Breves apontamentos sobre o imbróglio JURÍDICO-CONSTITUCIONAL resultante da desistência de um dos candidatos à segunda volta das eleições presidenciais na Guiné-Bissau
Carlos Vamain * 27.03.2012 Nos últimos tempos a Guiné-Bissau tem sido confrontada com uma série de situações de natureza jurídica e que se prendem tão-só com o respeito pelas normas jurídicas fundamentais para a vida das suas instituições públicas. E, a cada uma dessas situações redunda interpretações mirabolantes e de conveniências, nada abonatórias para a construção do Estado de direito que se preze, dando azo à persistência de fragilidades institucionais e às recorrentes instabilidades no país, por força da impunidade subsistente. Como não há uma sem duas, pode-se afirmar que a ausência de decisão jurisdicional relativa à declaração da flagrante inconstitucionalidade da candidatura do Primeiro Ministro da Guiné-Bissau, ao arrepio do disposto no Artigo 65º da Constituição da República sobre o regime de incompatibilidade (proibição feita ao titular dum mandato político de acumular este com outras funções) - um problema que ainda persiste e que vai-se colocar com maior acuidade, na eventualidade da sua vitória – em razão do contexto da interinidade do exercício actual das funções de Presidente da República decorrente da morte do Presidente da República eleito em 2009, agora coloca-se-nos, de novo, mais um imbróglio jurídico, a saber: em caso da desistência de um dos candidatos mais votados na primeira volta, que solução para a saída desta nova embrulhada jurídica? As soluções prudenciais, ignoradas no nosso seio, devem ser encontradas apenas no quadro das normas pré-existentes, à luz do princípio da legalidade por ser compatível com o estado de direito democrático. Na Guiné-Bissau, como é suposto ser do conhecimento de todos os guineenses, a eleição do Presidente da República ocorre quando o candidato consiga a maioria absoluta dos votos validamente expressos. E, em caso da ausência desta maioria absoluta, a Constituição da República da Guiné-Bissau, no seu Artigo 64º, n.º 2, dispõe, nomeadamente, que: «Se nenhum dos candidatos obtiver a maioria absoluta, haverá lugar no prazo de 21 dias, a um novo escrutínio, ao qual só poderão participar os dois concorrentes mais votados.» Assim sendo, em razão da hierarquia de normas e, em consideração do princípio da legalidade dos actos do Estado, significando que este não pode agir senão em conformidade com o Direito, por força do disposto no Artigo 8º da Constituição da República, não deve haver dúvidas sobre a inconstitucionalidade da disposição constante do Artigo 112º da Lei Eleitoral e concernente ao regime de substituição de candidatos em caso de desistência por esta disposição infraconstitucional não se conformar com o disposto no n.º 2 do Artigo 64º da Constituição da República. E a ausência da previsão constitucional da desistência ou da substituição não deve significar a eleição ipso facto do candidato subsistente, por força do princípio da legalidade que refuta categoricamente a presunção de direitos ou de obrigações. Portanto, à luz do disposto no n.º 2, do Artigo 64º da Constituição da República somente os dois candidatos mais votados podem disputar a segunda volta das eleições presidenciais. Em direito comparado, embora os factos e os motivos não sejam totalmente idênticos, mas merecem ser trazidos à colação, a situação resultante da impossibilidade da realização da segunda volta das eleições presidenciais em Angola, entre os dois candidatos mais votados na primeira volta das eleições presidenciais realizadas em Setembro de 1992, a saber, José Eduardo dos Santos e Jonas Malheiro Savimbi. Neste sentido, a Lei Constitucional angolana, em vigor à época (N.º 23/92, de 16 de Setembro), dispõe, nomeadamente, no seu Artigo 57º, n.º 2: «O Presidente da República é eleito por maioria absoluta dos votos validamente expressos. Se nenhum candidato a obtiver, procede-se a uma segunda votação, à qual só podem concorrer os dois candidatos que tenham obtido o maior número de votos na primeira e não tenham desistido.» No caso angolano, pode-se afirmar, sem embargo que, até à morte do segundo candidato mais votado, não se chegou a realizar a segunda volta do escrutínio, por alegada ausência de condições objectivas para o efeito – o país estava em guerra -, sem que, no entanto, fosse suscitada a questão de recurso à substituição por desistência em favor dos sucessivos e restantes candidatos por ordem decrescente dos votos obtidos. Em suma, no caso angolano, vê-se claramente a existência da possibilidade de desistência, enquanto que, por seu lado, o constituinte da Guiné-Bissau a omitira deliberadamente. Assim, na Guiné-Bissau, do ponto de vista jurídico-constitucional (Artigo 64º, n.º 2, em conjugação com o Artigo 8º, da Constituição da República), não há lugar a eleições em caso de desistência de um dos concorrentes mais votado no primeiro escrutínio e nem pode o candidato subsistente ser proclamado vencedor. O exercício das funções públicas pressupõem o conhecimento prévio por parte dos postulantes das regras que norteiam o funcionamento do Estado e das suas instituições. A solução constitucional sempre será a melhor forma de se resolverem os problemas constitucionais. Para o caso da Guiné-Bissau essa solução está prevista no Artigo 127º e subsequentes da Constituição. * Constitucionalista, Consultor e Advogado
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