REFLEXÕES DE UM NACIONALISTA
IV
A QUESTÃO GUINEENSE
INTRODUÇÃO
“É pudi fala tudo kê ku é
misti fala, mas eu nunca deixarei de amar a minha terra”.
Bintasinho
Amadora,
inícios de 2008
Fernando Jorge Pereira Teixeira
*
teixeira_ferjor@hotmail.com
03 de Abril de 2010
Numa
das minhas “reflexões” anteriores eu questionava sobre quando começou o nosso
“descalabro” como Nação e se o Governo actual, os anteriores e os futuros,
quiçá, não serão reféns de um passado e de uma dinâmica que não conseguem
controlar ou suster, por serem eles mesmos parte de um “processo”
que foi despoletado e que ainda não chegou ao seu término? Um “processo
invisível” mas que faz o seu caminho, até que se esgote por si só?
Por definição,
parafraseando alguém, um processo é algo que continua; se produtos
químicos voláteis se combinarem para e produzirem uma reacção violenta, não
podemos deter o processo enquanto os ingredientes não se esgotarem. Dizer
“até aqui e nem mais um passo” é ignorar o que esta a ocorrer um
processo. E se ignorarmos o que esta a acontecer, não podemos controlar
o que esta a acontecer. A única forma segura de evitar que um processo se
realize é parar de o alimentar, abafar qualquer reacção violenta
que já esteja em curso e desistir da experiencia desastrosa. Mas se a
“experiencia desastrosa”, as convulsões do último decénio forem apenas o
desenlace lógico e de “uma certa forma” previsível? Se os avanços e recuos que
fomos tendo como nação seja apenas o estertor de parto uma nação em fase
avançada do seu nascimento? Uma coisa é clara: nunca ninguém conseguiu
“controlar” ou “encaminhar” o nosso “processus” nacional. Um “processo”
que a primeira vista parece andar per si independentemente de quaisquer
análises e definições conhecidas,
No seu tempo os
Colonialistas não conseguiram impor a sua marca nesta dinâmica que também
lhes ultrapassou desde a primeira hora. No fundo eles só controlavam os
estragos, correndo de um lado para outro apagando fogos. Organizando defesa e
raras vezes ataques. Nunca conseguiram encabeçar um Desígnio, seja ela qual for,
para este povo. Também nunca conseguiram interessar o nosso Povo em qualquer
Programa (tirando uns escassos anos com o projecto do General Spínola
“Por Uma Guiné Melhor”. Mas mesmo esse só foi olhado com alguma atenção
pelo nosso povo porque era o único contraponto ao projecto avassalador de Cabral
que era a total “Independência”.
As autoridades tradicionais
tribais, religiosos ou políticos, também não tinham mão no nosso “Processo” no
geral, embora dentro das respectivas tribos, isoladamente, pudessem ter algo a
dizer; mas como nenhuma tribo conseguiu ser hegemónico frente ao
colonialismo isso foi politicamente irrelevante para o processo. Cabral
tentou penetrar no espírito indómito do nosso povo e faze-lo desaguar na
construção de uma Nação única e independente, mas a dada altura o processo
também lhe escapou das mãos, embora já possuidora de uma dinâmica própria e
direccionada, ela continuo ate o momento preconizado por ele, para descarrilar
de novo.
João B. Vieira, depois de
18 anos a frente dos destinos deste povo, também não conseguiu dar uma direcção
clara ao desenvolvimento nacional rumo a consolidação da Nação. Com a sua saída
da cena politica, por fim, deixou um País totalmente desgovernado, descontrolado
e sem nenhumas perspectivas. Os outros actores que se assenhoraram do poder logo
a seguir também nunca dominaram ou tiveram mínima noção de como controlar e
direccionar o nosso “processo” e por conseguinte não fizeram melhor.
Só o Povo, esse
continua aqui, orgulhosamente procurando a sua identidade e o sentido da sua
existência. A procura de finalmente encontrar dentro do seu seio um filho que a
semelhança com os heróis de antigamente ame este país e esteja disposto a
sacrificar-se por ele. Por isso (correndo o risco de me repetir em outra
circunstância), direi que é ele, “O Povo” – no nosso destruído País –
é o único património histórico
nacional, que me dá bases sólidas sejam elas históricas ou sociológicas que
me permitem uma reflexão e entendimento sobre, quem somos e para onde vamos.
PARTE I
HONORIO PEREIRA BARRETO
OU A GENESE DA “GUINENDADE
“Assim
como os brasileiros devem as suas actuais fronteiras ao Barão do Rio
Branco (José Maria da Silva Paranhos Júnior), os guineenses devem
as suas a este (…) Honório
Barreto, pois era bem provável
que, se não fosse a sua capacidade de liderança, perspicácia e visão, a
Guiné-Bissau, que hoje é um país pequeno (…), seria menor ainda.”.
