A Masculinização do Novo Parlamento
Alfredo Handem
01.12.2008
alhan2002@hotmail.com
Os resultados das eleições
legislativas de 16 de Novembro de 2008 trouxeram a nu a maneira como a nossa
sociedade ainda concebe a gestão do espaço público. Dos 100 postos de deputados
da Nação, apenas 10 são ocupados por mulheres. O PAIGC elegeu 9 deputadas (i.e.
90% da totalidade das deputadas que irão constituir o novo parlamento) e o PRS
elegeu 1 deputada. Dos 67 deputados eleitos pelo PAIGC, as mulheres representam
13,4%, enquanto dos 28 deputados do PRS, as mulheres representam apenas 3%. Os
outros dois partidos que conseguiram eleger deputados, o PND e o AD estão
representados por homens.
Na cidade de Bissau onde se
concentra a massa crítica do país, as mulheres representam 20% dos deputados
eleitos (5 sobre 20). Seguem-se por ordem de importância percentual, as regiões
de Quinara (16%, 1 sobre 6), Bafatá (7%, 1 sobre 14), Gabú (7%, 1 sobre 14),
Cacheu (7%, 1 sobre 14) e Oio (6%, 1 sobre 16). As regiões de Biombo, Bolama
Bijagós e Tombali parecem ser as regiões mais resistentes à mudança, no capítulo
da relação de poder entre o homem e a mulher. Um outro dado curioso, é o facto
de que 70% das mulheres eleitas residem e vivem em Bissau (Isabel Buscardini
eleita no círculo 6 “Farim”, Adiato Nandigna no círculo 20 “Canchungo/Caio”,
Antónia Teixeira no círculo 24, Martina Moniz no círculo 25, Salimatu Cassamá no
círculo 26, Maria Aurora Sanó no círculo 27 e Aissatu Djaló no círculo 28).
Apenas 30% das deputadas eleitas residem e vivem de facto nas suas localidades,
ou seja, as de Gabu, Bafatá e Quinara. Os dados revelam a tendência de
concentração em Bissau dos poderes, das influências e dos lobbies.
Esta lógica poderá inverter-se com
a realização e funcionamento das autarquias locais. Estando os decisores
políticos mais perto (social, psicológica e fisicamente) dos eleitorados (o
povo), as mulheres poderão interessar-se muito mais pelos assuntos públicos,
estando mais perto e podendo exercer um controle directo sobre eles.
Uma análise mais sucinta sobre o
percurso político das duas formações políticas mais votadas em função dos
resultados eleitorais, sobretudo no domínio da participação política da mulher
nos processos de decisão, deixa entender que o PAIGC é muito mais aberto à
problemática da equidade de género tanto na sua dinâmica de funcionamento
interno como na composição dos órgãos de decisão política (cultura
organizacional para a qual muito contribuiu a herança da luta de libertação
nacional e os pensamentos de Cabral).
O PRS que se autodefine como um partido de
“renovação da sociedade” continua refém dos ideais que nortearam a sua
criação
e dum estilo de gestão marcado por uma liderança deficitária em termos de
conhecimento e apropriação do conceito e da prática de género.
Um dos grandes
desafios que a nova geração do PRS irá enfrentar nos próximos anos é
precisamente a abertura do partido à diversidade cultural e geográfica e à
criação de bases para uma liderança multicultural e atenta aos direitos das
minorias e dos grupos sociais mais desfavorecidos.
Numa altura em que no mundo, as
sociedades, as instituições e as lideranças estão cada vez atentas à situação
das disparidades entre o homem e a mulher nas esferas da vida social, cultural,
económica e política, esta sub-representação das mulheres no parlamento nacional
acaba por ser um importante desafio à classe política nacional e às instituições
sociais em geral (escola, família, igreja, média, governo) sobre a necessidade
imperiosa de se investir na mudança de mentalidades e de comportamento em
relação à discriminação com base no sexo.
Num recente documento publicado
pela UNIFEM (Organização das Nações Unidas para as Mulheres), consta que há cada
vez mais “mulheres eleitas” em África. Por exemplo, em Angola, 81 dos 220 postos
de deputados são ocupados por mulheres, representando cerca de 37% dos postos no
parlamento. Angola ocupa o segundo lugar em África, em termos de mulheres
parlamentares, a seguir ao Ruanda onde as mulheres ocupam 56% dos postos
parlamentares (estes dois países africanos figuram entre os 10 países no mundo
em termos de representação parlamentar das mulheres).
Sem uma verdadeira presença da
mulher nas instâncias de decisão será difícil combater a discriminação sexual na
repartição dos recursos nacionais e na vida económica e social. As mulheres
guineenses continuam a ganhar muito menos que os homens e, ao mesmo tempo, são
elas que fornecem a maior parte do trabalho não remunerado (por exemplo, só na
busca e transporte de água, a mulher guineense gasta em média cerca de 1440
horas por ano - uma cifra exorbitante - se tomarmos em conta o tempo que ela
ainda precisa para cozinhar, lavar roupa, limpar, cuidar da criança, estudar ou
vender.
Resolver esta crise exige, para
além de um investimento importante na escolarização, formação e acções de
sensibilização, igualmente medidas legislativas, incluindo quotas obrigatórias
nos partidos políticos e revisão da lei eleitoral, mas também reformas nos
sectores público e privado que contribuem para reproduzir as desigualdades e a
discriminação no domínio social e cultural. Todavia, isto só é possível no
quadro de uma liderança visionária a longo prazo.
Importa sublinhar que o PRS nasceu como um partido
de “raiva”, de “revolta” contra o status quo. Os
“ Senhores de
Bissau” (conceito a que
muitas vezes recorrem os seus dirigentes para referir-se aos
decisores políticos e económicos do
país) eram os alvos a abater. Em geral (e infelizmente), os fundadores
do PRS deixaram-se levar por um sentimento de exclusão social criando
uma grande resistência a diversidade étnica e cultural. Normalmente,
quando se elege a lógica de derrube do poder como objectivo supremo,
acaba-se por relegar para o segundo plano, os conceitos da equidade,
igualdade, tolerância, ou aceitação do outro.
VAMOS CONTINUAR A
TRABALHAR!
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