REFLEXÕES DE UM NACIONALISTA

III

 

A VISÃO, GESTA, JURAMENTO E MORTE

DE AMILCAR CABRAL

 

 

 

 

Fernando Jorge Pereira Teixeira *

teixeira_ferjor@hotmail.com

Queluz, 20 de Março de 2010

 

 

 

 

 

INTRODUÇÃO

 

 

Tenho recebido vários e-mails de muitas partes do mundo, de Guineenses e não só, dando-me suas opiniões sinceras sobre os meus artigos e propondo até certos desenvolvimentos achados pertinentes. Também recebi missivas de algumas pessoas, demandando-me deixar a história para os “historiadores” e falar mais da política. Há quem me disse até que devo deixar de falar do passado e concentrar no presente por este ser mais “urgente”.

 

Aos primeiros agradeço do fundo de coração terem arranjado tempo para lerem estas acanhadas linhas. Aos segundos quero dizer que, (como aquela menina de 13 anos - filha de pais da etnia pape - a quem, quando contei-lhe o quão maravilhosa era a nossa terra (que ela nunca conheceu por ter vindo com dois anos para Portugal) -, quando lhe falei da terra dos seus avós, de Biombo, Quinhamel e Tor, dos seus antepassados, que eram um povo orgulhoso e digno... Quando lhe enumerei as incontáveis guerras que travaram pela sua terra, quando  disse das florestas, dos verdes campos, dos rios e dos pássaros, dessa terra coberta de arrozais, de lindas palmeiras e gigantescas arvores, da chuva que cai forte, do vento ululante e do cheiro maravilhoso da terra depois da tempestade - me confessou que antes de me ouvir “tinha vergonha de dizer na sua escola que era Guineense”; Pois da Guiné “só se ouvem coisas horríveis e vergonhosas na televisão”! Mas que a partir desse momento, “podiam dizer o que quisessem”, pois doravante ela jamais teria vergonha da sua terra).

 

Eu, como ela, jamais terei vergonha da minha Pátria, mas este passado recente me envergonha tanto como a ela. E embora não seja um “historiador” acho meu dever - porque não tenho outra Pátria e nem outro povo que não este - falar da sua história, dos seus feitos heróicos, na perspectiva prenunciadora de um novo grandioso porvir .

 

Aos terceiros digo que tudo a seu tempo. Quero que tenham paciência, em breve vou falar do presente, mas antes de falar do presente é fundamental falar do passado. Preciso de falar do meu povo, tenho o dever de falar do meu povo. Tenho que galvanizar a nossa juventude no amor ao seu povo e a sua nação. Tenho que interessar o meu povo num projecto único que se chama “Todos pela Nossa Nação”.

 

Eu não escrevo por escrever (até porque sei que é pela palavra e não pela escrita, que se convence um povo a fazer uma revolução) - eu tenho um propósito que não escondo. O meu propósito é simples, apenas mudar total e completamente o meu País. Eu quero uma revolução, uma revolução radical, tão radical que possível, nas mentalidades, na relação com o nosso povo e com a nossa terra. A minha weltanschauung só pode ser apreendida na vontade e desejo de fazer esta Nação grande e que seja respeitada de novo. Mas disso falarei mais tarde.

 

Neste momento a prioridade é que, independentemente de todas as desgraças, por fim tenhamos orgulho em ser filhos desta terra. Esta terra que quero que seja aquele local imaginado por Cabral, em “que haverá uma vida de felicidade”. Quero pertencer a esta Pátria “quando fizermos barragens (e) pontes”. Quero ter o orgulho de ser parte deste projecto de “mudar (emos) a paisagem geográfica da nossa terra”. Quero que todos nós pertençamos a esta terra no momento do surgimento de “uma geografia humana nova”. E onde haverá “uma vida” nova, numa pátria renascida “onde cada homem respeitará todos os homens”. Mas esta visão é apenas o inicio. Era o que Amílcar faria nos primeiros cinco/dez anos e nós precisamos partir deste ponto, para fazer o nosso trabalho, para que nenhum Guineense diga de novo “Quê ku nó fassi Deus?”. Para que nenhum Guineense tenha jamais vergonha de ser Guineense. Para que o nosso destino não seja cego, para que o nosso futuro seja feito por nós como homens e como povo.

 

Peço-vos portanto perseverança para vos falar hoje de Amílcar Cabral, do verdadeiro Amílcar, aquele que é sangue do nosso sangue e carne da nossa carne. Aquele que atravessou toda nossa existência - como Indivíduos, como Povo, e como Nação - qual um cometa brilhante consumindo energia e desaparecendo para sempre e deixando no rasto do seu brilho, esta escuridão permanente - que é a nossa existência - que há muito não conhece o dia.

