BEM-VINDOS AO FUTURO!
Foto de JF. Hellio e N. Van Ingen
Por: Francelino Alfa
22.04.2007
A Paramount Films apresenta: ventos da mudança. Outra vez!?
A notícia veio de longe. A Guiné-Bissau tem um novo Primeiro-Ministro que saiu do pacto de estabilidade governativa entre os três principais partidos do país. De facto, este cenário, surpreendeu toda a gente, até os analistas políticos mais credenciados, dado a natureza dos partidos e da rivalidade enorme existente entre eles. Um acontecimento ímpar e é preciso aprender com ele.
Desde que me conheço, já ouvi este discurso vezes sem conta, com maior ou menor determinação, com frases parecidas ou relacionadas, e, com resultados que todos nós conhecemos. Todos os outros Primeiros-Ministros também tinham dito coisa semelhante no passado. Foi um fiasco, excepção feita ao governo de PAIGC dirigido por Carlos Gomes Júnior que traçou objectivos mas que não chegou a aquecer o lugar porque entretanto foi demitido pelo Presidente da República.
Não vou falar do aspecto formal de que falou o Primeiro-Ministro indigitado mas
falar da substância que me deixou com um misto de alegria, apreensão e algumas
dúvidas, todavia, tendo sempre em vista a Esperança. Desde logo, a
compatibilidade do Pacto de Estabilidade Política e
Governativa (PEPG) que foi assinado para um período de dez anos com as
próximas eleições legislativas daqui a um ano. Embora o Primeiro-Ministro
tenha dito que o seu governo tem como meta preparar eleições, e se se vier a
confirmar as eleições no prazo previsto e, caso o PAIGC ganhe com maioria
absoluta ou não, o que acontecerá ao PEPG? E se for o PRS a ganhar, o que
sucederá? Há também alguma contradição com o desejo de uma Administração Pública
pequena e eficiente e consequente redução do défice público com criação de mais
Ministérios e Secretarias de Estado, Institutos Públicos. Vinte Ministérios e
nove Secretarias de Estado, é demasiado para um país pequeno e
subsídio-dependente como o nosso.
O Sr. Primeiro-Ministro também traçou objectivos e prioridades para a sua governação, e agora tem uma grande oportunidade para mostrar o que vale e capitalizar desta maneira o seu futuro político nos tempos mais próximos. Mas vamos por partes:
1º. - Se ele conseguiu reunir consenso dos três maiores partidos políticos com eco na sociedade civil, não foi concerteza, por ter estado ligado a cleptocracia que delapidou o nosso património comum, a Guiné, ou por ser uma personalidade contrária aos pressupostos que defende, mas por ser o melhor no leque de opções. Este dado é muito importante e deve olhar por este “voto” de confiança que lhe foi dado.
2º. - O país anda à deriva e a maioria dos guineenses não acredita nos políticos e só aceitamos a democracia porque apesar de tudo, pensamos que não existe outro sistema partidário melhor. E poucos acreditam na palavra Esperança. E nunca sabemos quando uma coisa é demais senão quando já estamos saturados. É triste, mas é verdade. Os guineenses estão saturados! E parece que ninguém se interesse com o que está a acontecer no país. Nem os próprios guineenses nem a comunidade internacional. Embora o medo paire no ar e os guineenses andarem muito desconfiados, tristes e cabisbaixos, existem alguns que andam muito atentos ao que se passa no país e não se deixam ludibriar e falam a Verdade. Esta palavra Esperança, que não consta no vocabulário da maioria, parece que ressuscitou com ajuda divina? Apesar de tudo, há que acreditar nas pessoas. E parece que as pessoas acreditam neste Primeiro-Ministro. O povo quer determinação, rigor e resolução dos seus problemas! E para já, a coragem parece demonstrada ainda que com alguma cedência relativamente a uma figura sinistra do governo que, só pelo nome, dá arrepios, e atormenta o espírito da maioria dos guineenses.
3º. - Os guineenses aprenderam com o passado? Não vale a pena falar nele? É importante o agendamento do debate sobre a discussão da viabilidade da Nova Constituição da República como alguém já disse, elaborada durante a presidência de Kumba Yalá, sobre os poderes do Presidente da República. De todo modo, temos que olhar para o futuro com Esperança. Todos nós sabemos que o Sr. Primeiro-Ministro tem uma tarefa bastante árdua porque a nossa sociedade está com um problema enorme: crise de valores que se vem juntar à fome. E a fome é inimiga da virtude. E sabe-se também que a fome é a melhor arma que se tem para meter pelas costas de um homem. Por essa razão, ele vende-se! Que remédio!
4º. - O Sr. Primeiro-Ministro falou na necessidade imperiosa de alcançar a paz e tranquilidade. É verdade. Se a paz pode ser o estado de um país que não está em guerra, neste momento, não existe paz de alma nos guineenses. O país está profundamente dividido, um povo inquieto e com medo, pois, existe um clube dos duros e maus sem medo! Tem de lhes dizer que ninguém está acima da lei. E a lei deve ser respeitada por todos! O país precisa de paz e estabilidade. É fácil dizer, cada kim cuida di si cabeça (cada qual cuide de si). Não podemos continuar presos aos nossos fantasmas, provavelmente pior do que foi a própria colonização. Muitos guineenses dizem que há qualquer coisa de fatídico (que não nos larga) no país, mas nós não podemos de maneira nenhuma ficar agarrados a esta ideia.