Emerson Santiago
Quando o antigo “Alto Volta”
mudou o nome para “Burkina Faso”, que significa, “País de Homens Dignos”,
talvez isso foi feito para estimular o amor a liberdade do Povo Burkinabe; o que
é excelente se servir para aumentar o seu amor-próprio e em consequência o amor
pelo seu país. Mas se eu seguisse a mesma ordem de ideias, pediria que a Guiné
passe a chamar-se o “País-Dos-Que-Nunca-Aceitaram-A-Dominação”.
Pois fomos a única parte desta imensa África, que quase até ao fim da primeira
metade do século XX, ainda não se tinha vergado a dominação colonial.
Continuamos a lutar até os anos quarenta do século passado. Dominar as
turbulentas e fascinantes tribos desta terra não foi “pêra doce” para Portugal,
como ficou registado nos “Anais da conquista Portuguesa”.
Esta Nação
começou na ilha de Bissau com o duro combate dos Régulos Papéis da região
que resistiram aos invasores gloriosamente durante mais de 200 anos (do Século
XVII até finais de XIX). Esses oito Régulos de Antula, Intim, Cumura,
Bandim, Safim, Prábis, Biombo e Bijimita e seus valorosos
guerreiros, foram dos primeiros a regar com o seu sangue a terra desta nobre
nação. Foram nossos primeiros heróis. E a sua luta nunca parou totalmente, pois
até a uma data relativamente recente em termos histórico, a
13 de Maio de 1915, era decretado
o estado de sítio na ilha de Bissau para início de nova campanha contra os
papéis e ainda outras campanhas contra os papéis coligados com os grumetes. O
que viria a originar a queda de Biombo, prisão do respectivo régulo; criação de
4 postos militares: Bor, Safim, Bijimita e Biombo. Nesta altura foi considerada
concluída a 'pacificação' e a unificação do enclave da Guiné portuguesa.
Mas apesar de
Portugal considerar como “'pacificado' e 'dominado' o território, nos anos
posteriores, muitas regiões voltaram a rebelar-se e antigos focos de resistência
ressurgiram, como o caso dos Bijagós, entre 1917 e 1925 e dos baiotes e felupes
em 1918. Mas esta “unificação” teve o seu “valor” em termos de ser o
inicio da consolidação de um “embrião” da nação, embora como sabemos entre 1925
e 1940 de novo prosseguiram as revoltas militares dos papéis de Bissau.
Como vêem, este povo lutou
tanto que só um Monumento da dimensão do mundo pode homenagear tanto heroísmo.
Tamanha dedicação a Mãe-pátria é raro na história de África e do mundo. Os
Franceses renderam-se aos Alemães em apenas três semanas. Os Governantes
portugueses, esses, abandonaram a sua terra e fugiram para o Brasil, com medo de
Napoleão. Não darei mais exemplos, mas abundam por este mundo fora. Cada povo
tem a sua dignidade; do nosso Povo eu direi que não tinha apenas dignidade. O
nosso Povo era a própria dignidade feito Povo.
II
“… (Honório Barreto) Era um homem de
valor” e (…) “qualquer um de nós… se tivesse vivido naquele momento da
história em que ele viveu poderia de igual modo fazer o mesmo.”
Amílcar Cabral
Por ser extremamente difícil
encontrar fontes primárias, hoje a maior parte das pessoas - e quase sempre -,
analisam o Honório Barreto a partir de relatos feitos por cronistas Portugueses
no tempo colonial ou através de fontes Portugueses ligados a um certo período
anterior ao nosso tempo. E esses desligaram a homem de qualquer episódio que
pudesse demonstrar a sua ligação e amor a sua terra natal, independentemente de
Portugal.
Os colonialistas usaram o
seu nome, a sua memória, feitos e actos como exemplos para o luso
tropicalismo e o patriotismo de africanos em relação a Portugal; Facto que
eles queriam apresentar aos olhos do mundo para defender a sua política
colonial. Os Portugueses, na verdade, pela importância que tinha Honório Barreto
e na falta de um prócer, comparativamente, de tal grandeza, em todas as
outras coloniais (maiores e mais importantes até) -, usaram e abusaram do seu
legado.
Embora eu os posso
compreender, pois como diz, e bem, o Brasileiro, Emerson Santiago,
“Levando em conta (…), o fato de que nem antes nem depois dele outro nativo em
todo Império português conseguiria igualar o seu feito, é de se admirar a
conquista deste guineense. A melhor explicação que pode haver para três mandatos
(em três épocas diferentes) é que ele era um verdadeiro estadista.” Ou o
simples facto de sabemos hoje que “Quem tiver acesso aos documentos deixado
por Barreto (inclusive um livro de sua autoria), reconhecerá nele um grande
administrador.”
Mas a utilização do seu nome
e legado não foi algo sem importância. Foi algo bem pensado e realizado de uma
forma tão perfeita que “sem querer fazer história”, o historiador Francês,
René Pélissier, quase 150 depois da morte de Honório Barreto, “imagina como
seria o xadrez político africano actual se Angola e Moçambique
tivessem tido a sorte de ter, um vulto de envergadura de Honório
Barreto”, durante o tempo das conquistas coloniais, e chega a conclusão que
no mínimo este nosso mundo (não só a África) hoje seria diferente.
