ÁFRICA: DISTINGUIR ENTRE A AJUDA E A COOPERAÇÃO
UMA ANÁLISE A PROPÓSITO DA III CIMEIRA DO FÓRUM DE COOPERAÇÃO CHINA-ÁFRICA
Por: Fernando Casimiro (Didinho)
12.11.2006
"O desenvolvimento das nossas relações de amizade e cooperação está de acordo com os princípios internacionais de promoção da democracia e do multilateralismo nas relações internacionais" Hu Jintao Presidente da China na leitura da declaração conjunta da III Cimeira do Fórum China-África |
Ajuda
África, uma eterna tentação, sustentada por uma infinidade de interesses nos interesses que o continente desperta a quem desperta.
Que a riqueza dos seus recursos naturais, nas suas várias formas, é o cartão de visita para o factor determinante dos interesses despertados, por mais que se tente disfarçar, a evidência a isso nos leva a concluir.
De entre vários modelos ensaiados, estruturados e apelidados, após o fim da colonização, África continua sem saber em que direcção seguir, visto andar sempre a reboque das ajudas prometidas em nome do desenvolvimento, mas que, serviram quase sempre os interesses pessoais dos seus governantes, numa visão realista, fomentando a corrupção e a apetência pelo poder.
Não tem havido de África, uma definição objectiva de prioridades na valorização das ajudas recebidas, mesmo tendo em conta que uma ajuda implica sempre uma contrapartida por mais insignificante que possa parecer, e que do muito que África tem recebido sem proveito para os povos africanos, a insignificante (que possa parecer) contrapartida recebida, por quem ajuda, tem sido de um aproveitamento até ao "tutano".
Tem-se visto que África não está preparada para tirar proveitos de relações de compromisso baseadas no conceito de ajuda para o desenvolvimento.
Uma ineficácia atribuída fundamentalmente à postura das governações africanas, maioritariamente caracterizadas por regimes ditatoriais, que se refugiam na não ingerência nos assuntos internos de cada país, para ditarem as regras dos relacionamentos em que as ajudas se inserem.
Vários projectos passaram a ser estrategicamente contemplados às ONGs, de forma a permitirem uma maior fiabilidade nas suas execuções, e, por assim dizer, no sucesso dos seus propósitos, de servirem as populações africanas.
As ajudas devem continuar a ser facultadas aos países africanos, no interesse das suas populações, mas, há que rever os modelos existentes, até porque, uma ajuda não se enquadra num propósito de negócio, mas, sobretudo num contexto social de desenvolvimento em que o factor humano é a referência de base para a meta do desenvolvimento.
Sem ter em consideração esta referência, os governos africanos habituaram-se às ajudas e habituaram as populações africanas a viverem do que as ajudas vão dando, do pouco que se distribui às populações.
Hoje, em África, é triste a realidade dos campos férteis em que não se cultiva porque se está à espera que chegue arroz, milho, feijão etc. como ajuda da Europa, da América etc.
As ajudas criaram um efeito de dependência crónica no continente e, abriram as portas da tal insignificante (que possa parecer) contrapartida que fiz referência, neste caso, ao permitir que as exportações europeias, americanas, asiáticas etc. entrassem no continente na base da suposta excelência de relacionamento fomentado pelas ajudas concedidas a África.
As ajudas ao longo de tantos anos, não foram capazes de viabilizar o essencial das potencialidades de África, ou seja, as suas populações, no que à sua educação e formação diz respeito.
Se hoje, apesar das suas riquezas naturais, África é considerado o continente mais pobre, é claro que, se está a referir à base de sustentação de qualquer riqueza: os recursos humanos!
Sem uma política concertada e dinâmica nesta matéria, nenhuma ajuda terá efeitos práticos em benefício das populações africanas e, por assim dizer, do próprio continente africano.
Cooperação
Se na questão das ajudas se continua a dissimular as estratégias dos interesses, já no âmbito da cooperação há uma clarividência que define e sustenta o conceito de cooperação - colaboração mútua, em comum.
Ora, será a cooperação referenciada nas cimeiras entre África e seus parceiros, uma realidade prática da designação teórica do termo, ou será a extensão variável da concepção teórica das ajudas com que África tem sido brindada?
Tomando como base para esta questão a declaração da III Cimeira do Fórum China-África, e entre o optimismo das propostas e a realidade dos factos, penso que África também não está preparada para viabilizar a sua participação, em comunhão, ainda que na definição da parte que lhe cabe, que infelizmente nunca é dada a conhecer, visto nunca ser África a propor o que quer que seja.
Um dos aspectos importantes deste Fórum China-África, senão o mais importante tem a ver precisamente com uma contradição extrema naquilo que a realidade dos factos demonstra como estando em falta na essência da cooperação: a discussão e o debate fomentados por argumentos de salvaguarda de interesses comuns e não na aceitação incondicional das propostas do investidor, China, numa relação tida como " De amizade e cooperação e de acordo com os princípios internacionais de promoção da democracia e do multilateralismo nas relações internacionais", segundo as palavras do Presidente chinês.
A China tem feito o seu percurso, tem subido os degraus do seu projecto de desenvolvimento, cometendo e corrigindo os seus erros. A China tem arriscado e assumido os custos desses riscos numa perspectiva mais económica do que social, é certo, mas numa base estruturada e definida em função das necessidades do presente, mas, sobretudo em consideração pelo futuro.
Tive a oportunidade de visitar a China em 1986, sendo que, anteriormente, em 1984, tinha visitado Taiwan.
