A
Guiné-Bissau é um Estado que teoricamente se declara democrático, mas
onde algumas instituições desconhecem completamente os limites das suas
competências. O mais recente comunicado da hipotética instituição designada por
Conselho Superior Militar vem demonstrar que mais uma vez os mesmos militares
que ao longo dos anos nos têm revelado falta de conhecimento no que diz respeito
às suas reais incumbências, vêm à ribalta marcar posição à base de intimidações
e ignorando por completo a Constituição da República, que embora desactualizado,
tem que ser respeitada.
O
comunicado emitido no passado dia 20 de Fevereiro de 2009 patenteia-nos
usurpação de poder na medida em que as Forças Armadas não possuem
competência para desempenhar o papel que desejam a todo o custo desempenhar
na vida política nacional. Os militares têm a obrigação de não interferir na
vida política do país, economizando acções para aquilo que lhes compete.
Como
cidadãos em pleno gozo dos nossos direitos cívicos, resta-nos analisar o
respectivo comunicado e compreender o seu timing de publicação.
Na
passada semana, mais precisamente no dia 12 de Fevereiro, o Partido da
Renovação Social (PRS) cortou relações com o Primeiro-ministro, pediu a
demissão do Governo ao Presidente da República e proferiu na pessoa do seu
Vice-presidente, Ibraima Sori Djaló, um conjunto de declarações que vão
contra a forma de estar do Governo de Carlos Gomes Jr., isso quando uma
semana antes, o mesmo Partido tinha emitido um comunicado onde acusava o
Governo de "abuso de poder" no que diz respeito ao caso Bubo Na Tchuto.
Dois
dias depois, 14 de Fev., o Vice-presidente do PRS voltou a fazer declarações
que condenam a postura do Primeiro-ministro acusando-o de “falta de diálogo
e prepotência” e também fazendo referências às deslocações do mesmo ao
estrangeiro, nomeadamente as questões colocadas em França sobre os
assassinatos ocorridos no país.
Continuando a sua campanha de crítica, o Partido da Renovação Social tem
aproveitado todas as situações para criticar fortemente o Primeiro-ministro
e o restante executivo alegando que os mesmos não têm capacidade de
responder de forma satisfatória aos graves problemas do país.
Face a
esta atitude do Partido da Renovação Social, as Forças Armadas, amicíssimos
de Cadogo, resolveram partir para o ataque e deter as investidas do PRS.
Mesmo que para tal, seja necessário desrespeitar a Constituição da
República, aliás há muito que têm feito tal coisa e ninguém lhes exige
explicações!
O
comunicado emitido pelo Conselho Superior Militar tem como objectivo
principal, fazer calar o PRS e o seu Vice-Presidente Ibraima Sori Djaló.
Contudo, um dos mais consagrados direitos que um Estado Democrático nos
confere é o de expressão. Nesse sentido o Sr. Ibraima Sori Djaló tem todo o
direito de proferir as declarações que bem entender, desde que respeitando
os limites impostos pela lei e respondendo pelas suas palavras. Assim como o
PRS, enquanto Partido político, tem todo o direito de interferir na
governação do país instrumentando acções que bem entender. Cabe a quem de
direito julgar essas acções, se for o caso, chamando o Partido a prestar
esclarecimentos sobre o assunto.
Essa
incumbência, certamente, não compete às Forças Armadas a ponto de emitirem
um comunicado a afirmar estarem atentas a qualquer factor que possa pôr em
causa a estabilidade política e institucional do país.
Não
querendo aqui defender os interesses nem as posições do PRS, longe de mim
tal ideia, quero sim, insurgir contra esta atitude desrespeitadora dos
direitos dos cidadãos, bem como, anti-democrática, por parte das Forças
Armadas. Aliás, nunca sairia em defesa do PRS, na medida em que o próprio
PRS é incapaz de explicar as atitudes que toma. Isso é bem visível na
declaração que o seu Vice-presidente proferiu quando questionado sobre as
razões que levam o Partido a pedir a demissão do Governo, limitou-se a
dizer: “por muita coisa", sem no entanto, concretizar com um único exemplo.
Em
relação a toda esta novela, permanece a curiosidade em relação à próxima
acção do PRS, já que foi ontem divulgado uma notícia que dá conta do Partido
estar a ponderar apresentar uma moção de censura ao Governo, que quanto a
mim não terá qualquer efeito. Na medida em que o Partido não demonstra
conhecimento das bases onde assentará tal moção, assim como o facto de o PRS
ser um Partido sem moral para tal.
Por fim,
resta-nos constatar com esta atitude que as Forças Armadas, sob jurisdição
directa do Ministro da Defesa, não se submetem à autoridade suprema do Chefe
de Estado como seria normal num regime democrático. Mas como disse na
introdução: a Guiné-Bissau é um Estado que teoricamente se declara
democrático, teoricamente.