Construíram monumentos,
deram seu nome a praças e ruas tanto em Portugal como em outros pontos do mundo.
O seu nome e feitos seriam objecto de um culto exagerado até em certos meios da
antiga metrópole. Infelizmente estas atitudes e análises dos ideólogos do
Estado Novo são hoje em dia tidas como a única verdade sobre
este nosso compatriota.
Os colonialistas sempre quiserem “tirar-nos” o
nosso Honório Barreto e para provar quanto ele era Português,
contavam muitas histórias sobre ele e seus actos, mesmo de cariz particular.
Pois como eles não tinham a coragem que este tinha, “apropriavam-se” de todos os
seus actos, dizendo que eram “actos de um Português.
Um ideólogo colonial da época, que dizia que Honório Barreto era “mais
português do que cem portugueses”
(não sei como tal é
possível), conta que ele venceu a “arrogância, a presunção e a força bruta de
um comandante Inglês da mesma forma que a astuta lebre, a perdiz e o camaleão
vencem e castigam a força bruta do elefante e do Hipopótamo e a estupidez da
hiena nos contos tradicionais da África Ocidental” e “do mesmo modo que a
etiqueta e a conduta civilizada vencem a turba alcoolizada e brutal.”
Para ilustrar este tipo de entendimento e
afirmação sobre o Honório Barreto, vou-vos contar uma interessantíssima história
para perceberem quão humano e igual a nós era este Guineense. Mas essa mesma
história serviu gerações de portugueses para provar quanto português ele era.
Esta história, hoje esquecida, teve muita repercussão
na literatura portuguesa nos tempos de Honório Barreto e ainda mais depois da
sua morte. Teve dezenas de versões, cada um diferente da outra, mas o
denominador comum era o facto de que Honório Barreto salvara a honra de
Portugal a frente dos Ingleses. Coisa que nenhum Português
ainda conseguira fazer em centenas de anos de relacionamento. Este episódio foi
contado centenas de vezes e a cada vez de uma maneira diferente. Vou contar
uma das versões apenas, pois como já se disse, os pormenores mudam muitíssimo de
narrador para narrador:
Uma vez um comandante da
marinha de guerra inglesa pediu uma audiência ao governador Honório
Pereira Barreto, que este aceitou de imediato, atendendo a importância da pessoa
e o país que representava; na altura a Inglaterra dominava os mares e era mesmo
a maior potência marítima do mundo; alem de que ameaçavam a Guiné tentando nós
roubar a nossa ilha de Bolama. Então era do interesse do Governador
tratar bem o comandante Inglês. O Honório Barreto, homem educado e fino, vestiu
o seu traje de gala com todas as suas condecorações e dragonas, de pé no seu
gabinete, ladeado de seus funcionários, aguardava a chegada do oficial Inglês.
Como este demorava (e os ingleses geralmente são pontuais) o governador pediu
que lhe trouxessem os seus binóculos para observar o porto; então, com espanto,
percebeu que o oficial inglês vinha vestido de chambre e calçando chinelas! O
nosso Governador, homem de rara inteligência, percebeu logo que o comandante
Inglês queria ofender a sua honra e através dele a honra da nação que servia.
Pois um oficial da marinha da Sua Majestade, nunca poderia ir a uma audiência
(ainda por cima solicitada por ele) com um Governador em trajes de casa quase.
Então o nosso compatriota, o “governador negro” da Guiné, rapidamente despiu o
seu garboso uniforme, vestiu uma camisa velha e arregaçou as calças e tirando as
botas, pediu que lhe trouxessem rapidamente umas chinelas que calçou. E ordenou
aos funcionários que entrassem todos no edifício e sozinho saiu do seu gabinete
e foi para a varanda a assobiar como se nem soubesse que havia alguma audiência,
ou, pior, se sabia, nem ligava.
O comandante britânico e os
imediatos quando chegaram e viram “esse negro” mal vestido, a assobiar,
palitando os dentes no patamar de uma escada, ficaram desarmados. Esperavam ser
recebidos por ordenanças, oficiais e funcionários que os conduziriam ao gabinete
da Sua Excelência o Governador. Mas como não havia ninguém e sem saber com quem
falava, o comandante Inglês perguntou pelo governador. Não sei o que Honório
Barreto lhe respondeu (pois ele estava sozinho e ninguém ouviu as suas palavras,
tirando os Ingleses que nunca mais falaram desse assunto, tamanha vergonha
passaram), só sei que quando descobriu que estava na presença do próprio
Governador e que a intenção que tinha de insultá-lo, desrespeitando as regras
básicas da etiqueta entre oficiais graduados e altos funcionários, não causara
nenhum efeito, voltou para o seu barco e foi vestir o uniforme de gala. Mais
tarde, apropriadamente trajado, foi recebido com todas as honras devidas a um
alto oficial, pelo governador guineense. Assim ele deu uma grande lição aos
Ingleses (quem sabe se este episodio não veio a contribuir para que os Ingleses
tenham desistido de Bolama?) e também, verdade seja dita, deu muitas lições aos
próprios portugueses. Afinal, quem não tem capacidade de humilhar os Ingleses,
tem muitos mais para humilhar Portugueses que naquela altura viviam na Guiné e
na metrópole.
