A SITUAÇÃO DA GUINÉ (2)

 

Matteo Candido *

11.03.2010

Se o que declarei na reflexão anterior corresponde à verdade, também não deixa de ser verdade que hoje, o Estado da Guiné, ao invés de ser um Estado natural e orgânico, aparece como algo de artificial, motivado pela indiferença, ou pela força.

Não é sentido nem visto pela maioria da população como um Estado com identidade própria. Os seus cidadãos não foram consultados antes de aceitarem fazer parte dele, sendo confrontados com obrigações que não entendem o porquê, ou talvez, não acham necessárias.

Mas a artificialidade e a construção não são realidades exclusivas dos Estados africanos. Aconteceu o mesmo em relação à formação dos Estados europeus, exceptuando, talvez, a Suíça.

Na Europa, os cidadãos foram apanhados mais ou menos de surpresa dentro das fronteiras, com estruturas e leis, que  não lhes foram suficientemente explicados, assim como, não tiveram direito a uma opinião própria sobre o assunto.

Mas ainda hoje, na maioria dos países africanos, assistimos a imposições de ritmos e padrões europeus (especialmente a nível dos partidos políticos, que são importantes para os debates, mas inoperativos nas ações) que não se adaptam, penso eu, ao contexto africano.

Presume-se que o modelo do ordenamento do Estado oriundo da Europa seja a melhor resposta para a natureza humana e a vida social. Mas o Estado moderno, bem como a sua legislação, surgiu apenas a partir da Revolução Francesa e sem ter agradado a todos.

Com a Revolução Soviética, a democracia conseguida em 1789 foi considerada funcional apenas para uma parte da sociedade, a burguesia, e não para toda a população. Era verdade.

E de "parlamentar" ela fez-se "popular" ou "progressiva" sem a pluralidade de partidos, mas com um único partido. E para os Estados, a independência absoluta deu lugar a uma soberania limitada, gerida dentro das áreas de influência internacional (comunista e americana).

Reapareceu assim a forma sócio-estrutural dos impérios já ocorridos na Antiguidade: os assírios, babilónios, egípcios ... passando pelo Império romano, alemão e árabe, até ao colonialismo espanhol, português, inglês, francês, holandês ...: todos sinais ou antecipações da globalização mundial hoje imposta a nível planetário.

Os Estados contam hoje cada vez menos, pois estão substancialmente à mercê dos Grupos económicos e financeiros internacionais, cujos orçamentos, interesses e poderes, superam largamente os dos próprios Estados, que nada podem fazer, senão, aceitar e submeter-se aos interesses e às imposições desses Grupos.

É neste ambiente que os Estados-nações hoje se movimentam. O Estado da Guiné está hoje perante este cenário internacional, caracterizado pelas influências e condicionalismos das potências económicas mundiais.

A dimensão e a capacidade industrial, comercial e financeira em termos de economia, é o que hoje condiciona a existência duma relação favorável entre os governos e os cidadãos.

As melhorias indiscutíveis, que a ciência e a tecnologia têm feito para a vida social, devem ser salvaguardadas, e garantidas a todos. Mas percebemos que isso não acontece em todos os lugares, nem em igual medida. E muitas vezes nem mesmo de forma civilizada, respeitando a natureza e as necessidades que cada nação tem, com base na sua tradição e sua história.

É compreensível a reabilitação das tradições locais de uma forma conveniente para se desfrutar dos benefícios económicos disponíveis, mas não se pode aceitar que sejam (só) as razões de ordem técnica e estrutural da economia a impor regras e ritmos de comportamento de um povo.

O Marxismo-comunismo alegara ter uma solução eficaz para este problema global, mas falhara desastrosamente, deixando atrás de si, situações piores do que aquelas que tinha encontrado, mesmo contribuindo de forma decisiva - segundo a análise do histórico filósofo italiano, Prof. Augusto Del Noce -  para a expansão de um tipo de sociedade, a "burguesa", consumista ou opulenta, já travada pelo marxismo-leninismo, mas que, ao invés de ser derrotada, ressurgiu mais forte, com uma estratégia suportada por um tecnicismo e eficientismo evidentes, graças à multiplicação sofisticada de recursos materiais, capazes de sufocar o que é humano no homem e nas tradições dos povos.

É este o desafio que hoje enfrentam os Estados, e que também os políticos devem assumir em nome dos seus povos. E se por um lado não se pode prescindir do progresso técnico para o desenvolvimento real dos povos, por outro, os políticos devem ter cuidado para que seus povos não sejam sufocados pelas ambições desmedidas das potências internacionais que oferecem e controlam tais recursos técnicos.

Esta tarefa exige uma grande preparação e um forte compromisso com a moralidade: ninguém deixa de ver, tendo um pouco de inteligência. E se o homem da Guiné também alimenta o seu coração com um sentimento vivo de dignidade humana, não pode deixar de participar, pessoalmente, para que finalmente se consiga elevar a classe dirigente guineense, seguindo o exemplo do grande Cabral, uma alta personalidade por quem a História ainda hoje chama.

* Pedagogo italiano, amigo da Guiné-Bissau.


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