AmÉrica: Um País de contrastEs, num ano histÓrico
Por: Joaquim Silva Tavares (Djoca)
26.10.2008
Mais do que qualquer outro país do mundo, a América é um pais de contrastes, onde se pode encontrar tudo o que é de bom num ser humano e tudo o que é de mau que um ser humano pode conceber.
Mais do que em qualquer outro tempo na historia da América, estes dois extremos estiveram tão evidentes como neste ano de eleições, em que pela primeira vez, um indivíduo de raça negra tem a possibilidade de ser Presidente.
A América do Jim Crow Laws (as leis de Jim Crow) de 1876 a 1965 que institucionalizaram a segregação racial (escolas, edifícios públicos etc.)
A América do famigerado senador de Wisconsin, Joseph Mccarthy (mais conhecido pelo apelido Mccarthy, anos cinquenta) e a famigerada “caca às bruxas, que destruiu muitas carreiras profissionais, somente porque individuos foram acusados de “actividades anti-americanas” i.e: abraçaram ideias de socialismo/comunismo e foram acusados de apoiantes dos soviéticos, com intenção de derrubarem o governo americano.
Esta América que ainda envia calafrios à minha espinha quando oiço o discurso de George Wallace (governador do Estado de Alabama nos anos sessenta): ”segregação agora, segregação amanhã, segregação para sempre” é a mesma América que viu o mesmo governador plantar-se à porta de uma Universidade para impedir dois estudantes negros de entrarem para as aulas, mesmo depois de um decreto assinado pelo governo federal para desegregar as escolas.
A América que agora vê notas de dólares com figuras de Obama com cara de macaco, com turbante de muçulmano e galinha frita (comida favorita dos negros americanos) enviadas por alguns apoiantes de Mccain a pessoas presumidamente republicanas.
A América que vê um Obama chamado de socialista, quando no plano dele, há uma subida de impostos para indivíduos que ganham mais de 250.000 dólares/ano (à volta de 21.000 dólares/mês).
A América do efeito Bradley/Wilder (Bradley effect): se alguns se lembram, nos anos oitenta, Tom Bradley foi um Mayor de raça negra (Presidente da Câmara) de Los Angeles; candidatou-se a governador da Califórnia e todas as sondagens à saída das urnas, apontavam-no como vencedor por mais de 6%; surpresa, surpresa, perdeu as eleições; a conclusão tirada por todos os jornalistas foi de que muitos individuos de raça branca, para não serem conotados como sendo racistas, disseram que votaram pelo Bradley, quando na verdade tinham votado pelo outro candidato; o mesmo com o Douglas Wilder que acabou por ser eleito governador da Virginia por uma margem de 15, quando as sondagens à saída das urnas lhe tinham dado mais de 8% de margem de vitória;
Por isso a campanha do Obama está nervosa; porque pensam que necessitam de uma margem de pelo menos 8% antes das eleições, para estarem seguros de uma vitória.
Uma América de que eu ainda tinha medo em 1994 (3 anos depois de aqui ter chegado) e que me levou a recusar uma oferta para trabalhar em Alabama (a voz do outro lado da linha, durante a entrevista, soava como as vozes em muitos filmes que vi em Portugal e que abordavam temas de racismo, Ku Klux Klan etc. ; talvez o indivíduo fosse justo, anti-racista, mas penso que os preconceitos ditaram a minha decisão).
Uma América que ainda em 1996 me levou a recusar uma oferta de fazer uma das minhas subespecialidades na famosa Mayo Clinic ( durante a entrevista, perguntei-lhes que actividades desportivas podia praticar, porque disse-lhes à partida de que gostava de jogar futebol (soccer) aos sábados; o entrevistador disse-me logo que em Rochester (Minnesota) o único desporto de que gostavam era hóquei no gelo, e que não era muito prático jogar futebol, a não ser nos ginásios; desisti da ideia de fazer a minha subespecialidade ali, o que ainda agora sinto remorsos, porque definitivamente o Mayo Clinic é uma das mais prestigiadas instituições médicas do Mundo.