 

Deixem-me vós falar dele, daquele que se não tivesse decidido ser um Revolucionário, nenhum de vós que estão a ler estas linhas, seria quem é ou estaria onde esta neste preciso momento. Todo o nosso universo, a nossa mundivisão, o nosso destino foi mudado por esse homem. Até os filhos que temos, temo-los porque Cabral viveu e trespassou as nossas almas de uma forma tão profunda que a sua marca ainda perdurara por muitos e muitos anos. Na verdade Amílcar determinou a nossa existência para todo o sempre. Não há nenhum Guineense que possa dizer hoje, que “é aquele que é” como ser humano, se não fosse o titânico combate revolucionário de Cabral.

 

Deixem-me falar daquele que fundou o Estado e o Princípio da Nossa Identidade como povo. E porque “fundar” uma Nacionalidade não é a mesma coisa que fundar uma empresa, partido ou associação, é algo de inconcebível para um “ser humano”. Pois quem funda uma Nacionalidade nunca o conhecera em seu curto humano tempo de vida. Quem funda uma Nacionalidade nunca o “sabe” aliais. Nem D. Afonso Henriques “soube” que fundou a Nacionalidade Portuguesa. E Cabral também não o soube, pois tratando-se do começo da sedimentação da nossa Identidade Colectiva, o Fundador, alem do instituidor é o omnipotente criador de algo intemporal e perene: é o próprio criador da alma do Povo e a incarnação do espírito da Nação.

 

Escutem pois, prometo ser breve:

 

 

 

 

I

 

“Essa luta (…) sejam quais as forem as formas que assume, reflecte a consciência ou a tomada de consciência de uma identidade própria, generaliza e consolida o sentimento de dignidade, reforçado pelo desenvolvimento da consciência política, e vai beber às culturas das massas populares em revolta uma das suas principais forças. ”

 

Amílcar Cabral

 

 

 A Proclamação do nosso estado em 1973, foi o “Grito de Ipiranga” dos Povos colonizados por Portugal e nós nem precisamos, como D. Pedro do Brasil, gritar “Independência ou Morte”, pois já haviam morrido tantos e tantos para essa Independência. Aqui se me é permitido, usaria a famosa frase de Winston Churchill para dizer que “nunca, tantos deveram tanto a tão poucos”; e não me refiro só ao meu povo.

 

 E os que morreram, felizmente, tiveram a morte mais gloriosa que um ser humano pode ter, que é morrer pela causa da liberdade e do bem do seu povo. Ou como escreveu com o seu sangue, o imortal Domingos Ramos: “… é assim a Luta de Libertação - camarada Cabral - uns têm que ficar pelo caminho…” Lembram? Lembrem-se disso na hora da vossa morte. Todos os dias as pessoas morem por um motivo ou outro. Mais vale morrer por algo perene em que se acredita do que morrer por morrer. Mais vale morrer por algo duradouro e transcendental como a nossa Pátria.

 

Esta “Nova Nação” só “apareceria em toda a sua plenitude” depois do 25 de Abril português, no término do processo da descolonização, que por sua vez, sem a gesta de Cabral, podia ainda não ter acontecido ou ocorrido de uma forma totalmente diferente, para pior.

 

Não posso dizer de ânimo leve que foi Amílcar que “libertou” Angola e Moçambique, apenas repetirei as palavras do insuspeito António Tomás, escritor Angolano, que analisando a obra do Homem, escreveu: “… mesmo para os Angolanos e Moçambicanos a Independência foi conquistada na Guiné.” E com a sua licença continuo esta frase, dizendo: “ …sem esquecer os Cabo-verdianos, São-tomenses e Timorenses”. O próprio povo português é devedor de Cabral, pois a sua liberdade também foi conquistada nas matas da Guiné. Pois a proclamação da independência da Guiné foi uma das principais razões para o desencadear da Revolução de Abril. Todos esses militares que lideraram a Revolução em Portugal eram oriundos da Guiné. Mas isto já faz parte da história; quem não aceita estas verdades como únicas é desonesto, moral e historicamente. 

 

Sem Amílcar, poderíamos ter hoje em Angola uma espécie de Brasil tropical, Moçambique como estado associado a África de Sul (uma África do Sul diferente deste de Mandela); Cabo Verde e S. Tomé e Príncipe, como mais uma Madeira e Açores no Atlântico Português, isto entre várias hipotéticas hipóteses. Aceito que mesmo que Cabral não tivesse existido, um dia, poderia haver a libertação do conjunto dos outros povos das colónias Portuguesas. Mas não seria da mesma forma; seria num noutro tempo e contexto. Pois eles libertaram-se naquela altura, dessa maneira, porque Amílcar existiu tanto para nós como para eles. Graças a Cabral muita gente, ainda esta viva neste planeta, sem saber que o seu destino (e dos seus filhos, já agora) seria totalmente outro, não fosse ele. Centenas de portugueses, angolanos, moçambicanos e filhos de outros povos foram poupados da morte certa na Guerra Colonial, porque a Luta de Amílcar Cabral na Guine despoletou a Revolução Portuguesa que permitiu a descolonização. Ou como diz António Tomás “… não tivesse Amílcar Cabral minado internacionalmente as bases da presença portuguesa em África e não tivessem seus seguidores proclamado a independência e negociado o seu reconhecimento, que abriu um precedente que conduziria independência de todas as outras colónias”. É esta a verdade do nosso povo, a verdade verdadeira, que não pode e nem deve ser escamoteada.

