AOS APRENDIZES DA FEITIÇARIA
Por: Flaviano Mindela dos Santos
05.11.2008
De algum tempo a esta parte, a minha inquietação vem aumentando, à medida que a vossa cognominada nova geração de potenciais governantes vem demonstrando, não só essa simples e natural potencialidade política, mas também, uma obcecada conveniência em aceder de forma muito prematura, aos mais significativos cargos institucionais, afiliando estrategicamente nos partidos, com largas possibilidades de conquistar o poder nas próximas eleições legislativas.
Sendo que para mim e muitos mais, a actividade política sempre foi, e para sempre será, a mais influente de todas as outras, não podia deixar de me agradar o facto de colegas meus, alguns até muito próximos, finalmente descobrirem que devem assumir uma agenda séria para com o país, cujo sucesso partilharei com toda a satisfação, como também considerarei meu, sem excitações, um eventual fracasso.
A nossa famigerada história, como de qualquer outra sociedade, desejosa de uma completa autonomia e desenvolvimento gradual, sempre conheceu momentos de resistência, que só diferem quanto aos males em causa e quanto aos meios idóneos a utilizar para os combater, nesses determinados momentos.
- Foi assim durante os inesquecíveis anos que marcaram toda a resistência contra a ocupação e exploração colonial, onde depois de algumas divergências, fruto das estratégias do colonizador, acabou por prevalecer uma liderança forte e, para o sucesso da causa, os factores unidade e luta acabaram por revelar ser os instrumentos imprescindíveis.
- Deveria ser igualmente assim, logo nos anos que seguiram a nossa triunfal independência, onde uma descomplexada aposta na capacidade individual e uma verdadeira concórdia nacional, tendo em consideração os anos da brutal repressão colonial, deveriam servir como meios fundamentais.
- E uma vez que agora somos confrontados com essa necessidade, mais que urgente, de corrigir uma parte bastante emaranhada do nosso percurso histórico e, ao mesmo tempo, fixar os principais objectivos no sucesso das gerações vindouras, só a cultura da competência e da solidariedade, bem implementadas, poderão nos servir como instrumentos eficazes.
Não obstante, por interesses que de muito longe eram os nossos, acabámos por constituir um mesmo território, que entretanto reclamámos e obtivemos como um estado independente, fazendo assim de cada um de nós parte de um todo, como povo. Por isso, e só por isso, cada um de nós deve contribuir afincadamente para a realização e o pleno progresso da pretendida nação guineense.
Essa vossa iniciativa que tanto me devia orgulhar inteiramente, no lugar de servir como mais um daqueles vergonhosos casos de querer governar toda a vida, para poder governar a vida toda, deverá ter como nobre finalidade: partilhar os vossos êxitos com muitos outros jovens, orientando-os na preservação do que de bom herdámos dos nossos melhores antecessores, orientando-os na criação dos valores que realmente nos fazem falta nos dias de hoje e, mais que tudo, orientando-os no que, cada vez mais e da pior maneira, se vai transformando num duríssimo combate, que é sem dúvidas, o afastamento progressivo dos males que há muito estão claramente identificados e que, no entanto, teimam em nos prejudicar. No fundo, fazendo deles também como vocês, potenciais governantes para os anos além do vosso provável tempo no poder, para que possam no futuro dar continuidade a tudo o que vocês conseguirem lançar através de um razoável uso do poder, garantindo desta maneira o vosso potencial estatuto de digníssimos reformados.
É pura ilusão e roça mesmo a estupidez, julgar que se pode manter a prosperidade de uma festa ou festança, sem convidar a Dona Constância.
Com uma penetrante tristeza, tenho constatado que muitos de vós já se deixaram cair na sórdida tentação de que nada interessa, a não ser acumular e lapidar valores materiais, num exibicionismo pacóvio que, como um péssimo exemplo para os nossos jovens que é, já está a fazer escola nos nossos mais emblemáticos burgos. A esses pobres infelizes, devo lembrar que muitos como eles, já passaram por essas rotineiras passerelles, sem nunca conseguirem conquistar o genuíno respeito de quem quer que seja. E hoje, são humilhados de uma ou de outra maneira, por pessoas também tão abomináveis como eles.
Em vez de se preocuparem em sustentar essa paranóica megalomania, construindo essas vossas deficientes grandes casas, deveriam contribuir para a formação de pessoas capazes de uma eficiente construção e uma fiável manutenção de grandes casas.