Penso que o que acabei de
contar serve para nós dizer da dignidade, inteligência e urbanidade de um uma
personalidade impar e não do amor a Portugal. Mas os relatos feitos pelos
colonialistas, sobre este pequeno episódio da sua vida (uma manhã apenas) nunca
falavam do homem impoluto que não admitia faltas de respeito de ninguém que era,
mas apenas do seu “amor” a pátria portuguesa.
Estes relatos, e até por ele
ser negro e não mulato (“mestiço muito escuro”, “mais escuro que os Felupes”),
serviam para provar que os Africanos queriam viver debaixo da bandeira de
Portugal. E os relatos dos colonialistas esquecem de dizer que enquanto ele foi
vivo os Portugueses não o respeitaram assim. Foi demitido várias vezes das suas
funções de Governador, o que não aconteceria se fosse assim tão amigo dos
Portugueses. Mas quase cem anos depois da sua morte, ainda utilizaram este vulto
da nossa história para defender um multi-racialismo que eles pensavam poderia
salvar as suas colónias em África.
Esse mito de Honório Barreto
Português (“mais português que as abatidas nulidades de uniforme vindas da
metrópole”) é uma falácia. Ele não queria ser mais Português que o resto dos
Guineenses do seu tempo e nem havia outra coisa para ser como já disse.
Mas isso não lhe retira o mérito e que justiça foi feita quando numa justa
homenagem fúnebre tenham dito dele: “A
falta do único homem que conhecia profundamente a Guiné, que estendia a sua
influência para o interior e na costa a grande distância, instruído (…) é uma
perda irreparável.”
Mas
esse mito
serviu para o denegrir aos olhos de alguma
inteligentsia
Guineense
revolucionária
que depois da Independência apressaram-se a julga-lo a luz dos novos tempos,
para o condenar e derrubar a sua estátua e mudar o nome da única
praça que tinha o seu nome na Guiné para “praça
Ernesto Ché Guevara”.
Urge pois, depois de se ter erigido a estatua de Cabral, ir buscar a estátua de
Honório Barreto e repô-la na antiga Praça Honório Barreto e renomear de novo
essa praça em honra deste nosso herói (sem fazer juízos de valor, há muitas
praças para dar o nome do glorioso Ernesto Ché Guevara).
Essa inteligentsia
esqueceu que mesmo os nossos primeiros heróis não lutaram pela “Guiné”
lutaram pelas suas tribos ou melhor pelo seu chão e hoje a união desses chãos
deu lugar a um só chão que é a Guine; mas essa união também é fruto da luta de
Honório Barreto, pois há muito chão que hoje pisamos que não pisaríamos com o
orgulho de ser nosso se não fosse ele.
E não é porque os papéis de
Bandim – só para dar um exemplo - que em 30 de Abril de 1845 hastearam a
bandeira de França em Bandim, “querendo ser Franceses” que podemos hoje entender
isso como uma traição. Ou os casos de chefes e régulos de muitas tribos que no
Rio Grande de Buba, em Casamanse, Bolama e nos Bijagós, diziam em alto e bom som
que eram Portugueses e exigiam bandeira de Portugal. Tempos eram outros e as
ameaças também.
Acham que o antigo
presidente do Senegal, Leopoldo Senghor, que lutou pelos Franceses na Segunda
Guerra Mundial e foi preso na Alemanha, num tempo ainda recente, era mais
traidor que Honório Barreto? Porque é que os Senegaleses não lhe consideram
traidor? Alguns de nós temos vistas curtas e elas encurtam o nosso
desenvolvimento como povo.
Amílcar Cabral, que também
analisa a história deste homem impar, através dessas mesmas fontes Portuguesas,
consegue discernir, de certa maneira (embora o critica), a grandeza do Honório
Barreto e diz “… era um homem de valor” e que “qualquer um de nós… se
tivesse vivido naquele momento da história em que ele viveu poderia de
igual modo fazer o mesmo.”
III
“Honório Barreto não é também o primeiro
cantor da identidade guineense em formação, o homem das feitorias, face a cabo
Verde e a metrópole?”
René Pelissier “in História
da Guiné”
O primeiro homem, o
“primeiro Guineense” que pela primeira vez sentiu no seu peito algo, que hoje
chamamos “Guinendade”, foi o Governador Honório Pereira Barreto.
Mas Honório Barreto que viria a morrer em
26 de Abril de 1859 no Berço da Nação, na
Fortaleza de São José de Bissau, apenas o intuía como algo glorioso mas
pertencente a posteridade.
Este homem “lúcido e
corajoso” (nas palavras de um contemporâneo) já pugnava para a necessidade “
unificar as feitorias da Guiné”. Os Portugueses tinham pouco interesse
nisso, pois para eles a questão era outra: apenas explorar o território e tirar
o máximo de dividendos.
