Breve Historial da Rádio Voz de QuelelÉ, a primeira Rádio Comunitária da
Guiné-Bissau
Adão Nhaga
nhaga76@hotmail.com
14.08.2010
Foi
uma iniciativa que começou em 1994 num bairro de Bissau chamado
Quelelé, onde intervêm várias organizações, entre as quais a ONG
AD, Acção Para o Desenvolvimento, promotora da iniciativa.
Por iniciativa
particular de José Henriques, então técnico da ICAO a dar assistência
técnica à Guiné-Bissau e que dedicou toda a sua vida, entusiasmo e competência à
promoção de novas e modernas tecnologias de comunicação adaptadas ao
desenvolvimento do país, a ONG Acção para o Desenvolvimento (AD) envolveu-se na
criação desta primeira rádio comunitária que veio trazer ao bairro uma dinâmica
de auto confiança e identidade que se está a transformar num instrumento útil de
desenvolvimento colectivo.
Foi nesse ano que
se dava então início à experiência daquela que passou a ser a primeira rádio
comunitária de Guiné-Bissau, a partir de um pequeno equipamento de base; uma
consola e uma antena as emissões cobriam um raio de cerca de 4km. Atingindo o
bairro de Quelelé, com cerca de 10.000 habitantes, bem como alguns bairros
limítrofes como Cumtum, Bairro Militar, Bor e Bra.
A adesão e
entusiasmo criado nos habitantes do bairro, particularmente nos jovens que foram
os primeiros a aderirem em força, aliados ao facto de se estar em vésperas de
eleições presidenciais e legislativas levaram o poder político a interditar o
funcionamento da rádio Voz de Quelelé e ordenar o seu enceramento, pretextando o
não cumprimento das leis do país.
Com o surgimento
de epidemia de cólera em outubro de 1994 e do pânico generalizado que se viveu,
a rádio Voz de Quelelé decidiu recomeçar as suas emissões.
Se no princípio
do ano a rádio Voz de Quelele funcionava apenas aos fim de semana, nas manhãs de
sábado e domingo, já nesta fase as emissões passaram a ser diárias, apenas no
período da tarde.
O maior sucesso
da rádio Voz de Quelele foi sem dúvida o combate à cólera, uma actividade que se
baseou em duas vertentes:
a)
Organização da população para limpeza do bairro, remoção do lixo desinfecção do
poços, evacuação dos doentes para o hospital (a AD teve um veículo sempre à
disposição), desinfecção em casa dos doentes, visitas diárias dos membros do
comité dos moradores a cada residência a fim de detectar casos de cólera.
b)
Sensibilização da população para uma maior higiene doméstica, para um maior e
reforçado acompanhamento das crianças, para a explicação da origem e formas de
propagação da doença.
Toda a campanha
utilizou fundamentalmente a rádio Voz de Quelele, onde regularmente vinham
médicos da AD que respondiam às questões pertinentes colocadas diariamente pela
população em mensagens adaptadas a uma linguagem directa e passadas nas várias
línguas das etnias do bairro.
Segundo
informações de que se dispõe, o bairro de Quelelé tera sido o menos atingido de
Bissau por esta doença, com apenas seis casos confirmados de cólera, um dos
quais mortal.
Grandes
Desafios
A rádio Voz de
Quelele
deve
preparar-se para assumir um papel mais organizado e estruturado, neste caso
refiro-me aos três grandes desafios:
1.
Apropriação comunitária
sob forma associativa
2.
A
sustentabilidade
3.
Formação
1.
Apropriação comunitária sob forma associativa
a)
Criar comités de gestão nas rádios
b)
Apropriação e controle comunitário
A meu ver, a
questão da apropriação comunitária, sob forma associativa, deve ser uma
preocupação, tendo em conta os desafios que temos pela frente e a filosofia que
norteou a criação deste órgão que tem uma vocação comunitária.
O envolvimento da
comunidade na gestão da rádio é um factor extremamente importante.
A rádio
comunitária é uma entidade jurídica que adquirirá a sua identidade quando os
seus estatutos forem reconhecidos pelas autoridades oficiais. Muitos projectos
da rádio comunitária são iniciativa das associações locais, projectos de
desenvolvimento, ONG´s, um membro da comunidade, etc. com o objectivo de
impulsionar o desenvolvimento comunitário.
Os promotores
mobilizam a comunidade à volta do projecto da rádio, que é um processo longo e
pedagógico. Assim que se conseguir um envolvimento e uma apropriação de uma boa
parte da população local de forma engajada e organizada da rádio, deve-se
começar a desenhar uma estrutura de gestão representativa da rádio a nível
comunitário: “Assembleia Geral”. Esta estrutura deve ser dotada de
mecanismos que lhe permitam manter um justo equilíbrio entre os imperativos da
gestão e a necessidade de assegurar a representação o mais numerosa possível das
influências locais. Pode ser reservado o direito de arbitragem ou de veto aos
promotores ou iniciadores.
2.
Sustentabilidade
Abordagem da
sustentabilidade deve ser tridimensional:
1
A
nível financeiro
2
A
nível de equipamento
3
A
nível de recursos humanos
A nível
financeiro
a)
Vender programas de qualidade, publicidades, venda de cartão de ouvintes,
comunicados, quotizações dos sócios
b)
Parcerias com organismos internacionais e nacionais
c)
Criar mecanismo de transparência que promovam a coesão interna
d)
Dividir responsabilidade para que não haja Interferência nos órgãos
e)
Diversificar -se as fontes de financiamento
f)
Criar clubes de ouvintes
g)
Produzir programas de qualidades e ser agressivo em termos de markiting
A nível
de recursos humanos
a) Apostar na
formação e capacitação de radialistas
b)
Especialização de jornalistas em diferentes domínios
c) Motivação dos
jornalistas (respeito e consideração pelo radialista, dar responsabilidade ao
radialista)
3.Formação
a)
Formação especializada e diversificada
b)
Formação periódica
c)
Restituição
dos
encontros
d)
Seguimento e avaliação
§
Escolha do
equipamento da rádio
a)
Simples utilização
b)
Fácil manutenção
c)
Ter
protectores para cada um dos aparelhos (estabilizadores) e stock de peças
sobressalentes.
As rádios
comunitárias têm-se revelado instrumentos eficazes no apoio à execução de
campanhas práticas de vacinação, de educação sanitária e de combate às grandes
epidemias.
A meu ver a
formação especializada em diferentes domínios deve ser um desafio para os
próximos anos, agrupar um número de radialistas e especializá-los em diferentes
domínios, tais como gestão de conflitos, associativismo, ambiente, por forma a
reforçar a sua capacidade enquanto animador comunitário.
A Guiné
Bissau, especialmente notada pela instabilidade dos últimos anos, é, na matéria,
apontada como um modelo para outros países lusófonos, que vêm a Bissau colher
experiências das 28 rádios comunitárias hoje existentes no país e que cobrem
praticamente toda a população.
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