AS CONSEQUÊNCIAS POLÍTICAS DA SUPOSTA TENTATIVA DE ASSASSINATO DO PRESIDENTE DA GUINÉ-BISSAU

 

Edição de Fernando Casimiro (Didinho)

didinho@sapo.pt

29.11.2008

O artigo de opinião que se segue não é da minha autoria, no entanto, porque não queremos continuar a incentivar (neste nosso espaço) a autoria de artigos de opinião através de pseudónimos, mas sim de autorias reais e neste caso concreto, tendo em conta as razões evocadas (segurança do autor) e a pertinência da opinião apresentada, decidi publicar o respectivo artigo de opinião no espaço Editorial, responsabilizando-me por qualquer responsabilização que surja em relação ao seu conteúdo.

Fernando Casimiro (Didinho)


 

 

Para começarmos a nossa singela análise, torna-se necessário responder à seguinte indagação: o que aconteceu na Guiné-Bissau pode ser considerado uma tentativa fracassada de golpe de Estado de militares descontentes com a política do Presidente ou foi uma tentava de controlar as Forças Armadas e calar a classe política visando o pleito de 2010?

 

O acontecimento político recente visto pela comunidade nacional e internacional por meio do governo como uma deflagrada tentativa de assassinato do Presidente, transformada mais tarde, um dia depois, em tentativa de golpe de Estado contra o governo de Vieira, traz à tona o permanente clima de desconfiança entre o Presidente e o Chefe das Forças Armadas, o mesmo que participou activamente na sua deposição em 1998 e, também,  sete anos depois, colaborou para o seu retorno ao poder em 2005.

 

Também é o mesmo Chefe do Estado-Maior que actualmente é o responsável, ou seja, o garante da segurança pessoal do Presidente João Bernardo Vieira. Porém, quando aconteceu a suposta tentava de golpe de Estado ou de assassinato do Chefe do Estado, o Chefe das Forças Amadas, General Tagme Na Waie, não foi atempadamente informado, nem pelo Chefe do Estado e nem pelo chefe do governo da Guiné-Bissau, comportamento um pouco estranho e incompatível num Estado republicano. Alguma coisa parece não bater.

 

Kumba Yalá - na tentativa de trazer à tona os detalhes sobre o narcotráfico na Guiné-Bissau e para conseguir manter a sua supremacia no processo eleitoral - acusou publicamente a figura do Presidente como responsável (o Hitler) da venda de droga dentro do aparelho de Estado. Mas como podemos defender a bandeira da democracia e dos Direitos Humanos se uma acusação a priori é considerada crime contra a “segurança” do Estado antes mesmo do pronunciamento do órgão competente? O princípio de presunção de inocência instituído no nosso sistema normativo constitucional não funciona? Impedir um cidadão do direito de ir e vir sem uma culpa formada é incompatível com a democracia e com os direitos constitucionalmente garantidos. Não é preciso ser-se jurista para entender os princípios dos Direitos Humanos.

 

Antes mesmo desta acusação por parte do líder do PRS que merecia um posicionamento da Comunidade Internacional por meio do Tribunal Internacional, o Presidente Vieira, na véspera do início do processo eleitoral, acusou o Almirante Américo Bubo Na Tchuto de protagonizar um golpe de Estado contra o seu governo. Misteriosamente, o mesmo Almirante Bubo - que fora acusado pelo Presidente – conseguiu “fugir” para a Gâmbia, um país fronteiriço com a Guiné-Bissau, sem que o Estado guineense soubesse de nada. Porque não foi instaurado, naquele momento, um processo judicial junto ao Ministério Público tal como acontece actualmente? Quais as razões que levaram o Presidente e o seu governo a não prosseguir com o processo judicial contra o Almirante Bubo? Será que ele detém informações confidenciais do tipo “segredo” de Estado?

Será que Kumba Yalá também possui essas informações? E a lista de Martinho Indafa Cabi, antigo chefe do governo, com nomes de pessoas supostamente envolvidas no narcotráfico do Estado? Teria sido a razão da queda do seu governo? O senhor Procurador-Geral da República não sabe da existência dessa lista? Porque é que a Comunidade Internacional que parece mostrar preocupação com o povo e com a democracia, guineenses, não pressionou o actual governo a encaminhar essas listas de acusações de narcotráfico para o Tribunal Penal Internacional? Onde estão as duas aeronaves e os papelotes de drogas apreendidos no Aeroporto Internacional Osvaldo Vieira? 

 

Será que o nosso sistema judicial - pelas limitações que todos nós conhecemos - possui de facto, condições éticas e morais para julgar os acusados de tentativa de golpe de Estado?