Para este “patriota” a
questão era proteger um território, que graças a Deus e também graças a ele,
hoje chamamos Pátria. Era um grande politico - um homem que foi diversas vezes
Governador e administrador da Guiné - que aos 21 anos de idade já era Provedor
da comarca de Cacheu, à qual Casamansa e a sua capital Ziguinchor, pertenciam.
Portanto (não canso de
repeti-lo), em seu tempo, a região de Casamansa, que hoje pertence ao Senegal,
era parte da nossa Guiné e Honório Barreto fez de tudo, mesmo tudo, para que
assim permanecesse. Infelizmente, o sistema ao qual ele estava inserido era “de
uma inércia e languidez insuportável, e seus alertas constantes encontraram
ouvidos moucos perante as autoridades portuguesas”, que anos depois de sua
morte, em 1888, entregariam de mão beijada a nossa Casamansa a França.
Neste ponto quero citar um
contemporâneo dele que diz: “Quando (…) Honório Barreto, o mais ilustre
representante, sabe por seu tio, o comandante de Ziguinchor, que os Franceses
vão cortar o acesso dos Ziguinchorenses aos seus mercados de abastecimento (…),
o que significava a morte económica da feitoria (..) Perante a apatia do
Governador de Cacheu, Honório Barreto, - Que na altura - que voltou a ser
simples comerciante privado, vem ao local e, a 11 de Abril de 1844, e em seu
nome pessoal e as expensas suas, faz-se comprador de terrenos em Afinhame
e Jagubel, depois por procuração, compra em Dezembro de 1844 e Janeiro de
1845, mais oito terrenos ao norte e quatro ao sul do rio Casamansa. (…) São
superfícies imprecisas (…) mas Barreto tem o direito de os fortificar e dali
hastear a Bandeira. Estando igualmente reservado o monopólio de navegação. Estas
concessões (…) têm evidentemente por finalidade antecipar-se aos Franceses pois
Barreto em seguida entrega gratuitamente os terrenos ao estado (12 de Maio de
1845) (…).”
Fazia estes gestos não para
engrandecer Portugal (como pretenderam depois alguns historiadores portugueses e
detractores), mas para engrandecer a Guiné, a sua “Pátria intuída”. E
essa sua intuição, estava sempre presente, quando ele comprava terras com o seu
próprio dinheiro e doava ao “Governo” da Colónia, Mas ele não era nenhum tolo,
apenas entendia que “doando” esses terrenos a Portugal poderia dessa forma
proteger uma parte desta sua terra e isso lhe bastava.
Foi assim que comprou
Varela e o “doou a Portugal”, por isso
quando forem a Varela descansar, deitar na suas areias brancas e verem
como é linda e maravilhosa a nossa terra, lembrem-se é graças a Honório
Barreto é que podem estar ali. Numa parte do nosso País.
Por causa destas suas
atitudes desprendidas, sem nenhum interesse pesssoal (podemos amar Portugal e
ter interesse pessoal) que era difícil de entender por gente que estava na Guiné
apenas para roubar e enriquecer, que o mesmo escritor Francês que já citei
antes, vai procurar entender. Depois de estudar a vida deste homem, debruçar-se
sobre os seus desígnios ou intenções verdadeiras debaixo de toda essa história
mal contada de amor por Portugal, acaba deixando uma interrogação válida para
nós sobre este grande Guineense: “Honório Barreto não é também o primeiro
cantor da identidade guineense em formação, o homem das feitorias, face a cabo
Verde e a metrópole?”
É nessa mesma ordem de
ideias (mas numa dinâmica social que já estava em pleno desenvolvimento no seu
espírito, quando morreu), que depois de subjugar a
revolta dos Grumetes do Cacheu, com reforços vindos de Ziguinchor - que
naquela altura era parte integrante dessa sua “Pátria Guineense”, - entende, que
eles sendo filhos da mesma Pátria (Guineenses portanto) como àqueles que vieram
de Ziguinchor, concede-lhes perdão. E mesmo se antes, em Fevereiro de
1844, reprime a revolta do Povo Manjacos, com o apoio do seu tio Francisco
Carvalho Alvarenga, na altura comandante de Ziguinchor,
era para cortar de raiz uma rebelião que poderia futuramente perigar os
alicerces da futura Nação com que ele sonhava.
Para ser, nesse tempo,
nessa Guiné de Portugueses ao lado de um Senegal de Franceses, aos vinte e um
anos, o primeiro mandatários das duas mais importantes cidades da Guiné (Bissau
ainda era uma pequena vila) – Cacheu e Ziguinchor-, a frente de todos os
portugueses e cabo-verdianos da Guiné, sendo um negro, (“mais
escuro que os Felupes”),
era preciso ser um homem de uma capacidade invulgar. Um homem como este não
podia ser, nunca, “baridur de padja”; havia coisas que ele não podia demonstrar
ou dizer mas no profundo do seu íntimo o que ele mais amava era a terra que o
viu nascer.
.”
