A Vergonhosa e Triste Ausência da Imprensa no Aniversário de José Carlos Schwarz

(Ponto de Vista)

 

“Na democracia a imprensa deve assumir o papel de órgão de sentido da sociedade. É a partir do seu agir democrático que os cidadãos podem enxergar, sentir e falar”.

 

Semedo 

 

 

 

Rui Jorge  da Conceição Gomes Semedo

 

rjogos18@yahoo.com.br

 

07.12.2009

 

 

Rui Jorge SemedoA cultura no seu sentido mais amplo do termo quando valorizada e colocada no seu respectivo lugar inequivocamente tende a ajudar a(s) sociedade(s) a encontrar mecanismos racionais para se afirmar perante os múltiplos desafios a ela(s) imposta(s) pela realidade, mas, quando é o contrário existe um risco enorme da perda de identidade e, consequentemente, provoca desestruturação sócio-cultural e política graves.

 

Se o José Carlos Schwarz estivesse vivo completaria ontem 60 anos, dia 6 de Dezembro de 2009, e foi com base nesse simbolismo que a Embaixada do Brasil na Guiné-Bissau decidiu escolher o referido dia não só para premiar os concorrentes do “Concurso Literário José Carlos Schwarz” organizado pela mesma instituição, como também para celebrar em memória o aniversário do saudoso astro da música e literatura nacional. Vale a pena ressaltar que num País onde não existem livrarias, bibliotecas, museus, ou seja, elementos que ajudam a produzir Literatos e Homens sensíveis à cultura, evento do gênero incentiva pessoas de diferentes faixas etárias a abraçar a atividade literária como possibilidade para registar a nossa memória coletiva em suas multifacetadas faces e vertentes, sem dizer que também pode evitar que muitos se enveredem pelo caminho da criminalidade.

 

Apesar da grande importância do evento, uma coisa me deixou triste e envergonhado: a espantosa ausência dos órgãos de comunicação social que operam no País, tanto a escrita quanto a falada, entre as quais, jornais, rádios e emissoras televisivas. Apenas a emissora católica “Rádio Sol Mansi” teve a sensibilidade e o profissionalismo em marcar a sua presença para participar do que podemos considerar de pagamento de velas do aniversariante, em memória. A funcionalidade da imprensa guineense “e outras que operam no País” em termos de procura e difusão da informação é atípico do contexto global.

 

Noutros lugares existe por parte da imprensa uma atividade permanente de busca de informação, na Guiné-Bissau, contrariamente, acontece o inverso e ridículo, ou seja, é a informação que vai atrás da imprensa. Só que muitas das vezes vão atrás quando existe a possibilidade de receber “gorjetas”, do contrário preferem deixar tudo despercebido. Por exemplo, uma emissora que aqui não pretendemos mencionar o nome, ao ser convidada para cobrir o evento condicionou sua presença com o pagamento do serviço e como esse serviço não estava nos planos da comissão organizadora do evento, a emissora simplesmente proibiu os cidadãos de terem o direito à informação. Pois bem, a liberdade de imprensa não se limita apenas no direito que os profissionais da área (e não só) têm de expressar suas idéias e pensamentos, mas, também no direito que ambos têm de receber informações de diversos canais e interlocutores democráticos.

 

A atitude seletiva explícita em termos de cobertura de notícias, nos faz observar a ação de grande media que opera hoje no País sob duas perspectivas: existe grupo de cariz global que, na maioria das vezes, só deslocam ao terreno para reportar quando há tragédia e com isso ganhar “protagonismo e o mérito” de divulgar a famosa imagem de caos pelo mundo, e, há outro de cariz local que desloca ao terreno atrelado a benefícios econômicos. O primeiro procura dramatizar para ganhar audiência como sempre tem feito as médias internacionais, enquanto o segundo prefere meia atitude para não desagradar os poderosos locais e comprometer sua sobrevivência. Entretanto, ao primeiro gostaríamos de dizer que não deve apenas se limitar a mostrar um lado da moeda, pois é muito importante divulgar e denunciar a violência em todos os seus níveis seja em que país e lugar for, da mesma forma, que não é menos importante informar que entre caos também existe uma mãozinha a tentar sarar a dor. Ao segundo achamos que o profissionalismo deve estar acima de “gorjetas” que nos induz a uma corrupção passiva. Atitudes que demonstram pura e simples bajulação às lideranças nacionais do País, como a inapropriada moda agora em voga por parte de algumas emissoras de rádios em colocar músicas de campanhas eleitorais de candidatos e partidos. O que não devia estar a acontecer por um motivo muito simples: primeiro, estamos no período extra-campanha e essas músicas devem servir ou conservadas pelas diretorias responsáveis; segundo, não é ético “privilegiar um e prejudicar outro”, só pelo fato de não estar com a máquina na mão; terceiro, a democracia exige igualdade de tratamento entre os atores em disputa.

 

Podemos dizer que não foi surpresa a atitude da media em se despreocupar na promoção da cultura, pois num País onde recentemente o Governo destruiu dois “Court de Tênis”  que apesar de ser privado atendia dezenas de jovens e adultos para construir “Porto Pesca” sem ainda proporcionar um outro espaço onde os jovens e amantes dessa modalidade desportiva possam continuar a praticar suas atividades, muito pouco pode se esperar de outros atores em relação à defesa e promoção da cultura e desporto nacional. A bem da verdade, não estamos a dizer que “Court de Tênis” é mais ou menos importante do que “Porto de Pesca”, mas que deveria existir uma ação planeada que permitisse salvaguardar os direitos, a responsabilidade e a importância que ambos têm no processo de desenvolvimento nacional.

 

Todavia, é bom enfatizar que apesar da ausência ou desprezo tanto da imprensa quanto do Governo que era para ser representado pela Direção-Geral da Cultura no evento, podemos testemunhar a importância e o êxito que o ato proporcionou aos presentes. Tivemos a honra e o privilégio de contar com três personagens de vulto da história de música e cultura guineense, Aliu Bari, Duko Castro Fernandes e Rui Guedes. Camaradas que com José Carlos trilharam de forma intensa e arriscada suas vidas para resistir à ocupação colonial em Bissau. Eles são testemunhos vivos da trajetória dos Cobiana Djazz, das celas da Segunda Esquadra de Bissau à Ilha das Galinhas no arquipélago dos Bijagós sob a permanente vigilância da PIDE-DGS. Três músicas cantadas por Aliu Bari e Rui Guedes serviram para nos agradar e ter aquela sensação de que a alma de José Carlos está submersa numa paz profunda.

 

Não podia terminar de redigir esta breve manifestação de repúdio à atitude anti-cultural da Imprensa sem dar os meus parabéns à Embaixada do Brasil por mais uma iniciativa de promover a Cultura e Literatura Guineense, sendo que está previsto para 2010 o lançamento de duas coletâneas Poesia e Conto com os textos de quinze primeiros colocados na primeira modalidade e doze na segunda. Sem falar prêmios financeiros e também bolsas acadêmicas concedidas aos três primeiros colocados da modalidade Conto. Gesto que pode incentivar o surgimento não só de talentos literários, mas de profissionais que lutarão para preservar o nosso patrimônio cultural como povo com responsabilidade de construir sua própria história.

 


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