As Enxurradas da Política Guineense
(Ponto de Vista)
Por: Rui Jorge da Conceição Gomes Semedo *
10.10.2008
Chefi tené carro nobu, ma vencimentu ka dá pa carro nobu. Chefi tené kaça nobu ma vencimentu ka dá pa kaça nobu.
“Zé Manel”
Na contagem decrescente para a realização da quarta eleição legislativa no país presencia-se uma desenfreada caça ao voto, em que aparentemente os recursos estão sendo colocados de forma criminosa pelos concorrentes em disputa, com o objectivo de manipular a consciência do eleitorado. Mas, antes de reflectirmos sobre um dos cenários desta competição, concretamente dos recursos dos partidos nesta campanha, faremos uma rápida observação da organização do processo eleitoral.
É verdade que aderimos à democracia muito recentemente, igualmente, não é menos verdade afirmar que o Estado e as instituições responsáveis pela coordenação do referido processo já deveriam estar à altura de criar condições, pelo menos materiais, de forma a garantir a sua funcionalidade sem grandes transtornos.
Do processo de recenseamento eleitoral assiste-se, ainda hoje, uma autêntica desorganização em fazer funcionar as coisas conforme o previsto. Ao longo dos anos e após a sua criação, a Comissão Nacional de Eleições (CNE), por falta de uma administração inteligente (situação extensiva a toda a Função Pública), depara com enormes dificuldades, como por exemplo, a ausência de sedes próprias para as Comissões Regionais de Eleições (CREs), viaturas, materiais de expediente e outros meios que possam garantir o dinamismo e a eficiência organizativas. Razão pela qual, em cada processo eleitoral se assiste a uma desavergonhada mendigaria a doações junto aos Organismos Internacionais para adquirir materiais que no pleito anterior já tinham sido fornecidos, mas que não se soube conservar.
Todavia, sabemos que não constitui segredo que o país sem apoio dos parceiros internacionais não tem condições económicas para realizar o processo eleitoral, no entanto, também temos a convicção de que com um trabalho sério, minimamente racional, a CNE poderia garantir a si e às suas comissões, melhores condições de trabalho.
Entretanto, ainda em relação a essa desorganização administrativa (para não dizer crime), sabemos que o presidente da CNE, Senhor Aladje Manuel Mané, alugou dois edifícios, supostamente dele ou de alguém da sua família aos CREs de Bissau e de Bafatá. Ainda de acordo com os rumores, os valores do arrendamento estimam-se entre 600.000xof e 500.000xof mensais respectivamente, isso sem contar com os gastos de reparação dos edifícios. A mesma situação acontece no sector dos transportes. De uns tempos para cá, nos Ministérios e Departamentos do Estado os responsáveis estão a “comprar ilicitamente” as viaturas do Estado sob alegação de que estão com problemas mecânicas, depois, as mesmas são alugadas para prestar serviços ao Estado por um valor de 50.000xof/diário. E neste momento, algumas dessas viaturas estão ao serviço da CNE, sendo que anteriormente, durante o recenseamento eleitoral prestaram o mesmo serviço ao Instituto Nacional de Estatística e Censos (INEC) pelo mesmo valor. Diante disso, como pode o Estado cumprir os seus compromissos sociais com esta irresponsabilidade administrativa? É óbvio que numa realidade onde o Estado tem comportamento igual à de uma organização criminosa, manter a estrutura desorganizada é um bom negócio, tendo em conta que ninguém será punido por improbidade administrativa ou qualquer outro crime.