PARTE II
HONORIO PEREIRA BARRETO
E A FUNDAÇÃO DA NAÇÃO
I
“O bem do meu País é o
único alvo a que se dirigem todos os meus esforços e todas as minhas vistas”
Epitáfio
na campa de Honório Barreto
O início efectivo
desta Nação consolidou-se sob a égide de Honório Pereira Barreto
(1813-1859), esse ilustre filho de Cacheu, várias vezes Administrador e
Governador da Guine, que lutou toda a sua vida para alargar os limites da nossa
Pátria. Um limite que podia ser outro houvesse só mais um homem da envergadura
de Honório Pereira Barreto no meio dos Guineenses, pois como dizia M. M. de
Barros, em 1882, “O domínio Português nesta parte ocidental de África
estende-se a 62.000 Km2 (…)” E hoje sabemos que mal chega a 37000 Km2.
Uma vergonha.
As crónicas coloniais e
outros dizem que “em 1834, sendo a Guiné reunificada numa única comarca,
Ziguinchor pertence ao conselho de Cacheu, cujo provedor não é outro senão o
jovem (21 anos) mestiço, muito escuro, Honório Pereira Barreto (1813-1859), cujo
pai é um cabo-verdiano, sargento-mor de Cacheu. Sua mãe Rosa de Carvalho (de)
Alvarenga, a poderosa Rosa de Cacheu, é uma Nhanha Comerciante, originaria de
Ziguinchor, no Casamança. Educado em Portugal e homem de uma bela inteligência
(…)
Ele não teve a oportunidade
de escolher entre a “Guiné-Bissau” (que não existia) e “Portugal.”No seu tempo
não havia uma entidade chamada Guiné e nem havia ainda as fronteiras físicas
dessa futura entidade. Havia uma “província de “Cabo Verde e os Rios da Guiné”.
Havia a Senegambia portuguesa que é quase obra sua. E ali se ele tivesse
que escolher, era entre ser Francês, Inglês ou Português, e
não entre ser Português ou Guineense, coisa que também não existia
ainda.
Mas nas palavras de Cabral
sobre ele, é dito o que realmente importa, situar os homens no seu tempo e no
seu contexto histórico. Por isso fazer juízos fora de contexto e a partir de uma
situação actual e num universo sócio cultural que nada tem a ver com o tempo em
que esse homem viveu é errado para não dizer simplesmente disparatado.
Não tenho palavras para
homenagear Honório Pereira Barreto, lamento não ter capacidades para isso, por
isso vou utilizar as palavras que a Câmara Municipal de Beato utilizou para dar
o nome deste filho do nosso povo, ao Largo Honório Barreto nesta cidade de
Lisboa:
Guineense (Cacheu
24/04/1813 – Bissau 26/04/1859; Por iniciativa sua e perante a cobiça dos
Ingleses conseguiu, lutando e comprando terrenos, preservar várias parcelas de
território que constituem a actual Guiné-Bissau. Graças a este processo é que
Bolama se mantém guineense. O mesmo se diga da área de Casamansa. Apesar de
nativo, exerceu os mais altos cargos, desde provedor de Cacheu a governador da
então colónia. No campo militar cobriu-se de glória ao submeter os Papéis de
Bissau em 1853 e os Nagos em 1856 – estes havia 50 anos que impunemente
hostilizavam Cacheu. Reformou a administração, desenvolveu a instrução, a saúde,
a agricultura e o comércio. Foi promovido a tenente-coronel e galardoado coo o
grau de cavaleiro da Torre e Espada. Publicou “Memória sobre o Estado Actual da
Senegâmbia Portuguesa, Causa da sua Decadência e Meios de a Fazer Prosperar”,
1843.
De Honório P. Barreto, só
posso dizer: bendita pátria nossa que nós da tantos filhos para nos
orgulharmos e tanta desgraça para nos envergonharmos.
Este verdadeiro patriota
numa luta desigual e titânica, sem apoio da Coroa Portuguesa, contra os
Franceses e Ingleses, pirata e negreiros e toda a sorte de aventureiros que
queria arrancar um pedaço desta terra, traçou as fronteiras físicas que
actualmente delimitam a nossa Pátria. Com razão - um estudioso Brasileiro,
jurista de formação, Emerson Santiago - , disse dele o seguinte:
“Assim
como os brasileiros devem as suas actuais fronteiras ao Barão do Rio
Branco (José Maria da Silva Paranhos Júnior), os guineenses devem
as suas a este filho de mãe guineense e pai cabo-verdiano, pois era bem provável
que, se não fosse a sua capacidade de liderança, perspicácia e visão, a
Guiné-Bissau, que hoje é um país pequeno (36.125 km2, cerca de um terço de
Portugal, seria menor ainda.”.
Lutou toda a
vida, sacrificou a sua vida familiar, muitas vezes teve desaires,
desconsiderações e poucas vezes teve glórias e aclamações em vida. a sua vida
estava dedicada a preservação deste território que hoje é nossa pátria.
Por isso, a mando dele, na sua campa foi escrita:
“O bem do meu País é o único alvo a que se dirigem todos os meus esforços e
todas
as minhas vistas.”