 

Graças a essa “Luta gloriosa” que conduziu, diz-se, com razão, que a dimensão de Cabral ultrapassava a grandeza da Guiné. Eu diria que ultrapassava as “fronteiras naturais” da Guiné, mas não as fronteiras morais e heróicas do povo da Guiné de então. Mas se não podemos, nem devemos, diminuir a dimensão de Cabral, chegou então a hora de engrandecer a Guiné até que a dimensão dela seja “igual” a Amílcar Lopes Cabral. E isso só será possível finalmente no dia em que o nosso povo esteja preparado para construir uma nova sociedade, baseado em valores normais que todos os povos almejam e realizam. Por isso a sobrevivência e fortalecimento desta Nação – legado de Cabral - que agora nos foi entregue exangue, dorida e vazia, deve ser o objectivo “primeiro” a que comparativamente, todo o resto é secundário

 

E Sendo Amílcar Cabral, no fundo, resultado do refinamento deste povo, a sua prática consequente, a sua energia, coragem e dedicação a este povo, o elevaram a uma excelência tal, que até a sua trágica morte e de centenas de outros, militantes, homens e mulheres que deram a sua vida, acabaram servindo a este propósito, o propósito da fundação desta Nação. De outra forma nada seria possível. Foi o preço…  justo ou injusto.

 

Este verdadeiro “Filho da Guiné”, nosso compatriota, que teve a ousadia de por em causa cinco séculos de dominação portuguesa no mundo, me enche de orgulho e admiração. Pois é preciso ter uma força interior imensa para por em causa – nesse tempo, com a educação, formação e cultura que tinha - toda história de Portugal, tal como ela era contada há séculos. Só o facto de pensar fazer isso, já era por si só, algo de extraordinário.

O próprio Camões e toda a ideologia do Estado Novo foram afrontados. Teve a coragem, sapiência, método e ciência suficientes para por em causa, a partir da sua própria novíssima concepção do mundo, toda uma weltanschauung Lusitana, que vinha dos tempos imemoriais de D. Afonso Henriques.

 

Léopold Sédar Senghor (nosso amigo/inimigo) disse uma vez que “os Guineenses não foram conquistados mas pacificados”. A ser verdade, esta afirmação, então foram precisos cem anos para isso: desde a “Guerra de Bissau” em 1844, até a “campanha de Canhabaque”, em 1935-36. Mas a afirmação é incorrecta. Não fomos nem conquistados, nem “pacificados”. Apenas, depois de 100 anos de Guerras ininterruptas - que cada tribo fazia sozinha ou aliada momentaneamente a uma outra - o nosso povo, no seu todo, e cada tribo a sua maneira, ansiava por uma liderança mais esclarecida. O povo “adormecido”, não pacificado, “esperava” por alguém, pelo líder providencial, que iria segurar o gládio da nação e encabeçar a “Ultima Guerra”, a definitiva. A guerra de todas as guerras, a guerra que faria de nós um povo único. Um povo chamado Guineense.

 

E este “Filho de Bafata”, o verdadeiro prossecutor de Honório Barreto e da “Guinendade”, surgiu, como um raio de sol na nossa tenebrosa existência, para acordar os Guineenses do seu “letárgico sono histórico”, cinquenta anos depois da “Guerra de Pacificação”: veio para lhes dizer que era possível; era possível sonharem de novo e recuperarem a sua “Guinendade” na dignidade da Luta.

 

Essa “Guinendade”, adormecida há séculos no coração dos Guineenses, foi “sacudida” por este homem simples - corajoso até a insanidade, nascido numa minúscula localidade, perdida nos ermos da também perdida colónia da Guiné, do seu tempo - que “jurou a si próprio” que tinha que dar “a sua própria vida, energia, coragem e capacidade até a hora da morte ao serviço do seu povo”.

 

E na dignidade da Luta de Libertação – que já não era uma luta de tribos contra o opressor, mas uma luta do povo, pelo povo e para o povo - o nosso povo atingiu o momento mais alto da nossa “Guinendade”.

 

Esse momento “mais alto” foi conseguido por Cabral (com o seu heroísmo, sua filosofia e crença infinita de estar a fazer o que estava certo) de um lado e do outro o Povo Guineense (procurando a sua dignidade perdida, com o sua coragem, sacrifício, sua carne e sangue). Juntos, Amílcar e o seu povo alcançaram esta nobre aspiração. Por isso, em verdade vos digo: Desde os tempos de Honório Barreto, a Luta de Libertação Nacional, foi a ocasião mais heróica da nossa “Guinendade”.

 

 

 

 

II

 

“… Onde haverá uma vida de felicidade, uma vida onde cada homem respeitará todos os homens, onde a disciplina não será imposta, onde não faltará o trabalho a ninguém, onde os salários serão justos, onde cada um terá o direito a tudo o que o homem construiu, criou, para a felicidade dos homens…”.

