As Competências do Primeiro-Ministro no Sistema Semi-Presidencial.
A
propósito da suspensão de um Membro do Governo.
Carlos Pinto Pereira
ppereiracarlos@gmail.com
01.11.2010
Nos
termos da Constituição, o sistema de Governo na República da Guiné-Bissau é o
semi-presidencial.
Tal
significa que o poder executivo é confiado a um Primeiro-Ministro, que, ao invés
do que se passa no sistema presidencial, em que ele aparece como simples
coadjutor do Presidente da República, é o verdadeiro e único Chefe do Governo.
Nos termos
da nossa Constituição, compete ao Chefe do Governo propor à nomeação os cargos
de membros do Governo, Ministros e Secretários de Estado. O mesmo se diga da
proposta de substituição dos membros do Governo, cuja competência pertence ao
Chefe do Governo.
Os actos
de nomeação e a exoneração, propriamente ditos, como actos solenes, formais e
políticos, previstos na Constituição, são da competência do Presidente da
República, uma competência vinculada, na medida em que dependem de proposta do
Chefe do Governo. Ou seja, o Presidente da República não pode, a seu bel-prazer,
nomear alguém que não lhe seja proposto pelo Primeiro-Ministro, o que difere da
concertação estratégica que deve existir entre ambos.
E a
suspensão?
Não se
tratando de acto solene e formal, no sentido em que não está previsto na
Constituição, como atrás definimos a nomeação e a exoneração, como qualificá-lo?
De facto a
Constituição não prevê expressamente a suspensão, nem lhe competia prever a
totalidade dos actos políticos inerentes à governação. A Constituição limita-se
a definir a competência genérica do Primeiro-Ministro, nos seguintes termos: “O
Primeiro-Ministro é o Chefe do Governo, competindo-lhe dirigir e coordenar a
acção deste e assegurar a execução das leis”.
Assim
sendo, perguntamos: não estando previsto na Constituição, não pode o
Primeiro-Ministro tomar as providências cautelares que a situação exige,
nomeadamente suspender um Membro do Governo, quando motivos especiais o
justifiquem?
Do nosso
ponto de vista só uma resposta merecerá a compreensão do direito e da própria
Constituição, e essa resposta é afirmativa. Pode suspender. Porquê?
Porque, ao
invés da nomeação ou da exoneração, de carácter definitivo, a suspensão é uma
medida cautelar, de preparação, destinada a salvaguardar o efeito útil da medida
definitiva, ou a precaver prejuízos irreparáveis que a manutenção do “status
quo” poderia acarretar.
Ao invés
daquele, a fundamentação há-de basear-se não necessariamente em critérios de
legalidade, antes em critérios de oportunidade, que decorrem do facto de a
proposta para a formação do governo assentar principalmente na confiança
política que o Chefe do Governo tem nos Ministros e Secretários de Estado
propostos. O Primeiro-Ministro e Chefe do Governo praticará estes actos
essencialmente políticos de forma discricionária, dentro da razoabilidade que
decorre do facto de ele ser responsável perante o Presidente da República e
perante a Assembleia Nacional Popular. O Primeiro-Ministro presta contas pelos
seus actos e é o principal responsável de toda a actividade governativa.
De entre
os poderes que em concreto se podem subsumir ao comando genérico de dirigir e
coordenar a acção do executivo consagrado na Constituição está um, com toda a
certeza: o poder de assegurar a submissão às orientações políticas do Chefe do
Governo, a que corresponde o dever de todos os membros do Governo de acatarem as
orientações políticas do Chefe do Governo.
Ora, a
simples leitura do Despacho do Primeiro-Ministro deixa claro quanto acabamos de
afirmar. A intenção é vir a propor a exoneração da Ministra do Interior, pelos
motivos que indica, acautelando-a com a medida cautelar da suspensão.
Se o
Primeiro-Ministro pode propor a substituição de membros do Governo, então pode e
deve antecipar toda e qualquer medida que julgue adequada para salvaguardar a
coesão do Governo e a soberania nacional.
Pretender
que o Primeiro-Ministro não dispõe deste poder de intervenção e correcção, para
garantir a coesão do governo e a coerência da acção governativa, corresponde
dizer que ele não tem competência para dirigir e coordenar politicamente o
Governo, defraudando a própria Constituição e o regime semi-presidencial nela
consagrado.
O
Primeiro-Ministro dispõe dos poderes concretos de fiscalização, orientação,
disciplina e direcção próprios de um Chefe do Governo, que a ele e apenas a ele
podem competir num sistema de Governo como o consagrado na Constituição da
República da Guiné-Bissau.
É claro
que o actual modelo desenhado na Constituição da República tem de ser corrigido,
porquanto não consagra um regime verdadeiramente semi-presidencial. Ele mitiga
este regime com o presidencial, permitindo que o Chefe de Estado pratique actos
que deveriam ser da competência exclusiva do Chefe do Governo. Quando falamos de
“pastas” de soberania, de indigitação e nomeação presidencial, ou quando se
permite que o Chefe do Estado presida ao Conselho de Ministros sempre que
entender, estamos a concretizar esta mitigação, que constitui causa das inúmeras
discrepâncias existentes no entendimento do que deve constituir competência do
Presidente da República, e está na origem das crises que ciclicamente abalam o
país.
Os
políticos da Guiné-Bissau não assimilaram o verdadeiro sentido e a dimensão do
sistema semi-presidencial. Na oposição defendem este sistema, no poder tornam-se
presidencialistas.
Talvez
seja chegado o momento de fazermos uma reflexão séria e desapaixonada sobre o
modelo que melhor se adequa à nossa realidade, volvidos que foram já 16 anos
sobre as primeiras eleições livres realizadas sob o signo da actual Constituição
da República.
Em minha
modesta opinião, nenhum dos ocupantes do Palácio Presidencial pós abertura, à
excepção do Presidente da República de Transição, respeitou a partilha de
poderes próprio do sistema semi-presidencial.
Fiquem os
defensores do princípio da legalidade descansados porquanto também estou do lado
dos que o defendem, contra o arbítrio e o abuso do poder ou da autoridade.
Porém, tal não pode significar que não existe hierarquia do Estado ou que a
autoridade do Chefe de Estado ou do Chefe do Governo deve ser banalizada.
Bissau, 1
de Novembro de 2010
Carlos Pinto
Pereira
Advogado
Pinto Pereira & Associados
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