Para mim isto
chega e basta para provar o seu patriotismo, o amor que ele tinha pela sua
“pátria intuída”. Do que conheço da natureza humana, sei que na nossa
última morada, só mandamos escrever algo em que acreditamos genuinamente e
geralmente aquilo pelo qual vivemos. A “nossa razão” de ter vivido, a
satisfação do dever cumprido. A última alegação. O “para sempre”, já
dirigida a Deus e a posteridade, pois nesses derradeiros instantes das nossas
vidas, os contemporâneos ou os homens em geral e seus assuntos mundanos, já não
são importantes. Nesta frase lapidar (salve a redundância), esta sintetizada
toda a filosofia de vida deste grande patriota Guineense.
E pela primeira vez na
nossa história como povo, encontro a “menção” de Estado e da
Nação, na quinta palavra inscrita nessa simples lousa que cobria o
túmulo de Honório Barreto: “País”. Para ele o “seu País”
era a Guiné e nenhum outro, com todo o respeito que lhe mereceu
Portugal.
Esta Guiné que como é
sabido “(…) de 1841-1844 perderá quase metade das «suas» margens, antes de se
reduzir as fronteiras que lhe conhecemos”. Só não é maior a nossa terra porque
os Portugueses vergonhosamente, sem um pingo de decência, deram de bandeja aos
Franceses a nossa Ziguinchor. A nossa mais rica e mais bela região ficou para
sempre nas mãos de estrangeiros (Um dia iremos busca-la?).
Essa foi a
primeira “punhalada pelas costas” que a “Guinendade” teve.
Outras viriam, é certo, mas este facto em si, para mim, foi o mais
significativo, pois foi aqui que a “Guinendade” perdeu a sua “alma”
recém-nascida. Para mim esta perda reveste-se de algo,
doloroso, atormentador e intangível. Impossível
de mensurar pela sua grandeza. Pois
contrariamente ao que muitos pensam, a perda que tivemos, não foi apenas de uma
parte do nosso território - facto já em si imperdoável -, foi com este “acto de
traição”, que fez Honório Barreto revolver no seu túmulo, que começaram “todos”
os nossos problemas como Nação e como Povo.
Este é que é o meu ponto;
este é o meu acreditar e onde parto para a construção da minha história como ser
humano. A nossa história como Povo.
Acredito que se Amílcar Cabral foi o “Militante Nº 1” do nosso povo na
grandiosa epopeia da Libertação, Honório Barreto foi o “Guineense Nº1” na
transmutação histórica de um conjunto de territórios, raças e comunidades de
povos numa identidade física, real e única chamada “Guine”.
Alem de que - é necessário dize-lo - se não fosse Honório Barreto, herói ou
traidor, provavelmente poderíamos ser hoje apenas mais uma Ziguinchor; mais uma
província do Senegal; e não haveria nenhuma Guiné para Cabral Libertar e seus
companheiros libertarem. Quando fundou a Nacionalidade Guineense, Amílcar
Lopes Cabral, fundou-a sobre estas fronteiras físicas e sociais
traçadas por Honório Pereira Barreto. Esta é a verdade do nosso povo.
Que mais posso dizer ?
Apenas que Amílcar Cabral devia, ter feito a luta de libertação da Guine,
Cabo-Verde e Ziguinchor. O Partido de Libertação devia ser chamado de PAIGCZ -
Partido Africano da Independência da Guine, Cabo-Verde e Ziguinchor. E não se
perdia nada, pois Senegal nunca apoiou a nossa Luta de Libertação e nunca nos
olhou com respeito merecido. Estes dois expoentes na criação do Estado-Nação da
Guiné, Amílcar e Honório, como todos os grandes homens, tiveram suas vitórias e
suas derrotas. E por ironia do destino, as suas derrotas - que também
foram nossas, colectivamente, como povo -, não aconteceram por causa deles, mas
a revelia deles.
PARTE III
HONORIO PEREIRA BARRETO
E A PERDA DE CASAMANSA OU O INICIO DO
NOSSO DESCALABRO
Em 1642, os portugueses
fundam Farim e Ziguinchor, a partir da deslocação de habitantes de Geba, dando
início a uma ocupação das margens dos rios Casamança, Cacheu, Geba e Buba, a
qual se torna efectiva em 1700, passando então a zona a ser designada
por “Rios da Guiné”.
TRATADO BREVE DOS RIOS DE GUINÉ
A derrota maior de Cabral
foi não ter feito de nós verdadeiramente um só povo e uma
só nação. Foi o único Guineense que teve de facto, até agora,
condições objectivas e a oportunidade para isso. Mas faltou-lhe o
tempo para isso. O tempo esse eterno inimigo dos grandes homens. A derrota maior
de Honório Barreto foi termos perdido Casamansa e a sua jóia negra, a
Ziguinchor, a mais bonita das nossas cidades.
A maior traição feita ao
povo da Guiné e a este valoroso “Filho de Cacheu”, Honório Barreto, foi (27 anos
depois da sua morte), a Assinatura em Paris da
convenção Franco-Portuguesa de delimitação das fronteiras entre a Colónia
Portuguesa da Guiné e a África Ocidental Francesa em 1886. Nesse mesmo fatídico
ano para nós, a região de Casamansa (com as terras de Honório Barreto) e a
cidade de Ziguinchor passou para o controlo da França.