Bem, voltando à questão inicial que são os recursos dos partidos nesta campanha, dois partidos chamaram a nossa atenção nesse aspecto. De um lado, temos o Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo-Verde (PAIGC), que nesta pré campanha se destacou pela doação, entre outros, de toneladas de açúcar aos irmãos muçulmanos, tendo como pivot o Major Baciro Dabó, que duvidosamente ostenta bens sem ter uma fonte de renda compatível. Do outro, temos o Partido Republicano da Independência para Desenvolvimento (PRID), que sem sombra de dúvidas mostra possuir meios incompatíveis com a própria realidade, e alerta pelo alto nível da sujeira política presente no país. Ainda sobre este segundo, observa-se uma poderosa ostentação de bens, principalmente, de uma frota de carros, motos, além de doações de dinheiro em alguns torneios desportivos. O PRID é a mais nova força política do país, cujos líderes perfilam na mesma linha de carência económica com os de outros partidos, e que de forma duvidosa apresenta condições materiais e financeiras que merecem interrogações; Quem está a financiar de forma milionária a campanha do PRID? A nosso ver, para responder a esta interrogação duas hipóteses se nos afiguram:
- Primeira, em termos de análise sociológica não se pode fazer a leitura de uma determinada situação sem levar em conta os factores. Nesse sentido, sabemos que recentemente o presidente do PRID, Aristides Gomes, foi chefe do Governo do FÓRUM, e durante a sua gestão desapareceu do Tesouro Público (onde tinha sido guardada), mais de meia tonelada de cocaína, que até hoje, alguns mistérios impediram a Polícia Judiciária de apurar a identidade do (s) criminoso (s).
- Segunda, uma parte considerável da elite do PRID é composta por pessoas próximas ao presidente da República, General Nino Vieira, incluindo Aristides Gomes, que foi um dos articuladores do seu regresso ao País. Porém, existem rumores de que por onde passa, esse partido dá a entender a sua ligação com Nino Vieira, aliás, a participação de Aristides Gomes na comitiva que recentemente acompanhou o presidente Nino Vieira à China e outros países é um dos indícios a considerar.
Na verdade, para nós não importa saber se o partido X tem ligação com Régulo Y, mas importa, isso sim, fazer cumprir os fundamentos da lei eleitoral. De acordo com essa lei no seu capítulo III alínea 1 art. 46º, todos os partidos devem cumprir a lei prescrita. Ou seja, que o financiamento da campanha eleitoral pode ser feita por:
a) Contribuição do Estado;
b) Contribuição de partidos congéneres;
c) Contribuição voluntária de eleitores;
d) Contribuição dos próprios candidatos e dos partidos políticos;
e) Produto da actividade da campanha eleitoral. Ainda no mesmo artigo, alínea 2, consta que é interdito o financiamento directo às campanhas eleitorais por parte de Governos estrangeiros e organizações governamentais estrangeiras.
Entretanto, como se nota, é constatável o vazio jurídico no capítulo acima referido, portanto, é bom advertir para o perigo que a nossa democracia corre caso não sejam tomadas medidas rigorosas para fiscalizar o financiamento da campanha.
Hoje o nosso país faz parte da rota internacional do tráfico de drogas, e correremos sérios riscos de alguns partidos e/ou candidatos serem financiados por cartéis de traficantes ou de outros grupos criminosos que depois farão da Guiné uma propriedade. Em muitos países, entre os quais o Brasil é proibido qualquer tipo de financiamento externo da campanha eleitoral para evitar cenários que possam colocar o país sob os ricos de instabilidade. Na Guiné, apesar da nossa recente adesão à democracia, as nossas leis, tanto a eleitoral, quanto à lei-quadro dos partidos políticos não se adequam à necessidade que temos de consolidar o processo democrático.
Não é segredo hoje que entre os partidos e actores políticos existe um interesse quase que esquizofrénico em ocupar o Ministério do Interior apenas para poder controlar o processo eleitoral e fabricar o resultado final do escrutínio. Aliás, não foi por acaso que se “inventou” o cenário para derrubar o governo de Martinho Dafa Cabi. Não obstante, é urgente a necessidade da CNE gozar de uma verdadeira autonomia no sentido de poder coordenar e garantir a credibilidade do processo eleitoral. Só num regime político ainda com resquícios de ditadura, como é o nosso, se pode observar a atribuição de parte da responsabilidade organizativa do processo eleitoral aos órgãos da Segurança Pública.
*Mestrando em Ciência Política na Universidade Federal de São Carlos, SP, Brasil
VAMOS CONTINUAR A TRABALHAR!
Projecto Guiné-Bissau: CONTRIBUTO