Em vez de se preocuparem em materializar essas patéticas ideias de possuir grandes carros, deveriam contribuir para a formação de pessoas capazes de garantirem uma eficaz assistência de grandes carros.
Em vez de se preocuparem com a validação dessa vossa infantil obstinação de possuir dos mais avançados electrodomésticos, deveriam contribuir para a formação de pessoas capazes de garantirem uma fiável manutenção dos mais avançados electrodomésticos.
Tanto faz luxo no lixo, como lixo no luxo. Ou seja, deve ser equivalente a muita bosta nas suas abastadas mesas.
Mas, toda e qualquer sociedade as alberga, logo tem que se lidar com pessoas medíocres como essas. Portanto, tudo isso acaba por ser coisa de menos importância, relativamente ao que nos deve ocupar mais, que é, sem grandes interrogações, a valorização das pessoas.
Como acima referi, o actual momento histórico, como outros, também impõe-nos um forte apelo ao sentido de resistência que nos caracteriza. Sendo que o mal, contra o qual temos que resistir ainda hoje, é o fenómeno subdesenvolvimento, os instrumentos mais apropriados para o combater devem ser a competência e a solidariedade, valorizando por essa via, e cada vez mais, a sociedade que todos partilhamos, na valorização das pessoas.
Dos marcantes longos anos de um colonialismo excessivamente mal intencionado, prevaleceu uma prática mesquinha e retrógrada de avaliar as pessoas na base de certos preconceitos, para nos fragilizar enquanto povo e que só serviam os propósitos de um completo domínio, de tal modo que isso ainda hoje constitui o nosso pior problema.
Os que actualmente se sentem vítimas dessa maldosa prática, embora muitas das vezes sem razão aparente, entre outras atitudes desesperadas, optam por ambicionar qualquer tipo de poder a todo o custo e uma vez adquirido esse poder, encontram sempre a maneira mais acertada de repor a justiça, subjugando os que, segundo eles, na época colonial, beneficiavam com o sistema. E infelizmente ainda hoje, por ignorância e cobardia, recorrem a essa mesma prática, entre outras baixezas, julgando que só eles devem ocupar todos os lugares de destaque na dinâmica social, especialmente, os lugares do poder.
É imperativo distanciarmo-nos com elevação, dessa prática nociva, que procura classificar as pessoas a partir de epítetos rivais como: puru fidju di tchon, burmedju, civilissadu, guintiu, bibidur e raça fundinhu, que, empregados de qualquer sentido, acabam por melindrar os visados e passarmos a considerar as pessoas que pretenderem desempenhar funções nos diversos organismos do Estado, ou mesmo também na esfera privada, (Porque não? Se o que realmente importa, é o melhor funcionamento de todas as estruturas sociais) quando elas no mínimo, demonstrarem reunir as necessárias seguintes características pessoais:
- Alto nível em tudo o que respeita a educação cívica.
- Razoável capacidade técnica para o cargo.
- Prova de eficiência profissional, quando tem que ser, tendo em conta o seu passado.
A nossa hipocrisia e o nosso cinismo, assim como de alguns dos que nos ajudam, têm acompanhado tempo demais, todas as nossas tentativas para sair desse enfraquecimento estrutural. Por isso, prestes a chegar a vossa vez, vocês que são colegas meus, e que tal como eu, felizmente tiveram a oportunidade de beneficiar da utilização quase gratuita de várias infra-estruturas e demais condições, que custaram sacrifícios enormes a tantos outros resistentes no passado; vocês que tiveram a oportunidade de conhecer tudo o que de melhor esse mundo mais desenvolvido nos oferece hoje, em termos de conhecimento; vocês que sabem muito bem como funcionam as sociedades mais prósperas para manterem e capitalizar essa mesma prosperidade e, sobretudo, vocês que são pessoas suficientemente habilitadas para ler e perceber o didáctico legado de Amílcar Lopes Cabral. Não vos perdoarei, se falharem no que considero essencial!
Fomos todos antes pessoas, para depois sermos doutores e engenheiros. Depois de sermos doutores e engenheiros, somos acima de tudo pessoas.
Como devem saber, foram flores de uma heróica luta e razão de sangrentos combates. Felizmente, existirão sempre outras crianças e com elas também existirão sempre razões para infindáveis combates.
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