A RELAÇÃO INSTITUCIONAL ENTRE O EXECUTIVO E A PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA NA GUINÉ-BISSAU

 

 

Ricardino Jacinto Dumas Teixeira[1]

ricardino_teixeira@hotmail.com 

24.11.2009

Ricardino Dumas TeixeiraO Presidente da República e o Primeiro-Ministro democraticamente eleitos na Guiné-Bissau enfrentam dilemas políticos no relacionamento institucional, o que não constitui surpresa devido à política de “amigos” e “inimigos” que se instalou nas instituições representativas do país. A menos de três meses da sua tomada de posse como Presidente da República, Malam Bacai Sanhá exibe o “cartão amarelo” ao Governo, num claro sinal de descontentamento com a política do Executivo de Carlos Gomes.

Esse comportamento político do presidente Malam Bacai Sanhá parece, todavia, estranho e paradoxal quando comparado com a política de “planejamento” do Governo através de “saneamento” das finanças públicas do país, por meio da maximização de arrecadação de receitas públicas em todos os setores chaves da economia, de acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI). No entendimento do FMI, o desempenho financeiro do Governo de Carlos Gomes pode ser considerado “positivo” (ao mesmo tempo em que aumentam também as despesas com a máquina partidária, gastos desnecessários e concessões de cargos políticos no Governo).

O “cartão verde” atribuído pelo FMI ganhou destaque na media nacional e internacional. Se, por um lado, a arrecadação do atual Governo vem aumentando (segundo o FMI), por outro lado as disputas de poder entre o Governo e a presidência colocam em risco a estabilidade e a governabilidade na Guiné-Bissau.

 

A recente remodelação no Governo pode ser vista como um esforço do atual líder do Executivo na tentativa de apaziguar os ânimos e os interesses existentes entre as elites partidárias e governamentais do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC). A concessão de cargos aos velhos membros da linha-dura do PAIGC, como forma de garantir a “governabilidade” no país, não parece gerar os resultados esperados pelo Chefe do Executivo. A suposta intenção de trazer pessoas próximas ao antigo presidente João Bernardo Vieira - atribuindo-lhes cargos chaves no Governo como a forma de manter ou tentar manter a supremacia na liderança do PAIGC ampliou a disputa de cargos e a luta pelo poder político no seio do partido. Isto porque a facção política que hoje apoia o senhor presidente Malam Bacai não parece ser diferente daquela facção que sustentava o antigo Governo de Aristides Gomes sob o comando do ex-presidente João Bernardo Vieira.

 

Ao nível das Forças Armadas evidencia-se uma certa apreensão com o clima de disputa política entre os aliados do governo e da presidência. O comunicado emitido pela classe castrense (alertando a sociedade nacional e a comunidade internacional) sobre a “ameaça interna” no seio do PAIGC e da classe política guineense aponta para a retomada de disputas de poder tanto no interior do partido e do Governo como dentro das Forças Armadas.

Mas o que está na base dessas disputas e como superar o alto grau de antagonismo entre as duas autoridades como forma de garantir a coesão social e política? Trata-se de estratégias políticas já bastante conhecidas em Bissau, sendo a principal, podemos apontar, apenas no sentido de chamar a atenção para o perigo que aos poucos podemos vislumbrar, sem grandes esforços, na atual conjuntura da dinâmica político-militar na Guiné-Bissau, a saber:

 

  1. A recente convocação do Primeiro-Ministro pelos Deputados para prestar declarações sobre os últimos acontecimentos de assassinatos reproduz e acerta, em cheio, a mesma estratégia política que os Deputados articularam em torno de uma Comissão de Inquérito sobre as vendas de armas ao movimento armado para a independência de Casamança contra o ex-presidente João Bernardo Vieira. Esse fato acabou precipitando o conflito político e a guerra civil de 1998. O mesmo golpe político fora aplicado na destituição do anterior Governo de Carlos Gomes pelo antigo presidente João Bernardo Vieira. Tudo ocorreu dentro do próprio PAIGC e tendo como palco político as arenas da casa legislativa (Parlamento).

