BREVES REFLEXÕES ACERCA DO ENTENDER E VIVER A GUINENDADI

 

 

 

Por: Mamadu Lamarana Bari

 

mlbarry1@gmail.com

 

 

Prof. Dr. Mamadu Lamarana Bari

 

26.10.2008

 

Caro Irmão Didinho

Sempre que eu me lembro deste site maravilhoso cultural, étnica e academicamente falando, digo o meu muito obrigado ao Didinho.  Meu irmão não importe com a polêmica que, às vezes, levantam em torno das opiniões que nesse seu e nosso site se expressam. Continue nos brindando com as produções intelectuais (artigos, resenhas, opiniões formais acerca de temas da atualidade sócio-política guineense e mundial, etc., etc.).

 

Cada uma das contribuições dos nossos irmãos e compatriotas que você publica se afigura como que o apagar do fogo de uma biblioteca oral na Guiné e quiçá na África para salvar o que há de belo e expressivo em nossa cultura etno-linguístico e cultural. Este trabalho seu ajudado por todos nós é de uma dimensão tão grande que só as sabemos quando lemos a página dos comentários e vendo as críticas e elogios nela expressas de formas respeitosas e construtivas ou de formas desrespeitosas e insinuantes.


A propósito disso, eu leio estes últimos com uma frieza intelectual procurando assimilar cada palavra para entender a afronta dos que escrevem criticando um determinado tema ou os autores dos mesmos, como aquele desastroso comentário de uma conterrânea nossa que fora democraticamente publicado neste site. Ou, pior ainda, quando desastrosamente tentam fazer paralelos sobre modos de entender e de analisar temas cujas dimensões políticas e filosóficas são de levar dias e tempos para
serem assimiladas. Ou ainda, há os que tentam postular a defensoria do bem falar e escrever a língua portuguesa. Minha gente, meus compatriotas, sem me dirigir diretamente a quem quer que seja, o importante é colocar idéias no papel ou de forma virtual para serem conhecidas e trabalhadas com outras idéias contributivas a fim de se encontrar uma solução profícua e duradoura para a nossa Guiné. Por isso, este site chama-se CONTRIBUTO.

 

A construção do conhecimento no sentido lato deve ser dinâmica e consensual. E para ser consensual é necessário que as mentes sejam democráticas e para as serem devem ser
arejadas, e os nossos espíritos devem estar evoluídos para aceitarmos a evolução que contemplamos dia a dia.

Meus irmãos, nunca se viu nada comparável, guardadas as devidas proporcionalidades, com o que se está se publicando em termos literários e sociológicos sobre a Guiné na
atualidade. Já vimos algo semelhantes no Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, que por sinal, não creio que se encontrem muitos desses exemplares hoje nos nossos arquivos na Guiné-Bissau. Nesta base, meus irmãos vamos assimilar a idéia de cada irmão e ajudar construtivamente a melhorá-la apontando os pontos que há em comum e criticar
construtivamente através de um debate virtual e intelectual os pontos discordantes mostrando os possíveis caminhos.

 

Assim eu penso, e estes são os meus pontos de vista. Eu não me acho infalível, estou disposto para ser ajudado.

 

Em homenagem ao nosso entendimento como guineenses conscientes dos nossos valores ancestrais e esperançosos de que cedo ou tarde chegaremos ao Porto Seguro ou na madrugada do cantar do galo ou no crepúsculo do despontar de vaga lumes, deixo aqui registrado algumas reflexões em crioulo da Guiné as quais solicito a inestimável contribuição do meu irmão, se possível e quando possível, para traduzi-las em Português para os nossos leitores não guineenses.


 

UMA REFLEXÃO DE MAMADU LAMARANA BARI, EM CRIOULO, TRADUZIDA PARA O PORTUGUÊS, POR INCANHA INTUMBO

 

 


" Nha djintis nô pui dianti balur di nô terra e balur di sibi sinta ku sintadus. I ta faladu kuma mufunadus ku ta misti mara cerku parmanha cedo i ta migu di pui na burgunhu si parentis di casa.
Sibi ranha garandis tchon ku ta tici tcholona sigridu di puti di mensinhu. Nô bamus, kada kim na si pô. Ka nô n'djuti nim conbersa i nim longanta mon de parmanha cedo pur mas puku ki sêdu. Nô terra i djagassidus di ginti ku sinta di mandjuandadi. Pé di messa bim di Bolama i contra ku pé di muchu na Bissau i elis dus eh firmanta firkija.