 

Amílcar Cabral

 

 

 

A frase em cima é a síntese mais acabada da visão de Cabral. Aquilo que ele queria que a Guiné fosse se Deus lhe tivesse dado tempo. Se não tivesse havido traidores… Se Deus lhe tivesse permitido viver o suficiente para construir a Guiné do Futuro com que sonhava para o bem de todos nós. A terra de leite e mel. De ouro e prata. De rios cristalinos e florestas imensas. A “terra prometida”, por fim, pela qual lutamos centenas de anos. O “Chão Sagrado” do nosso povo, pela qual deram a vida na flor da idade milhares de seus filhos.

Essa Visão extraordinária pela sua concepção e grandiosa pela sua justeza seria o resultado último da Luta de Libertação, pois de outro modo, “de que valeria a pena lutar?”.

 

 Ou como diz o escritor Angolano já referido: “o que me chocou na Guiné foi sobretudo a desproporção entre o destino que Amílcar colocou sobre os ombros do seu povo e a situação que hoje se vive”. Não, Sr. Escritor; Amílcar não colocou o destino nos ombros do seu povo. O povo é que colocou o seu destino nos ombros de Amílcar. E ele não soçobrou: os companheiros é que não aguentaram tamanha visão. Eles jamais poderiam construir uma terra Onde haverá uma vida de felicidade, uma vida onde cada homem respeitará todos os homens. Estavam mais preocupados com o poder pessoal ou do Partido, esqueceram do mais importante, esqueceram que o que interessa verdadeiramente é a nação. Uma nação em que onde não faltará o trabalho a ninguém, onde os salários serão justos, onde cada um terá o direito a tudo o que o homem construiu, criou, para a felicidade dos homens…”.

 

 Homens comuns não conseguem carregar tamanha Visão e muito menos materializa-la. Por isso as teorias de Cabral não conseguiram vincar. Não havia Homem.

 

Por isso e por mais ainda, Amílcar não teve herdeiros, apenas imitadores (alguns sérios) baratos que repetiam como papagaios, as suas máximas. Na verdade ninguém na Luta estava preparado ou tinha capacidade para segurar a tocha quando este escapou das mãos moribundas de Cabral (e como não foram capazes, alguns denegriram o seu nome depois).

E quando chegaram - e não se esqueçam: chegaram como heróis de todo o povo - fizeram exactamente aquilo que Cabral lhes disse para não fazer, quando ele alertava para o facto de que em “alguns estados africanos independentes conservaram as estruturas do Estado colonial. Em alguns países, apenas se substituiu o homem branco pelo homem negro, mas para o povo tudo ficou na mesma.” No nosso caso foi pior; nada ficou na mesma; tudo piorou (mas disso falarei noutra altura).

 

Esta visão era grandiosa de mais para os espíritos débeis que herdaram o ceptro de Amílcar. Era superior ao seu entendimento e capacidade de materialização. A visão era gigantesca, por isso só existiu enquanto o seu criador viveu. Não poderia sobreviver ao seu criador.

 

Ele sabia (e sentia-o mais ainda) que era capaz de realizar a sua visão. Tivesse apenas tempo. Ele sabia, com orgulho, que embora sendo de ascendência cabo-verdiana - ou talvez por isso mesmo - conseguiu o que nenhum outro Guineense conseguiu em mais de 400 anos: Unir Fulas e Mandingas, Balantas e Papeis, Mandjacos, Felupes, Bijagós, Mancanhes, Nalus e restantes tribos numa luta titânica, tão difícil quanto glorioso, de forma continuada, durante longos 12 anos ou mais. Sabia que se conseguiu isso, então ele podia conseguir tudo; também podia construir a sua Pátria segundo a sua imortal visão.

 

Por exemplo, a questão central da sua teoria e prática, a Unidade Guiné e Cabo Verde, baseado numa quimera, embora nobre, estava assente totalmente na cabeça e nos ombros de um só homem, ele mesmo. Essa utopia de facto era bem real para Cabral, que o idealizava no seu pensamento e acção. Uma vez, sobre isso ele disse: … quando fizermos barragens, pontes, etc., mudaremos a paisagem geográfica da nossa terra, vamos fazer uma geografia humana nova (…) Quando transformarmos os ilhéus dos Bijagós completamente (…), quando fizermos de Cabo Verde um centro magnífico para o turismo mundial (…). Os barcos, que passam agora ao largo, passarão a parar lá.

 

Mas aqui é que uma contradição inabalável susteve no tempo que decore entre a teoria e a prática, algo que vou tentar aclarar: Embora sendo um indivíduo multifacetado, com uma coragem imensa e uma fé inabalável nas suas próprias capacidades e nas do seu povo, não poderia realizar o irrealizável pela simples razão de que quando a Ideia e o Líder se consubstanciam num só individuo, um não pode existir sem o outro: Amílcar era a própria Ideia. Cabral era o próprio “Homem novo” que tanto quis criar para que esta nação seja forte, não apenas economicamente, mas também pela qualidade do seu povo, que despido de vestes tribais, construiria esta Nação. Pois o “Homem Novo”, não tem tribo, nem etnia, apenas tem a sua Pátria.

