A Transparência pode ser o Caminho para a Paz e O Desenvolvimento
(Ponto de Vista)
“Quem sofreu um mal pode esquecê-lo, mas quem o fez nunca se esquece”.
Maret
Por: Rui Jorge da Conceição Gomes Semedo *
18.11.2008
Hoje, com a ida às urnas, completou-se o ciclo que deve seleccionar um governo e os parlamentares que nos próximos quatros anos, devem ficar à frente dos destinos públicos da Guiné-Bissau. Durante os vinte e um dias que antecederam o dia do escrutínio, assistimos a tempos de antenas e comícios populares onde as legendas concorrentes procuraram, cada um à sua maneira, de acordo com a sua estratégia, mostrar que tem o melhor projecto para o País. Em alguns momentos, pareceu-nos que foi uma campanha legislativa com a cara presidencial. Quer dizer, houve uma exploração desnecessária da figura do Presidente da República: primeiro, a irrelevante tentativa de uso da imagem do Presidente por parte de duas formações políticas (o PAIGC e o PRID); segundo, a clara tendência de preparar a base de apoio à candidatura do Presidente na próxima corrida presidencial e, terceiro; a provocação do debate que objectiva transformar o nosso modelo semi-presidencialista em presidencialista. A excessiva ênfase dada a essas três questões acima mencionadas fez, por outro lado, as legendas esquecerem-se de explorar os aspectos mais relevantes da vida nacional, como: a apresentação de projectos consistentes ao desenvolvimento de políticas públicas de qualidade; a necessidade de elaboração de um Plano Nacional de Desenvolvimento e; um sério debate sobre o perfil de candidatos à Assembleia Nacional Popular, que nessa legislativa, além de aparecer os tradicionais iletrados para ocupar cadeiras, surgiu mais uma outra categoria, de possível relacionamento com o crime organizado.
Apesar das acusações, em certos momentos agressivos, no geral, atribuímos uma nota positiva ao processo da campanha eleitoral. Isto porque não houve incidentes, e os apoiantes dos partidos e coligações, mais uma vez, souberam respeitar as regras do jogo. Mas, como o processo ainda não cessou, não podemos vangloriar-nos do dever cívico cumprido. Pois, entre os populares, ficou a parte mais sensível que é a divulgação dos resultados e, consequentemente, o “reconhecimento ou não” dos mesmos por parte dos partidos. Bem, por que se instalou essa dúvida? A resposta é muito simples: as nossas instituições, desde a Presidência da República aos últimos degraus do funcionalismo público carecem de credibilidade necessária, que transmita confiança a quem precisa dos seus serviços. O medo que hoje existe entre os líderes e seus eleitores, é da inversão dos resultados por parte da Comissão Nacional de Eleições (CNE) que pode ser forçado ou influenciado a adulterar os resultados. Pois, para muitos ainda ficou o inexplicável, senão, o duvidoso resultado do pleito de 2005, e ainda hoje pelos becos da cidade ouve-se confissões da invenção imposta pela força das armas nesse pleito.
A democracia como qualquer outro jogo tem as suas regras. Por isso, exige-se em nome da paz, da ordem e dos interesses supremos desta sociedade, o respeito pelos sentimentos expressos nas urnas. O partido e\ou a coligação que neste embate não conseguir vencer ou obter um desempenho desejável, deve analisar as suas falhas e preparar-se para os próximos desafios. Usurpar resultados ou criar perturbações só porque perdemos, não é uma atitude correcta e digna dos democratas. Os políticos não devem ter medo de perder, mas, devem sim, ter medo de vencer e não conseguir implementar o projecto pelo qual foram eleitos. A verdade é que na democracia não existem vencidos, porque ela reserva a todos, mesmo aos que não conseguiram assentos no parlamento, um espaço para expressar seus sentimentos e reivindicar contra qualquer imposição que porá em causa os interesses democráticos. Nesta óptica, tendo essas possibilidades, gostaríamos de pedir um grande favor ao cidadão Rui Alberto Pinto Pereira, militante do PRS, que seja mais maleável, tolerante e inteligente nos seus discursos. Porque as leis da democracia são incompatíveis com as da ditadura. As falhas que a democracia comete, são corrigidas por ela mesma, e nega qualquer recurso à violência como alternativa. Apelar que os militares sejam vigias do processo democrático é uma atitude covarde de quem na verdade desconhece o papel de um homem público num modelo político que priorize o debate de ideias em detrimento da violência. Bem, sobre esse assunto, achamos desnecessário fazer mais comentários tendo em conta que os militares, através do Estado-Maior General, emitiram um comunicado a todos os seus efectivos, no sentido de se distanciarem da situação que só pertence aos políticos.
Entre todas as coisas que pude ver e escutar nessa campanha, uma coisa chamou veementemente a nossa atenção: a segurança dos participantes envolvidos de forma activa nas manifestações públicas das campanhas. Referimo-nos ao uso das plataformas e carinhas que preambulam pelas ruas das cidades do País que não oferecem as mínimas condições de segurança aos foliões que participam das manifestações. Foi então esta visível irresponsabilidade que fez uma jovem perder a sua vida no último dia da campanha. Ou seja, segundo relatos, a menina estava sentada na parte lateral da tal plataforma, de onde escorregou e foi esmagada pelas rodas da mesma. O que não entendo é a razão do Estado permitir o uso desses camiões destinados a carregar “contentor” para carregar pessoas numa manifestação política? Às vezes, o nível da nossa falta de organização nos fazem indagar, observando a distância que temos em relação aos outros países, se os nossos responsáveis realmente conseguiram aperfeiçoar os ensinamentos da sociedade moderna? Pois, é sabido que na Guiné-Bissau as pessoas se gabam ser “super dotados”, que são donos do conhecimento, só que na prática estamos a distanciar cada vez mais da oportunidade de construir o País. De incutir nas pessoas, culturas e hábitos que valorizam a vida humana e não só. É triste e lamentável ficar a assistir situações ridículas como esta que vitimou a vida dessa jovem. Esperamos que nas próximas campanhas sejam tomadas medidas necessárias que proíbam situações que possam colocar em risco a vida dos manifestantes.
A sociedade guineense após ter cumprido a sua cidadania, espera da parte dos órgãos responsáveis, a transparência e idoneidade na divulgação dos resultados. Precisamos acreditar nas instituições que temos, mas antes, as mesmas precisam demonstrar que são credíveis. Aos partidos, esperamos um comportamento digno de instituições democráticas, ou seja, de reconhecer os resultados e não criar desordens indesejáveis. No mais, façamos votos que o governo que sairá desse pleito possa cumprir integralmente os quatros anos de que tem para governar e, sobretudo, conseguir traçar as orientações para um desempenho positivo do País.
*Mestrando em Ciência Política na Universidade Federal de São Carlos, SP, Brasil
VAMOS CONTINUAR A TRABALHAR!
Projecto Guiné-Bissau: CONTRIBUTO