 

  1. Contando com o apoio da linha-dura do PAIGC e o desgaste político do seu atual líder, ampliado com os últimos acontecimentos de assassinatos e pressão de um grupo de políticos adversários de Carlos Gomes Junior (tanto no PAIGC como na oposição), o presidente Malam Bacai Sanhá enfrenta dois desafios fundamentais: por um lado, desacreditar a política de Carlos Gomes Júnior e tentar articular um novo governo e liderança do PAIGC, por outro lado terá que coabitar com a liderança de Carlos Gomes Júnior e, com isso, minar a sua possibilidade política de assumir a liderança, o protagonismo e a confiança política do grupo que apoiou a sua eleição no pleito passado, num momento de intensa disputa política em que o atual Chefe do Executivo e presidente do PAIGC não queria que Malam Bacai Sanhá saísse candidato do partido.

 

  1. Nas Forças Armadas, até que aconteça a ruptura do pacto político-militar entre o atual Chefe de Estado Maior e o líder do Governo e do PAIGC, Carlos Gomes Júnior, a política de “cartão amarelo” do presidente Malam Bacai Sanhá não terá sucesso desejado. Pelo contrário, corre-se o risco de ser neutralizada por Carlos Gomes com apoio dos militares, como normalmente acontece na política guineense e demais países africanos onde a democracia é utilizada como instrumento político para neutralizar os adversários;

 

  1. Também podemos perguntar porque exatamente neste momento, menos de três meses após sua tomada de posse, o presidente Malam Bacai Sanhá decidiu atribuir “cartão amarelo” ao Governo e até que ponto esse comportamento do presidente contribuirá para garantir a coesão institucional e a paz interna? Trata-se de conflitos de ideias e projetos ou disputas para o controle político?

 

  1. Qual é o sentido que podemos atribuir ao comunicado emitido pelas chefias militares alertando para a instabilidade política no país oriundo do interior do próprio PAIGC?

 

  1. Se o presidente Malam Bacai Sanhá quisesse exonerar o Chefe do Estado Maior das Forças Armadas e o Governo de Carlos Gomes teria condições concretas no momento para a sua concretização?

 

As três questões acima levantadas apontam pelo menos para duas conseqüências eminentes, uma social e outra política. O primeiro caso mostra que a instabilidade política continua a existir num país onde as elites políticas não conseguiram criar as condições que garantam a governabilidade com populações social e economicamente marginalizadas, altos níveis de violência e corrupção. 

Já o segundo caso aponta que os militares estão tentando se demarcar das irresponsabilidades da classe política e dos órgãos das autoridades nacionais constituídas (Executivo, Legislativo e Judiciário) e das organizações da sociedade civil (sindicatos, associações, movimentos sociais, imprensa etc.) e, por consequente, qualquer tentativa ou intenção de futuramente serem rotulados como sendo os principais responsáveis da permanente instabilidade política na Guiné-Bissau, assim como na necessidade de uma possível intervenção militar.

As considerações acima não são, contudo, suficientes para apontar todos os problemas. São apenas alguns cenários significativos relativos à questão da relação institucional entre o Executivo e a presidência. Como a política é sempre um jogo contingente, aberto, calculista e inacabado não seria oportuno neste momento prever o comportamento dos seus atores. Porém, os cenários que estão sendo articulados não parecem serem diferentes das estratégias políticas historicamente conhecidas no país.

MOBILIZAÇÃO SOCIAL E INTELETUAL DOS GUINEENSES

Por isso não podemos permitir que os ganhos que o país teve recentemente com a realização de eleição presidencial (apesar do alto índice de abstenção eleitoral) sejam postos em causa pelo comportamento e interesses difusos dos nossos governantes, Deputados e políticos como um todo. A sociedade precisa se mobilizar. Precisamos dar o rosto independentemente dos interesses pessoais, empresariais, familiares e partidários para o bem da nossa democracia, da governabilidade e da estabilidade política da Guiné-Bissau. A democracia pressupõe participação ativa e responsável na resolução de questões de interesse nacional. A defesa do Estado de Direito vai além de princípios meramente formais na relação entre a sociedade civil e o Estado, ainda que não os excluíssem. Não vamos esperar o relatório do Conselho de Segurança, os Comunicados dos Movimentos das Organizações da Sociedade Civil, o parecer da União Africana e as visitas dos governos português, brasileiro e da própria CPLP para nos dizer que o clima “é de alguma insegurança”.