(Caros compatriotas, privilegiemos em primeiro lugar o valor da nossa terra e  saibamos estar em sintonia com os mais velhos. Diz-se que os engraçadinhos que se divertem a trancar as portas das casas de banho publicas logo pela manhã, normalmente acabam por envergonhar os seus parentes e vizinhos. É o saber interpretar as dicas dos mais velhos que nos revela os segredos melhor guardados. Embora companheiros! Cada um no seu galho. Não menosprezemos nenhuma conversa, nem tentemos apanhar logo pela manhã [o que quer que seja]. O nosso país é uma miscelânea de pessoas que se uniram como colegas. Alguns vieram de Bolama, outros são de Bissau onde juntos formaram o alicerce [da nossa nação].)

 

Anta dê badju di tina bim djagassi ku badju di sala. Nhala kamba sam djon i elis ku Bolama eh bim sinta na Bissau. Pa sabura di sinta ku sintadus, pés tempradus
na Zé Maria di tchon di papel Varela i tambi na Gã Gumis di pilum.

(Ora essa. As danças [salão e tinha] misturaram-se. Nhala atravessou o canal de São João e juntos vieram viver para Bissau. Pelo gosto de se estar com os que já lá viviam,  os pés temperados [de tanto dançar] no Zé Maria de Tchon di Pepel Varela e no Gã Gomis de cupelum.)


Di un ladu angolenses, santomenses i fidjus di Bolama, pó ku firkijas ku sibi sinta, i di utru ladu cristons di djiba ku fulas, mandingas (parentis na Bafatá), saranculés, mansoancas e mancanhes é funda República di pilum desdi tempu di Gã Gumis, Nhu Domingos papé di Libório e Djonsinho cornetêro. Pés temprados na badju di sala, desdi taberna di Delê, passa pa taberna di Djonsinho tê na salon de Gã Gumis. " tenem tenêlo tene mangadel n'tenem nha pubis... i sim pa dianti”. I tem bês, qui na  badju di carnaval, eh ta disci, nhu Bêrona ku si cavaquinho, Jorge di nha Clarice na garfo ku prato, nhu Suduku na sicô, nhu dominguinho na Djaz, nhu Djonsinho na Corneta, pa salão de Gã Gumis pa toka toc sol mansi. "... ô minina cola ku mi pã pudi cola ku bô, n'cola na reia n'cola só sabi".

(De um lado estavam os angolanos e os são-tomenses naturais de Bolama, pedras basilares e eles souberam unir-se, do outro lado estavam os cristãos de Geba e os fulas, mandingas (familiares em Bafatá), saracolés, mansoancas e mancanhes, e ambos fundaram a República de Cupelum dos tempos do Gã Gomis, do senhor Domingos pai do Libório e do Djonsinho corneteiro. Pés temperados pelo bailarico na tasca do Delê, passando pela tasca do Djonsinhu e até chegar ao salão do Gã Gomis. “É meu, e tenho-o em grande quantidade. Meu povo, é meu… E muito mais”. Certa vez, nas festas do carnaval, vinham a descer a rua o senhor Berona com o seu cavaquinho, o senhor Jorge da dona Clarice com um prato e um garfo, o Suduku com o sicô, o senhor Dominguinho no Djaz. O senhor Djonsinhu a tocar o clarinete. Vinham a descer em direcção ao salão do Gã Gomis onde iriam tocar até ao raiar do sol. “…Menina, cole-se a mim para que eu me possa colar a ti. Estou colado na areia, estou colado, ai, sabe tão bem…)

 

Nha ermon Justino Delgado i tem roçon pa kanta República di pilum na si nôbu disco

(o meu mano Justino Delgado estava certo quando cantou “República de Pilum” no seu novo disco)

Pilum di bás di N'na Bedja, di N’na Abano, di Nem Dalam, di Debô Djalô, di Fugumbá Djalô, Má tambi si nô misti i pilum di Malam Sá Sanha, Mama Lamin Arcanjo, di Augusto Maninho, di Nhu Montam, di Na Rêba, di Basto Pinto, di Nhu Faram, Nhu Tibúrcio, di Mango,  Alfa Umaro Só, Gã Sampaio.

 (Pilum di bás, Pilum da avó Bedja, da avó Abano, da Nem Dalam, de Debô Djalô, de Fugumbá Djalô, mas também e se quisermos é Pilum do Malam Sá Sanha, Mama Lamin Arcanjo, do Augusto Maninho, do senhor Montam, da avó Rêba, do Basto Pinto, do senhor Faram, do senhor Tibúrcio, do Mango,  do Alfa Umaro Só, do Gã Sampaio)

 

Pilum di riba di Dulô Sanha, di Fodê Manafá, di Mandjai, di Gã Djeba (Nhu Forbis), di Azi Monteiro, di Dele (Morgado),di  Gã Bombeiro di Silas ku Pereiras etc.