 

A Ideia, a visão, a ideologia eram Cabral. E com a morte dele, Ideia esmorece… A visão turva-se e a ideologia degenera…

 

Amílcar Cabral era igual ao outro Amílcar (o Barca, pai do Aníbal Barca, o Cartaginense que foi o maior terror de Roma em toda a sua milenária história), que lhe deu o nome. Aquele que segundo reza a história “superou a todos os Cartagineses da sua época tanto em capacidade militar e diplomacia como em patriotismo”. Também ele superou todos os Guineenses da sua época tanto em capacidade militar e diplomacia como em patriotismo. Mas nem mesmo Amílcar Barca era tão multifacetado como Amílcar Cabral. Que alem de General, era um ideólogo, alem de ideólogo era o demiurgo em vida da sua nação e fazedor de milagre de criar de uma cultura de resistência secular, todo um povo e encaminha-lo na senda do progresso.

 

Amílcar, era um exército completo, assente em duas pernas. Era ao mesmo tempo, o Ideólogo, o Chefe Politico e Militar do seu Movimento. Coisa rara num dirigente. Conseguiu organizar o Partido politicamente, implanta-lo no terreno, mobilizando todas as tribos e “governando” essa estranha nova sociedade chamada Zonas Libertadas, como um competente Primeiro-Ministro. Criou infra-estruturas como escolas, postos sanitários, rede de armazéns de alimentos, mandou permanentemente jovens ir estudar fora do País (primeiros engenheiros, aviadores, médicos, etc. do nosso povo em 500 anos de colonialismo, foram um dos feitos mais lindos de Cabral. Feito quanto mais importante, porque eram filhos humildes deste povo, saídos do fundo das suas tribos, armados com a nova cultura nacional, para irem lá fora estudar e formarem-se como Guineenses. Estes revolucionários embriões do “Homem Novo” nunca foram utilizados de verdade na construção da Pátria.

 

Sem esquecer, que ao mesmo tempo, como já disse, era também um General talentoso, que conduzia a guerra com todas as suas consequências. Traçando estratégias, promovendo (e despromovendo) militares, nomeando comandantes, mandando fuzilar os traidores e os que humilhavam o nosso povo… Em suma era o Chefe de Guerra (Comandante Supremo de Exercito, Marinha e Aviação) incontestado.

 

E no meio disto tudo era o melhor Ministro dos Negócios Estrangeiros que a Guiné teve até hoje. O melhor diplomata Africano do seu tempo. Que representava a nível internacional, não só a Guine, como todas as colónias portuguesas.

 

De facto era insubstituível, e sabia-o, por isso, para afugentar os maus presságios, sempre disse que ninguém o era. As vezes dizia que se viesse a morrer e por isso a luta não continuar até a vitória final, era porque não tinha feito nada. Pois bem, a luta continuou, conseguiu-se a Independência Política, mas isso mesmo sem a Luta, como alguém disse, outros também conseguiram. Mas o resto? O Sonho? A Visão de Cabral? A Ideia? A Nação ? aquela Nação “… Onde haverá uma vida de felicidade, uma vida onde cada homem respeitará todos os homens, onde a disciplina não será imposta, onde não faltará o trabalho a ninguém, onde os salários serão justos, onde cada um terá o direito a tudo o que o homem construiu, criou, para a felicidade dos homens…”? Onde? Quando?

 

 

 

 

III

 

"...jurei a mim mesmo que tenho que dar a minha vida, toda a minha energia, toda a minha coragem, toda a capacidade que posso ter como homem, até ao dia em que morrer, ao serviço do meu povo (...) "

 

Amílcar Cabral – 1969

 

 

 

O “Juramento de Amílcar” parece hoje um lugar-comum, de tanto ser debatida e analisada. A vez parece quase natural atendendo a grandeza de quem a proferiu. Mas não, meus compatriotas, estas palavras não foram ditas por dizer. Este juramento não foi “feito” aos amigos, companheiros, irmãos, mulher ou filhos. Tamanho juramento, pela sua profundidade e alcance, não pode ser feito a ninguém em particular. Só pode ser feito a Deus Todo-Poderoso (que é o único que nos pode julgar um dia) e através deste, ao nosso próprio povo, ao seu povo, o “beneficiário” e dono do altar da imolação, se ele viesse a falhar e não cumprir.

 

O Juramento de Cabral em si, por si só, é um hino ao nosso povo. Um canto a centenas de Guineenses anónimos, homens e mulheres, velhos, jovens e crianças, pretos, brancos e vermelhos, que juntamente com ele, durante e depois da Luta, como Jesus Cristo, beberam o seu amargo cálice até o fim, cumprindo um destino cego que nunca nos deu tréguas. Nem como homens, nem como povo. Estes heróis, embora não tenham Jurado, cumpriram o Juramento de Cabral.

Que as suas mortes não sejam em vão. Que o seu precioso sangue derramado adube de esperança a este chão; e que o seu significado, imperecível, dentro de nós seja a indicação da mística porta de entrada no santuário da construção da Nação. Esta Nação que ainda esta para vir. Esta Nação que há quarenta anos espera a sua hora.