A comparação entre uma e outra China não se fez esperar, sendo que uma das principais diferenças assentava e assenta na interpretação dos órgãos de poder quer de uma quer de outra China, em relação às liberdades e direitos dos cidadãos.
Taiwan foi uma agradável surpresa para mim, pelas razões acima referidas, mas também pela sua abertura ao ocidente, o que proporcionava uma relação aberta entre as suas populações e os estrangeiros. Demonstrava já na altura um enorme potencial económico.
A República Popular da China, em contrapartida, desiludiu-me!
Desiludiu-me porque habituara a pensar, na minha juventude, que a República Popular da China era um colosso, habituei-me a ver os filmes chineses, as exposições chinesas e à convivência durante os treinos de basquetebol, com o treinador chinês que estava em Bissau ao abrigo de um acordo de cooperação (?) com a China a nível desportivo e que abrangia igualmente a disciplina de voleibol, isto, nos finais da década de 70.
Igual acordo de cooperação tinha sido feito com a Coreia do Norte, nas áreas de judo, futebol, ginástica massiva e karaté.
Como dizia, a República Popular da China desiludiu-me, visto ter encontrado um país fechado numa timidez característica das ditaduras.
Desiludiu-me ter encontrado um país que ao exterior mostrava imagens lindas acompanhadas com o sorriso de um povo aparentemente alegre, quando na realidade não foi o que vi na China que visitei em 1986.
Desiludiu-me constatar que a China que enviava arroz como oferta para o povo da Guiné-Bissau, não tinha arroz suficiente para as suas próprias populações e muitas das ofertas eram produções da Tailândia encomendadas e pagas pela China!
Vi mulheres chinesas nos "becos" esquinas, tal como na minha Guiné, a venderem "mancarra" amendoim, em pequenos cestos e à caneca, fazendo pela vida dura do dia-a-dia...
Vi chineses, eles e elas, trajados a rigor de um uniforme supostamente idealizado como o traje permitido e extensivo a toda a população.
A par disso, sabia que a China prosseguia os seus esforços para a modernização e, talvez por isso, resolvesse seguir uma política de apertos que lhe permitisse no futuro colher dividendos do sacrifício de então. Mas, para mim, tornava-se complicado aceitar que num país como a China não houvesse motivação para quem produz, isto tomando a liberdade como o Direito dos direitos dos cidadãos!
Vinte anos depois da minha passagem pela China, muita coisa mudou a nível do percurso de desenvolvimento da China, no entanto, a tradição do poder na China, ainda que com algumas aberturas, mantém-se fiel aos princípios de sempre.
É esta linha que a China segue, mas que numa questão de conveniência, classifica de democrática e multilateralista, dentro daquilo que considera serem os princípios das relações internacionais.
Uma base de concertação para a aceitação das propostas da China, pelos países africanos é precisamente a fachada da não ingerência nos assuntos internos de cada país. Este é o factor político que rege esta parceria, que demonstra um claro desrespeito pelas populações, pelo social, pelos direitos humanos, pelas liberdades e resume as relações políticas em consensos manipulados pelo factor económico em que o investimento chinês se sobrepõe a qualquer pedido de explicação que não a confirmação dos montantes a investir!
Se por um lado África precisa de investimento, por outro, quer a China, quer a Europa e a América precisam das riquezas do continente africano.
Mas para que os investimentos sirvam ao continente africano, é preciso que os acordos de cooperação tenham a participação e não assistência impávida e serena dos africanos!
Se África tem grandes produções de cajú, porque não criar mecanismos que possibilitem a produção até à fase de transformação e exportação da castanha, a partir de África e com a referência da sua origem?
Se África tem as maiores produções de cacau, porque não criar mecanismos de produção até à fase de transformação e exportação do cacau, a partir de África e com referência da sua origem?
Se África tem mares ricos em peixe, porque não criar mecanismos de captura, transformação e exportação, a partir de África e com referência da sua origem?
Se África tem diamantes, ouro, petróleo, gás, etc. etc. porque não criar mecanismos de transformação e exportação destes e de outros produtos a partir de África e com referência da sua origem?
Estes devem ser os pontos a considerar e a discutir com os interessados em programas de cooperação com África.
Estes são os pontos que irão revolucionar a industrialização do continente, a formação e capacitação dos quadros africanos, bem como a explosão da economia africana.
África não deve continuar a apostar na agricultura de subsistência para importar produtos agrícolas de outros continentes, quando existem condições para se produzir e os excedentes de uns países (africanos) servirem de troca comercial com outros países (africanos).
África deve importar o que menos tem, a tecnologia, que, curiosamente, é o que a China também procura, para além das fontes de energia de que necessita!
Como disse, julgo que África não está preparada para a cooperação como se impõe que seja, numa relação em que o investimento deve ser incentivado, sim, mas não de forma a explorar o continente, como tem sido até aqui.
África deve negociar, deve passar a propor em vez de ficar à espera de ouvir e assinar!
A África pode e deve aprender com a China, mas, transformando as experiências dessa aprendizagem às realidades concretas do continente e das suas populações.
Os milhões a investir em África pela China, não irão, tal como os milhões investidos pela Europa e pela América, beneficiar os milhões de africanos que esperam e desejam ver resolvidos os seus problemas da falta de alimentação, da Saúde, da Educação, da habitação etc. etc. muito por culpa da ganância dos governantes africanos, isto numa avaliação geral!