Sabemos que existem guineenses na Guiné e na Diáspora, que durante décadas deram as suas contribuições e muitos ainda estão dando, cada qual a sua maneira, mas chegou o momento de gerar a “nossa unidade”, a sinergia e trocas de experiências e conhecimentos para com o futuro da Guiné-Bissau. A Guiné-Bissau não pode continuar assim. Temos homens e recursos suficientes para desenvolver o nosso país. Nós os guineenses, apesar da péssima política dos nossos governantes, somos um povo respeitado, esforçado e digno dentro e fora do nosso país. Prova disso é o desempenho e visão do mundo que os nossos intelectuais estão demonstrando nas instituições internacionais. Muitos deles deixaram sementes no país, deram as suas contribuições num contexto onde o pessimismo parecia maior, num contexto em que poucos acreditavam que seria possível fazer algo. Refiro-me, por exemplo, a criação do nosso Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (INEP).

Hoje, mais de que nunca, podemos dizer obrigado a essas pessoas, cujos esforços são provas vivas de que somos capazes, mesmo nas condições mais difíceis como aquelas das quais decorreram a nossa luta de libertação do julgo colonial português. Posto isso, aproveito para pedir aos intelectuais guineenses nas instituições internacionais (homens e mulheres), inclusive aqueles que vivem em Bissau, cujos compromissos profissionais ou políticos não lhes permitem participar ativamente da vida política do país da maneira como gostariam, para juntos repensarmos o nosso país. Disponibilizem as vossas bibliotecas particulares existentes no exterior para contribuir com a melhoria das instituições de ensino superior e bibliotecas públicas da Guiné-Bissau. Coloquem, mais uma vez, os vossos conhecimentos e experiências acumuladas no decorrer das décadas de luta e superação pessoal e profissional.

A juventude atual, particularmente aqueles que tiveram oportunidade de ingressar no ensino superior, precisa dos vossos acervos particulares para incentivar novas formas de mentalidades educacionais necessárias ao convívio democrático. Precisamos da colaboração de todos, inclusive para repensar a nossa democracia, as nossas instituições, adequando-as as realidades concretas da Guiné, sem abrir mão do conhecimento que a humanidade produziu ao longo das décadas. Muitos já vêm fazem isso há muito tempo, mesmo sem apoio dos sucessivos governos. Podemos citar, por exemplo, as iniciativas da CODESRIA em colaboração com o INEP, na pessoa de Carlos Cardoso, cujos textos acadêmicos e colaboração para com o país são de grande importância para a nova juventude de pesquisadores e estudiosos da realidade política, social, cultural e econômica da Guiné-Bissau.

Não poderia terminar o meu lamento e singela análise sem citar o projeto CONTRIBUTO, fundado e administrado por Fernando Casimiro e mantido por um grupo de guineenses espalhados pelo mundo. Estendo o meu agradecimento ao Carlos Lopes que - mesmo estando fora da Guiné-Bissau – deixou-nos se calhar umas das riquezas mais importantes que o país atualmente possui - o INEP. Esperamos continuar a contar com a sua experiência, dedicação e firmeza para a (re)construção do país, assim como a contribuição dos demais intelectuais guineenses. Colaboram com as nossas universidades e faculdades propondo aulas magnas, palestras, colóquios e demais formas de difusão e socialização de saberes. Mobilizam todos os poderes e influencias internais e internacionais para o restabelecimento das instituições democráticas da Guiné-Bissau. Só assim, cada um (re)fazendo a sua parte, poderemos minimizar os conflitos e sofrimentos e maximizar espaços públicos de participação democrática contra a política de interesses pessoais na Guiné-Bissau.

[1] Mestre em Sociologia Política pela Universidade Federal de Pernambuco. Professor de sociologia na Faculdade de Ipojuca - Brasil

 


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