 

O Juramento foi solitário mas o seu cumprimento foi comum. Foi esta a “arca da aliança” entre Cabral e os Guineenses

 

 

 Quando há um contracto, os dois lados têm que cumprir a sua parte. Temos que acreditar intrinsecamente no nosso povo para confiar que ele cumpriria a sua parte do contracto até ao fim, pois Cabral sabia que da parte dele não haveria nada a temer. Ele nunca trairia o Juramento. Ele nunca abandonaria o seu povo. É isso que muita gente ainda não entendeu neste Juramento. E por isso o escritor A. Tomás não “entendia” e achou desproporcional “… o destino que Amílcar colocou sobre os ombros do seu povo (…). Amílcar apenas confiava no seu povo e estava disposto a morrer por ele, em qualquer altura.

 

Ao mesmo tempo, este Juramento - "...jurei a mim mesmo que tenho que dar a minha vida, toda a minha energia, toda a minha coragem, toda a capacidade que posso ter como homem, até ao dia em que morrer, ao serviço do meu povo... " - é todo um programa de vida, um contracto com o povo, irreversível, sem divórcio possível, que o amarava inseparavelmente aos destinos deste povo; Para o bem e para o mal, na fome e na fartura, na doença e na saúde, no mato e na cidade, no combate e na paz, “até que a morte nos separe”. E neste particular, a segunda parte do perene juramento do “Engenheiro” cumpriu-se na íntegra, pois a sua convicção profunda de que “… se preciso for, morrer ao serviço da causa da humanidade, para dar a minha contribuição, na medida do possível, para a vida do homem se tornar melhor”, define o carácter e a grandeza deste Senhor. Mas demonstra também que só quem ama e confia no seu povo de uma forma “total” e cega pode fazer tal juramento.

 

E como este Juramento é feito na “prática”? Primeiro no fundo do nosso coração tomamos a consciência que “amar o nosso povo não é uma escolha, mas uma decisão”. Uma decisão que quase sempre acarreta para quem o tomou sofrimentos enormes e muitas vezes a morte.

Jesus Cristo - Filho Unigénito de Deus - amou ao seu povo (os homens) “mais” do que ao seu próprio Pai Celeste; por isso na derradeira hora, pregado na cruz, metamorfoseado de Filho de Deus a simples mortal, ao perguntar ao Seu Pai, porque é que este lhe tinha abandonado, já Sabia a resposta, que não teve. Era o seu destino – que Ele próprio escolhera - morrer na cruz para salvar o seu Povo.

 

Amílcar Cabral, pela idade que já tinha - e pelo seu carácter - não esperava vir a gozar de alguma riqueza ou regalias materiais (que não poderia ter tido normalmente, se não fizesse a Luta), depois da Independência. Alem de que ele já era engenheiro quando 90 % do povo Português era analfabeto. Portanto em todo o Império Português (de Angola a Guiné, passando por Portugal continental, Cabo verde e Moçambique), podia ter às regalias que quisesse. E tranquilamente viver a sua vida, criar seus filhos e ser um homem muito feliz e rico. Mas nada disso exerceu nele alguma influência, diante do amor incomensurável que tinha pelo seu povo e terra que o viu nascer.

 

A bocado falei do seu carácter, porque foi o que determinou a sua morte. Na altura em todas as altas esferas Portuguesas havia uma verdade que todos sabiam e com que todos concordavam: “Cabral não pode ser comprado. Pelo seu carácter é incorruptível. A única saída é mata-lo”.

 

Cabral sabia isso perfeitamente, com uma rara clarividência só dada a alguns homens.

Compreendia, ainda, que se voltasse vivo da Luta, isso seria apenas sorte, um acaso, desses que a História geralmente nunca sabe explicar.

 

Entendia profundamente, que libertar um povo, proclamar um estado, humilhar um império com 800 anos de história, tinha que ter um preço. E que esse preço não seria pequeno.

 

Intuía, que a sua gesta maior, o amalgamar um território e uma população e deles fazer uma novíssima Nação no Planeta, era de certa forma realizar obra de Deus.

 

Portanto tinha que haver um “Cordeiro Maior” para ser sacrificado no altar dessa Nação.

Sabia que de todos os outros “cordeiros” que iam sendo “sacrificados” no decorrer dessa Luta titânica, eram apenas “Galinhas” e “Cabras” daquele “TCHUR” final, que estava para vir.

Conhecia o que o nosso povo desde os tempos imemoriais diz sobre isso: “Tchur ku bu sibi kuma bu na leba baca…. Kê di carga galinha…“.

 

Amílcar sabia no fundo que ele é que era “Baca de ki tchur”, só a hora é que ainda não tinha soado. Porque “Baca mas garandi ta matado na último fim…”. Estava determinado pelas estrelas que ele seria o “Cordeiro Maior” pelo qual os espíritos dos nossos ancestrais estavam a espera em cada baloba” do nosso povo. “Casa nobo ta darmado”. E a Nação nova?