(Pilum di Riba, do Dulô Sanha, do Fodé Manafá, Do Manjai, do Gã Djeba (senhor Forbis), do Azi Monteiro, do Dele (Morgado), do Gã Bombeiro, dos Silas e dos Pereiras etc.

 

Nha ermons essis ku tchomados i djintis ku sibi sinta desdi pilum até Gâ Biafada, Reno, Tchon di Papel Varela i contranda tê Bissau Novo i bolta Pa Sintra ku Pefinê.

(Manos, os senhores que citei souberam viver lado a lado, de Cupelum ao bairro de Gã Biafada, ao Reno, ao Tchon di Pepel Varela e ao Bissau Novo, fechando o círculo nos bairros de Sintra e de Pefine.)

 

Ka nô diskissi és baluris ku nô donas e nô Papês sibi kumpu. N’ta lembra ora kum ta saiba ku nha papê pa bai fera i quil um mantenha só, i cristons ô muçulmanus. “Cunhadu dã cola ô tisim cola di praça. Ô ora qui bês di n’sai ku nha mamê tudu kaus ku no passa i só fala mantenha “ Nha ermon di Bolama  kuma di curpu, assim pa dianti”.

(Não nos esqueçamos dos valores que os nossos avós e os nossos pais souberam erguer. Lembro-me que quando saia com o meu pai a caminho do mercado, ele cumprimentava toda a gente, cristãos e muçulmanos. “Meu cunhado, oferece-me um bocado de cola ou traz-me alguns [bocados de cola] da cidade”. Ou, quando era a vez de  eu sair com a minha mãe, ela cumprimentava igualmente todas as pessoas com quem se cruzava. “Meu irmão bolamense, estás bem?” E era assim.

 

Nha ermons, na Bissau ku Guiné sintado. Lá qui tudu kunsa dispus qui mistidas lebadu pa nundi qui ahôs i capital. Si nô entindi interess di ahôs nô na tchiga na quê qui garandis fala aonti. “ora ku sol disponta na riba di mar i camba bolanha toc i bá sukundi trás di cabacêra, quil ora nô na sibi si labur i sõ  di bolanha ô tambi i de lugar”.

(Manos, tudo começou em Bissau, na Guiné [?]. Depois tudo foi transferido para o tal sítio, onde hoje está a capital. Se compreendermos os interesses actuais, compreenderemos o que os velhos já  diziam:”quando  pela manhã o sol inicia o seu percurso, passa pela bolanha e se esconde atrás da calabaceira, então saberemos se as lavras deverão ser feitas apenas nos arrozais ou também nas quintas junto às tabancas).

 

Nha ermons si i sibi sinta ku pui nô pudi toma nô tchon di Guiné. Pabia di quê ku nô ka pudi sinta suma nô donas pa nô kumpu nô tchon. I tchiga dja ora di nô laba rosto pa nô tira cunfentu diante di nô udju.

(Manos, se foi graças a unidade que pudemos recuperar a nossa pátria Guiné. Porque raio ainda não conseguimos nos unir, tal como fizeram os nossos avós, para a reconstruirmos? São horas de lavarmos a cara, para nos vermos livres do cieiro que nos turva a vista.)

 

Nô tchon sabi i nô lingu criol sabi.  Nô contrada ta sêdu pabia nô sintimentu ta bim di bariga si i ta bim di bariga i pabia criol ku padinus. Anôs tudu i fidjus di criol. Nha ermon Odete Semedo tem roçon ora qui punta ” na kal lingu kum dibi di escribi.”

(O nosso país sabe bem, o nosso crioulo também. Que o nosso encontro aconteça, porque o nosso sentimento é genuíno e é genuíno porque somos filhos do nosso crioulo. Todos somos filhos do nosso crioulo. A nossa irmã Odete tinha razão quando questionou “ em que língua deverei escrever?”)

 

N’ tê. Nha djintis,

(Até mais, meu povo)

 

Mamadu Lamarana Bari di tchon di Bolama.

(Mamadu Lamarana Bari, natural de Bolama)

 

 

(Tradução pelo critério semântico: Incanha Intumbo)

 

Glossário

Pilum di Bas

Também conhecido como Cupelum ou Pilum,  bairro carismático de Bissau

bolanha

Arrozal, terras alagadas normalmente junto aos rios

firkidja

Viga mestra

lugar

Quintas de pequena dimensão, junto às tabancas

sicô

instrumento musical de percussão capaz de dar notas musicais diferentes

tabanka

Aldeia, vila

Tchon di Pepel Varela

Também conhecido como Tchon di Pepel, outro  bairro carismático de Bissau

 

 


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