5º. - O narcotráfico pode minar o país, por razões conhecidas mas o Estado não pode demitir-se das suas funções. E este grupo geralmente está armado até aos dentes. Esses “rostos estranhos” estão algures, onde ninguém os quer descobrir com o slogan: “Su ka mama bu sinta”. Liberdade ou morte! Alguns usam nomes falsos, B.I. fabricados como se fossem de facto guineenses, cujo perigo todos nós sabemos, mas a frieza e o cinismo da casta, faz de conta. Têm cultura de armas e morte! Mas o Estado, o governo não lhes podem dar tréguas.
6º. - Exigir responsabilidades e punir os faltosos e não cumpridores, é uma das boas notícias e seria ouro sobre azul, para não dizer um milagre, se conseguisse juntar a isto, proposta de construção de cadeias com o mínimo de condições de humanidade para que os delitos económicos e crimes de sangue possam ter a justiça que merecem. Toda a gente sabe que ninguém gosta de ser condenado; ninguém gosta de perder o poder mas a impunidade não pode continuar no nosso país. A pessoa é alvejada/atropelada na rua sem apelo nem agravo, e morre, nada acontece. Não há segurança. E sem segurança não há investimento (porque a Justiça não funciona). Não pode ser! A justiça urge e é um dos problemas estruturais que tem que ser resolvido.
7.º - Sr. Primeiro-Ministro, reformas geram sempre críticas e resistências, contudo, o país tem que evoluir. Um ano é demasiado curto mas pode preparar as bases para a continuidade das reformas independentemente do partido que vier a ganhar. Seria de todo inocente, pensar que negligenciará o seu partido – um potencial vencedor das próximas eleições legislativas, um partido de governo, não há dúvida, e que tem quadros melhor preparados para dirigir os destinos do país. Prever também é governar. Se esta reforma do Estado e da Administração Pública for acompanhada com mobilidade dos recursos humanos qualificados para o interior do país, e recuperação das infra-estruturas degradadas, juntando a isso, o agendamento, preparação e realização de eleições regionais ou autárquicas, não para criar caciques, porém, para impulsionar o desenvolvimento regional, o Sr. Primeiro-Ministro ficará definitivamente como marca indelével na nossa História, feito que nenhum outro conseguiu obter. É no Interior e nas Ilhas onde está a riqueza do país. Há imensas potencialidades! Temos recursos naturais e humanos bem como capacidades! Só precisamos de ter programas que possam orientar a cooperação e o desenvolvimento. Um programa de referência sustentável com as instituições financeiras internacionais, como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial. Colocar pessoas certas em lugares certos o que tem falhado. Se queremos ter um país capaz, há que dar prioridade ao desenvolvimento regional e rural como sempre defendeu Amílcar Cabral. Sendo eu um cidadão comum e defensor incondicional e convicto do desenvolvimento regional, ficaria muito feliz, e muitos guineenses ficariam também felizes, se de facto esta ideia se concretizasse. Uma política estratégica de energia e água. Há estudos feitos e projectos existem. Falta é vontade para concretizá-los. Mas não se sabe porquê. É fundamental ouvir os técnicos para a tomada de decisão política! Uma iniciativa interessante seria que se realizasse um conselho de ministros regularmente em cada uma das oito capitais regionais. O interior está moribundo!
Os nossos governantes não vão ao interior e ilhas inteirar-se das realidades. Porquê?
Porque lá não água de luso nem caramulo; não há tintol, não há cerveja sagres nem super bock; não há coca-cola; porque lá, as casas não têm WC interior; não há postos de saúde; não há telefones, nem telélé (há, mas não se consegue apanhar porque não há rede), não há diário de Bissau, nem “Banobero”; não há Internet; não há tecnologia apropriada, não se pode ouvir Roberta Miranda nem ver telenovelas brasileiras, porque lá, não há luz eléctrica; não há Bambu, nem Lenox, não há Plaque nem Capital; Porque lá, não há Baiana, nem garotas do centro franco-guineen; não há garotas de “Colinas de Boé”; … porque lá, não interessa o roncar do motor do Hummer, nem ouvir o chiar dos travões de Mitsubishi e das buzinadelas de Nissan; Talvez se consegue arranjar um Cantocataxi (candongas que fazem simultaneamente serviços de táxi e toca toca); Porque lá, não há Bodens, não há Snukers nem Darlings; não há projectos de Banco Mundial, nem projectos multinacionais; porque lá, apenas há um ou outro projecto, a maior parte dos projectos encontram-se em Bissau; não há nada lá, portanto. As regiões são marcadas pela falta de tudo. A região passa a não existir, a comunidade passa a não existir. Só existe o nome! O país nem sequer vive a duas velocidades, interior e litoral. O país apenas vive a uma velocidade. Bissau, ponto! Os guineenses sabem-no! E por isso, toda a gente quer viver em Bissau. “Bissau más sabi”! Tem Kuduro, Kizomba, Decalé, Hip Hop, Gumbé sabi…tem ´nsunsum.
Vós que sóis arquitectos da reconstrução nacional, os guineenses estão de olhos em vocês. O povo diz, e com razão, que só há conversa e nunca acontece nada! É verdade, talvez surjam dias felizes. Sr. Primeiro-Ministro, veja e compare o nosso nível de vida com alguns bons exemplos dos nossos irmãos da organização regional e dos PALOP. Os guineenses eram conhecidos como sendo um povo honesto e trabalhador. Queremos e desejamos Esperança! Queremos mudar de vida! O Sr. Primeiro-Ministro permita-nos sonhar e nos dê Esperança! O sucesso da acção governativa vai depender em muito da sua equipa. Não há um bom Primeiro-Ministro sem bons colaboradores. A fazer fé nas suas declarações, desejo-lhe boa sorte na sua nova função. Haja saúde! É caso para dizer, “Martinho amigo, o povo está consigo”.
VAMOS CONTINUAR A TRABALHAR!
Projecto Guiné-Bissau: CONTRIBUTO