 

Amílcar foi num só homem, o Abraão e Isaac do seu povo. Estava disposto a ser o cordeiro imolado (Isaac), mas ao mesmo tempo tinha o poder de Abraão para decidir se haveria o sacrifício por imolação ou não.

Abraão poderia recusar sacrificar seu filho, mas amava mais ao seu Deus que a este, por isso resolveu sacrifica-lo no altar de Deus de Israel. Para provar a sua entrega total. Pois a quem entrega o próprio filho, não se pode pedir mais.

 

Se Amílcar tivesse decidido viver, viveria, mas amava mais ao seu povo que a ele próprio (e aos seus filhos) e resolveu sacrificar-se a si próprio; mas não como Isaac, cordeiro manso, já amarado, que não tinha direito a opinião na discussão - entre Deus e seu pai Abraão -, que só podia escutar calado.

 

Cabral tinha opinião nesta discussão. Se tivesse querido não haveria mesmo a discussão. Pois ele teve sinais que prenunciavam a sua morte. Para outra pessoa que não Cabral, o assassinato de Awa Câmara, nos dias anteriores imediatos, seria um sério aviso para se proteger. Mas Cabral não podia acreditar que o trabalho que realizou durante doze longos anos não dera frutos. Não podia acreditar - isso não entrava na sua cabeça - que militantes do partido “os melhores filhos do nosso povo” como ele disse, seria capazes de mata-lo.

 

E se no fim Amílcar Cabral resolveu sacrificar-se, não foi como Isaac que sobreviveu pela infinita misericórdia de Deus, mas como o próprio Filho Unigénito de Deus, que não teve a misericórdia do Próprio Pai. Mas como dizia S. Tomas de Aquino “os desígnios de Deus são insondáveis”.

 

E qual “Cordeiro de Deus”, na derradeira hora, derrubado no chão - transformado de Chefe Máximo do movimento a simples homem, um mortal, como nós -, nos pés dos seus algozes, os perguntou: “Porque fazem isto, camaradas?” Ele também, como o Outro, já sabia a resposta que não teve: Era o seu destino – que ele próprio escolhera - morrer nas matas da Guiné para libertar e salvar o seu Povo.

 

Hoje, depois de tantos anos, quando analiso todo este drama, este “fim dos tempos” em que os Guineenses eram dignos, o que me consola e mitiga o meu ódio pelos traidores do nosso povo, é saber que mesmo perante a morte ele não se abateu e nem se acovardou. Não implorou pela vida, mesmo depois de trespassado pelas balas. E fiel a si próprio, intelectual corajoso, revolucionário lúcido, preocupado com a sua obra, mais do que com a sua vida, apenas disse “que estava disposto a discutir qualquer divergência…”, no seu gabinete (Gabinete do Secretário Geral).

 

Nesse instante eterno, em que a vida se escapava do seu corpo pelos orifícios das balas, ele percebeu que quem estava a ser morto não era ele (o Engenheiro Amílcar), era o Secretário-geral do Partido do Povo, que ele, como qualquer militante, tinha o dever de proteger, não o deixando morrer em plena rua e num acto vil de traição perpetrado por outros militantes. Sabia que se permitisse  isso os danos seriam enormes para os povo… E foram, mas ele já não estava entre nós, para os conter…

 

E assim o Primeiro Soldado da Nação tombou… E na morte tornou-se imortal (kil ku ka ta muri) e foi juntar-se, nas florestas sagradas do nosso povo, no nosso canto do paraíso, onde estão os nossos antepassados, aos imortais heróis de Djufunco, aos guerreiros fulas de Alfa Iaia, os guerreiros mandingas de Infali Sonco, aos guerreiros balantas de Nhacra, aos guerreiros manjacos de Caió, aos guerreiros beafadas de Djabada, ao Rei N`Dongo, ao régulo Bopomcolo, ao régulo de Intim, a Rainha Okinka Pampa, ao Honório Barreto, ao Mussa Molo e Unfali Soncó, ao Régulo de Suzana, ao Domingos Ramos e a todos os nossos heróis e mártires de todas as nossas Guerras.

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E na hora da sua entrada triunfal no Olimpo dos Deuses Africanos -, num tempo mitológico - “fomos” uma Entidade, baseado numa cultura comum, que foi o corolário da sua obra e o seu legado, feito comum, de todos os povos da Guine.

 

E em verdade vos digo, de novo: Amílcar fez de nós “Guineenses”.

 

 

 

 

IV

 

“Se nós, amanhã, trairmos os interesses dos nossos povos, não será porque não o soubéssemos, será porque quisemos trair e não teremos então qualquer desculpa”.