As crónicas
antigas rezam que “(..) A bacia
de Cassamance e acima de tudo é, na margem sul do Rio, Ziguinchor (…) a
dependência real mais setentrional de Cacheu (…) Fundada em 1643/45 (…). A
aldeia é povoada por mestiços luso-africanos, por grumetes, «cristianizados» e
por escravos. Não existe um português branco. O chefe da feitoria, comandante
(…) veio da grande família mestiça preponderante dos Carvalhos (de) Alvarenga.
É esta família (…) quem fornecerá a Guiné o herói modelo que preenche toda a
mitologia colonial, o super-paladino Honório Pereira Barreto, micro-imperialista
antecipado e defensor de todas as feitorias, contra os Franceses e os
Britânicos.”
Esta ocupação
de território, já feita pelos “Guineenses” (que de colonizados passam a
colonizadores) e não apenas pelos Portugueses, que vindos das profundezas da
Guiné actual, desafiaram os perigos do sertão bravio, e deram também início a
nossa História e levaram a nossa língua crioula e os nossos costumes para as
margens do Rio Casamança.
Por isso não me conformo com a sua perda
(sempre que fui a Ziguinchor visitar a minha gente, sentia dentro de mim que
pisava o solo pátrio). A sua gesta maior foi o feito de na margem sul do Rio
Casamança fundarem a vila de Ziguinchor em 1645. Essa Ziguinchor - de que
segundo os cronistas “o nome deriva da expressão portuguesa "cheguei e
choram", porque os nativos pensaram que os vinham escravizar - Hoje esta
tragicamente fora da mãe pátria (o seu regresso possivelmente permitiria um novo
ordenamento territorial e estruturação física da Nação).
Desbravaram e
povoaram terras, fundaram cidades para nós, seus filhos e netos, e tudo isso foi
dada de mão beijada a outra nação. Hoje essa perda equivaleria a quase metade do
nosso território. Como vêem Casamança era nossa (no meu entendimento continua
sendo) e foi perdida, ingloriamente, por “nada”. Portugal nunca conseguiu unir
Angola e Moçambique. Mas isso hoje só faz parte da História. O importante foi
que, como nós contam outra vez, os cronistas e historiadores “(…)
Este foi o preço pelo Casamansa,
presídio de Ziguinchor e Rio Nuno. As consequências foram distintas para as
partes contratantes. De acordo com a ambição francesa, a sua esfera de
influência, no interior, ficou acentuada (…)”
Por isso, se
me permitem, é necessário precisar que a perda de todo este território não
aconteceu por acaso, o nosso povo pagou um preço elevado, para que a ambição de
Portugal de unir Angola à Moçambique pudesse ser realizada.
Pois como sabemos dos relatos de então, “O pensamento português de unir
Angola a Moçambique, do Bié ao Zambeze, devia presidir
às negociações (…) que se iniciaram em 22 de Outubro de 1885 e acabaram
com a assinatura de uma Convenção, a 13 de Maio de 1886. Portugal
transigiu face ao Casamansa, mas obteve em troca o reconhecimento de “(...)
exercer a sua influência soberana e civilizadora nos territórios que separam as
possessões portuguesas de Angola e Moçambique, sob reserva dos direitos
anteriormente adquiridos por outras potências (...)”, e de que a França se
obrigava, note-se, “(...) pela sua parte, a abster-se ali de qualquer ocupação
(...)”.
Pois, ao
contrário de Honório Barreto “que apenas o intuiu”, hoje “sei” que é com a
fundação da cidade de Ziguinchor juntamente com a de Farim por
volta de 1642 (cinquenta e quatro anos depois da Fundação de Cacheu), com
pioneiros, nascidos em Cacheu e Geba, portanto já naturais da
Guiné, é que a nossa futura Nação “começou a estruturar-se”, a se definir, a se
preparar geográfica e humanamente para esta que agora herdamos.
Esta gente
destemida, nossos antepassados, que já fundava cidades no sertão, esta hoje,
infelizmente, totalmente esquecida. Os seus corpos jazem nos cemitérios de
Casamansa, mas as suas almas permanecem connosco. Foi essa gente que com o seu
esforço titânico, a custa de imensos sacrifícios, conseguiram por volta do fim
do século XVII, que toda esta ocupação se tornasse definitiva e completa. E a
partir dessa altura então toda esta região passou a ser designada por Rios da
Guiné. E são estes “Rios da Guiné” o embrião da nossa Pátria hoje
conhecida erradamente como a “Guiné-Bissau”. Por isso eu nunca quis chamar a
“Guiné” de “Guiné-Bissau”.
Obs. Nó próximo
artigo falarei dos “Símbolos da Nação e a Emergência da sua mudança” e do
“Processo Guineense” e do seu término previsível. E de caminhos novos que
devemos trilhar.
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Licenciado em Arquitectura (Rússia 1991). Pós
graduado em Urbanismo (ISCTE)
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