 

Estamos perante uma situação cuja consequência política é imprevisível, mas alguns cenários parecem mostrar, claramente, que estão a ser articuladas condições e possibilidades para se institucionalizar, na sociedade guineense, clivagens étnico-regionais. Não parece razoável acusar as pessoas simplesmente pela sua aproximação étnica ou familiar. É muita coincidência e bastante duvidoso o facto de o suposto protagonista do atentado contra o Presidente ser parente do político que acusou o Presidente de narcotraficante.

 

Ainda ficou sem a devida atenção da sociedade hipnotizada com o discurso de assassinato do Presidente sobre a acusação do líder do PRS segundo a qual o Presidente teria mandado para a Líbia um contingente de jovens para preparação militar, bem como a apreensão de uma aeronave na base área, carregada de material militar. Esses dois factos teriam ou não precipitado o recente espectáculo militar que o país conheceu?

 

Tudo na Guiné-Bissau gira em torno de golpes de Estado de base étnica. É de conhecimento de todos que foi este mesmo discurso o utilizado no caso 17 de Outubro da década de 1980, onde várias personalidades de origem étnica Balanta (sendo as principais Paulo Correia e Viriato Pã) foram fuziladas; foi o mesmo discurso da tentativa de golpe de Estado que levou ao aprisionamento de João da Costa; gerou o assassinato do homem que era de confiança do Presidente, Robaldo de Pina associado ao tráfico de armas; de Ansumane Mané; do Veríssimo Seabra; do Comodoro Lamine Sanha; a recente fuga do Almirante Bubo associado ao tráfico de droga, e, mais recentemente a detenção de vários oficiais de origem Balanta acusados de tentativa de golpe de Estado contra o governo do Presidente.

 

Todas essas figuras tinham um ponto em comum: eram inimigos declarados de João Bernardo Vieira?  O que é que o Presidente Vieira fez para merecer tanto inimigos e poucos amigos guineenses?

 

O Presidente - dentro das suas atribuições constitucionais – deve procurar estabelecer um clima de confiança na sua relação com as Forças Armadas e com a sociedade civil se, realmente, deseja garantir a sua segurança pessoal. Não nos parece que as acusações e disputas de poder entre Nino Vieira e Kumba Yalá devem ser tratadas envolvendo humildes militares que há vários meses não recebem os seus salários.

 

A Comunidade Internacional, por não conhecer a fundo a dinâmica política guineense deve fazer-se mais presente, inclusive na Comissão de Inquérito recentemente criada sob comando da Procuradoria-Geral da República, pois estamos perante um Procurador que sempre representou interesses difusos desde a época em que fazia parte de uma organização da sociedade civil; um Procurador que lutou efectivamente para o retorno do actual Presidente ao poder. Para recompensar os esforços ganhou uma “medalha” pelos (des)serviços prestados ao chefe. É preciso imparcialidade nas investigações, daí a importância da presença da Comunidade Internacional e do Tribunal Internacional em todo processo da luta contra o narcotráfico, pela democracia, pela justiça e paz na Guiné-Bissau.  

 

Não poderíamos concluir esta singela contribuição para aprofundamento do pluralismo, sem algumas advertências que nos parecem importantes:

 

1. O real alvo parece ser Tagme Na Waie. Mas antes dele, é preciso resolver os dividendos políticos com o Kumba, o maior líder Balanta da actualidade ao mesmo tempo em que é visto pelo Presidente como o maior instigador de conflitos dentro das Forças Armadas e na Guiné-Bissau em geral;

 

2. Tagme Na Waie será, provavelmente, o próximo a ser ouvido e condenado pelo Ministério Público - ele não poderá contar com a Justiça Militar, por ele controlado, para o seu julgamento. Isto porque, pela primeira vez na história política da Guiné-Bissau, os militares (que terão que responder por vários crimes), serão julgados e condenados num tribunal civil;

 

3. A tentativa de prender o líder do PRS, conforme anunciou o Vice-Presidente do PRS poderá ser interpretada como uma tentativa de “excluir” os Balantas das Forças Armadas e na cena política guineense.

 

Os três pontos acima mencionados são apenas possíveis quadros que a dinâmica política e a luta pelo poder e controle das Forças Armadas parecem apresentar e cujos contornos não parecem dar mostras de que as elites governamentais estão dispostas ao diálogo político para resolver os conflitos e as clivagens. Não se combate a violência acusando as pessoas de tentativa de golpes de Estado pela sua origem étnica ou regional. A elite governamental, ao que parece não mudou muito, e convém realçar, é pioneira nesse sentido.

 

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