 

Amílcar Cabral

 

 

Como já disse, a questão neste momento, não é de falar do passado, mas de analisar, compreender e mudar este presente ignominioso. Por isso tudo isto que eu digo é apenas para termos a noção que um dia tivemos o “homem certo” e o desperdiçamos. Urge encontrar de novo o Soldado da Nação, pois temos que ir “pegar” a Nação, de novo, ali onde ficou, esquecida a tantos anos, naquela esquina sangrenta da história, onde Cabral o deixou, assassinado pelos seus e começar tudo de novo. Urge um novo recomeço, meus compatriotas

 

Este “Filho do nosso Povo”, a Espada da Nação, através do qual o nosso povo realizou pela primeira vez a Guinendade, demonstrou-nos, a nós Guineenses, que não importa onde nascemos, não importa a nossa proveniência social, não importa a nossa formação, o que importa é o carácter e o amor que dedicamos ao nosso povo. O que importa é querer fazer algo pela nossa pátria.

 

Com este realizador da Guinendade (o verdadeiro prossecutor de Honório Barreto), a nossa terra, foi conhecida no mundo inteiro e pela primeira vez a Guiné falou nas Nações Unidas e no Vaticano, nos “Reinos-das-Europas”, nas “Repúblicas-da-Terra” e nas “Cinco-Partidas-do-Mundo”. Ele acordou-nos do nosso sono histórico e nos provou que quando existe determinação e coragem tudo é possível.

 

Como o Filho de Deus, que com a sua morte na Cruz, transformou um pequeno grupo de seguidores na maior Igreja do mundo, a morte de Amílcar serviu a causa da liberdade dos Guineenses e do ser humano em geral. Deixou a sua marca, o seu tijolo, no edifício humano.

 

E se um dia, num lugar impossível, no Julgamento Divino do nosso Povo, Deus perguntar-nos: Povo Guineense o que fizeram de bom durante todos estes séculos que viveram nesta terra? Não precisaríamos nem falar, com a mão esquerda entregaríamos o texto do juramento e com a mão direita apontaríamos os nossos indicadores para o fim da fila. E lá no fim, estaria um homem, de “sumbea” na cabeça, procurando pelo seu povo.

 

Na morte Cabral tornou-se imortal. Mas se vivesses ? Se tivesse sobrevivido a Luta ? Qual viria a ser a sua morte ? Na verdade, os desígnios de Deus são intangíveis, mas um homem de envergadura de Amílcar Cabral, não poderia morrer, calmamente deitado no seu leito, rodeado de netos como um “pequeno burguês”. Não seria “justo” num certo sentido histórico. Ele na verdade era um “Revolucionário” no sentido mais positivo do termo. E um Revolucionário nunca se reforma. A luta é a sua existência. Para entenderem do que falo, vou-vos contar uma pequena história:

 

Antes de partir para a Guerra da Tróia Aquiles (o maior dos guerreiros do Panteão dos heróis da mitologia grega) consultou um Oráculo que lhe disse que o seu destino tinha dois caminhos:

O primeiro era da tranquilidade e “felicidade” que todo o ser humano almeja. Unir-se a uma princesa, formar família, criar filhos e um dia morrer em paz rodeado de netos e inevitavelmente ser esquecido depois de o último neto deixar de existir.

 

O segundo caminho era o do sacrifício e heroísmo: iria para a guerra, lutaria como só os bravos ousam. No fim morreria por aquilo que acreditava e achava justo e em contrapartida seria lembrado por 1000 anos. Aquiles escolheu o caminho mais difícil e foi para a Guerra. Morreu como um herói. E hoje, volvidos 3000 anos, ainda lembramos dele, seja nas escolas, nos livros, peças de teatro, filmes e até nestas humildes paginas…

 

Nestas despretensiosas páginas lembro-vos de Aquiles e de Amílcar para vós dizer que nas nossas vidas temos que ter a coragem de fazer escolhas difíceis em nome de um desígnio maior. E em verdade vos digo, quem apenas pensa em construir uma casa e criar filhos, nunca será um patriota de verdade e muito menos um construtor da Nação e nunca será lembrado para além dos netos...

 

Sim, Jovens, saibam que houve um tempo - um tempo que deve regressar -, que ser Guineense era motivo de orgulho e satisfação. E exorto-vos para que como o transcendente Domingos Badinca, “entregarem o vosso corpo, no início, no meio e no fim”. Para serem fortes o suficiente para aguentarem todas as canseiras e dificuldades e se preciso for “conhecerem a dor”, para demonstrarem a vossa dignidade “pa nô pudi kabanta” e para que um dia também, como disse o jovem imortal José Carlos Schwarz “nó odja nô labur”. E saibam que “Nó Labur” é a nossa Nação. A nossa “Guinendade”. A nossa Dignidade.

Dignidade conquistada com sangue de centena de jovens iguais a vocês.

 

Aquele tempo foi o tempo dos lutadores. Este deve ser o tempo dos construtores. Mas se for preciso, pela nossa “Guinendade” (pela nossa dignidade, conquistada com o sangue), devem morrer por isso. E em verdade vós digo, não há melhor morte. Pois, socorrendo-me do Churchill outra vez, “mais vale morrer por algo do que viver por nada”. Lembrem-se disto quando chegar a hora de darem o vosso contributo.

 

 

Atenciosamente

 

Arq. FERNANDO J. P. TEIXEIRA

 

 * Licenciado em Arquitectura (Rússia 1991). Pós graduado em Urbanismo (ISCTE)

 


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