uma ameaça as instituições do Estado e a frágil democracia guineense.

Com os cofres cheios de dinheiros oriundos de práticas duvidosas, os militares pressionaram o governo e o Presidente da República para acabar com a política de investigação e denuncias que o Martinho Cabi e a ministra da justiça vinham fazendo na imprensa nacional e internacional. A pressão internacional contra o governo e o presidente foram intensificados condicionando ajuda e concessões de novos créditos pela comunidade internacional.  O chefe da missão das Nações Unidas na Guiné-Bissau fez forte pressão ao presidente e ao governo para que ajudarem combater o narcotráfico do Estado, bem como apelou diversas vezes e em diversas ocasiões, o apoio da comunidade internacional para apoiar o país nessa empreitada, ainda que esses apelos nem sempre tivessem sido suficientes para o efeito.     

A recente exoneração do Chefe de Estado-Maior da Marinha, na semana retrasada - na seqüência da queda do governo - foi suficiente para demonstrar o peso da elite castrense na atual crise política. Não se trata apenas de um “suposto” golpe de Estado, de incompatibilidade entre facções políticas no interior do PAIGC; ou de luta política entre Martinho Cabi e Carlos Júnior, ou ainda de adiamento das eleições, ainda que não as excluam. Trata-se de clara tentativa do presidente de estabelecer o controle político sobre o narcotráfico do Estado. É preciso também colocar que somos da idéia de que não houve, na verdade, a tentativa de golpe de Estado, mas sim a tentativa de controle do Estado. Essa tentativa de controle do Estado e da política também se aplica a partidos políticos (sobretudo, o PRS) acusado, durante o seu governo, de tentar desestabilizar e balantizar a sociedade e o Estado.

Certamente, com a destituição do governo de base alargada e a acusação de que o Chefe da Marinha tentou, sem sucesso, um golpe de Estado contra o atual governo recém-empossado, o Presidente da República acertou cinco alvos com um único tiro:

a)     Destituiu o Governo e o Parlamento hostis aos seus interesses;

b)     Excluiu o PRS da máquina política; 

c)     Aumentou o seu poder dentro do PAIGC controlando o Estado;

d)     Colaborou para exonerar o Chefe da Marinha Nacional, que garantia a sua segurança pessoal;

e)     Nomeou o homem da sua confiança para o cargo de 1° Ministro.

 

Com isso, o presidente prepara-se para o próximo combate político: o de adiar a eleição próxima, marcada para o mês de Novembro. Ele pode conseguir esse objetivo de duas maneiras.

A primeira seria contar, mais uma vez, com apoio do atual Chefe de Estado-Maior das Forças Armadas, general Tagme  Na Waie, o mesmo que garantiu o seu retorno ao país. Esse apoio continua a ser fundamental para permanecer no poder e ao mesmo tempo reprimir qualquer tentativa de manifestação política ou social contra o seu governo.

A segunda seria certamente desenvolver uma campanha política ou propaganda para justificar a falta de estabilidade e condições técnicas e financeiras para a realização da eleição. Nesse último, com certeza contaria com apoio da população que teme o início de um novo conflito militar, com dimensões maiores daquela verificada em 1998. Contaria, também, com apoio do Supremo Tribunal para legitimar a sua ação, em caso de necessidade.

Contando com essa base de apoio social, político e jurídico, o presidente tentaria cooptar os setores dos partidos políticos de oposição através de concessão de cargos no governo, alegando a necessidade de garantir a “representatividade” e “unidade nacional”, categorias discursivas bastante usadas na democracia guineense.  Resta saber se a troca de comando na Marinha Nacional vai inibir o narcotráfico do Estado, diminuir a luta pelo poder, vai aumentar o protagonismo do presidente e justificar o adiamento da eleição.

[1] Mestre em Sociologia Política pela Universidade Federal de Pernambuco. Professor de sociologia na Faculdade de Ipojuca - Brasil

 


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