Uma América que me desapontou profundamente quando fui a uma entrevista em Detroit (Hospital Henry Ford); durante a viagem de avião, estava todo excitado de finalmente ir conhecer a cidade da Motown (the Four Tops-“Reach Out, I’ll be There; Temptations: ”My Girl”, Stevie Wonder, ”Sign,Sealed,Delivered, Jackson Five, ”I’ll be There”, Smokey Robinson, ”Tracks of my Tear” etc. ; mas quando lá cheguei, eram casas abandonadas, vizinhanças destruídas; penso que a crise da habitação começou em Detroit….
Uma América de um desapontamento maior quando visitei San Francisco pela primeira vez em 1995: ainda tinha na minha memória musical The Mammas & Papas(California Dreaming, Monday, Monday), Janis Joplin, Jimmy Hendrix, The Eagles (Hotel California); mas o que vi, deixou-me de lágrimas nos olhos: enorme quantidade de pessoas sem casa (homeless), drogados, prédios abandonados: meu Deus, esta não é a America com que sempre sonhei!
Uma América que certa corrente de Rap music tenta destruír com canções ofensivas contra mulheres, convidando às drogas, lutas de gangs etc. ,afastando-se da doutrina dos pioneiros do Hip hop (Mel Mel e Grandmaster Flash from Bronx, que iniciaram o movimento como uma forma de protesto e reivindicação social.
Uma América que ainda nos anos oitenta (epitomizado pelo filme “Wall Street”), glorificava a cobiça, o dinheiro fácil, e que via jovens de 30 anos reformarem-se por terem feito tanto dinheiro com negócios da bolsa de valores, e outros negócios da Wall Street ; Ainda estávamos a fazer os nossos internatos complementares e íamos passear a Long Island visitar os Hamptons, onde ao lado das casas de Steven Spielberg e outras celebridades, estavam as casas dos tubarões da Wall Street e ficávamos a pensar: estamos na profissão errada!! Mas grande parte desta crise económica/predial por que estamos a passar é devida a estes “Sharks”.
Uma América que vê um dos líderes do movimento civil, Jesse Jackson, dizer entre dentes (pensou que o microfone estava desligado) ao referir-se ao Obama: “este “punk”; às vezes tenho vontade de lhe cortar os “berlindes”: foi um choque para todos, que um indivíduo que sempre lutou pela ascenção social dos negros, pudesse dizer algo parecido de um candidato negro a Presidente; mas, por um lado é o ”ciúme’ de gerações e por outro, alguns “velhos” militantes das causas negras não gostam do facto de o Obama não culpabilizar a sociedade de todos os males da classe negra (na opinião do Obama, os negros são, em parte, culpados da situação em que se encontram: homens que fazem filhos “à toa e não cuidam deles, o que cria um ambiente propício à delinquência, drogas etc. ; falta de espírito de luta etc.
Uma América que promoveu o American Dream (Sonho Americano) depois da segunda Guerra mundial, construindo casas baratas para soldados que voltavam da Europa e do Pacífico (lembram-se de Levittown?); mas esse Sonho Americano não era para todos, porque soldados negros que também lutaram e com coragem, quando voltaram, foram relegados ao esquecimento e não tiveram acesso às casas acima mencionadas!!!
Lembram-se dos Tuskagggee soldiers—só recentemente foram reconhecidos como importantes contribuidores na segunda Guerra mundial.
Uma América que só lembra os vencedores: não há lugar para segundos, terceiros; O ex treinador dos Lakers nos anos oitenta, Pat Riley sumarizou tudo nestas palavras: winning is not everything! It is the only thing; the rest is misery-não necessita de tradução!!! É algo difícil de digerir para nós que crescemos noutros mundos, onde ainda idolatramos os individuos que terminaram em segundo ou terceiro: nas corridas de 100 metros no Estádio Sarmento Rodrigues (Lino Correia). O Olivais ganhava sempre mas ainda celebrávamos os Venturas, os Djoys etc.
Uma América que viu um governo central olhar com indiferença, uma das suas cidades históricas (New Orleans) submergir-se, enquanto milhões de dólares seguiam para o Iraque para fomenter uma Guerra que não tinha razão de ser.
Uma América que com ideólogos como Paul Wolfwitz, Dick Cheney que,tentou e tenta ressuscitar a época das Cruzadas através de falsas pretensoes de “impor democracias” nos países árabes; Infelizmente, nunca aprendemos com as lições da História…
Mas também, é a América que deu a oportunidade ao Obama para frequentar uma escola da Ivy League (Liga do Marfim) com Harvard e ter uma grande chance de vir a ser Presidente da América
É a América que viu um filho de emigrantes jamaicanos, Collin Powell ascender a Chefe dos três ramos das Forças Armadas e a Ministro dos Negócios Estrangeiros.
Uma América com individualidades como Oprah, Ludacris a darem os seus contributos à sociedade através de instituições de caridade, escolas em África, ajudas a organizações não governamentais etc.
Uma América que promove e compensa o espírito de empreendimento, o trabalho árduo e sério.
Uma América que no espaço de 2 semanas me deu a oportunidade de ser nomeado Director dos Serviços de Colheita/Transplante de Órgãos do Estado de Nevada e na semana passada ser nomeado Director dos Serviços de Cuidados Intensivos de um dos hospitais aqui em Las Vegas.
É uma América que ainda funciona como laboratório de relações interraciais e ainda pode servir de exemplo à Europa; a Europa, apesar de ser o velho continente, tem uma curta história de negros e brancos viverem lado a lado.
Dentro da Europa (só começou nos anos setenta/oitenta, com as descolonizações); bem ou mal, essa convivência já dura desde 1876 na América e a Europa deve evitar cometer os mesmos erros que a América cometeu e está a cometer.
É uma América que vê um casal de brancos ajudar-me com gasolina, transporte etc. quando o meu carro avariou numa das minhas viagens para conhecer a América e que me levou de Chicago ao impressionante Parque nacional de Yellowstone, passando por Wisconsin, Minnesota, South Dakota (famosas esculturas das faces de alguns presidentes americanos; monumento do Crazy Horse -Cavalo Louco), e as imponentes Teton Mountains.
A América que incute no espírito dos americanos o senso de “poder fazer”, do “poder da mente”; um episódio que me impressionou o mês passado: a minha mulher levou o meu filho de 7 anos para a escola de natação e logo no primeiro dia começaram as competições: ele ficou em quarto lugar e surpreendentemente ficou satisfeito, a congratular o colega que venceu; nos dias seguintes da competição, ele ficou sempre em primeiro lugar e a minha mulher, no caminho para casa, perguntou-lhe o motivo de passar de quarto para primeiro: ”comecei a repetir na minha cabeça constantemente: vou ganhar, vou ganhar, vou ganhar e por isso ganhei”.
Claro que tivemos uma longa conversa com ele, tentando-lhe explicar que desde que se aplique em qualquer actividade, não importa se ficamos primeiro ou último, o que importa é competir. Bom ensinamento para todos nós: não importa se nasceste no Harlem, Beverly Hills, Oslo, Bissau, Pirada, Cacheu, Bafatá etc. Se puseres na tua mente que podes fazer/conseguir algo, vais consegui-lo; nunca é fácil, mas não há impossíveis….
É a América dos Fords, Rockefellers, Vanderbilts, Carneggies, dos Bill Gates; que à custa de muito trabalho e sacrifício fizeram fortunas, com que também financiam instituições de caridade que ajudam pessoas não só aqui mas em todo o mundo.
Apesar de todos os defeitos, para além da Guiné, e talvez, Portugal, não há nenhum outro país do Mundo em que gostaria de viver mais do que nos Estados Unidos da América- Land of the Free and Home of the Braves.
Parafraseando qualquer político Americano, depois de cada discurso, vou terminar com o mesmo: God Bless You and God Bless the United States of America!
VAMOS CONTINUAR A TRABALHAR!
Projecto Guiné-Bissau: CONTRIBUTO