CABO-VERDE: DE UMA PARCERIA ESTRATÉGICA PARA UMA INTEGRAÇÃO DE DESENVOLVIMENTO
Por: Fernando Casimiro (Didinho)
02.12.2007
Hoje, volto a escrever sobre Cabo Verde, com satisfação e, porque não, com orgulho, por recentemente Cabo Verde ter visto aprovado o seu processo de parceria especial com a União Europeia.
Cabo Verde está de parabéns, os cabo-verdianos estão de parabéns e, África está, igualmente, de parabéns!
Esta parceria estratégica, que agora se concluiu, teve no seu início, equívocos de interpretação, que o tempo encarregou-se de confirmar, tal o contra-senso entre um pedido de parceria e um pedido de integração de Cabo Verde na União Europeia para mais, da forma como se argumentou uma possível integração, ao invés de uma parceria estratégica.
Mário Soares, antigo presidente português e o Professor Adriano Moreira, encabeçaram a lista dos defensores de uma utopia. Sim, é de um conceito mais utópico a integração de Cabo Verde na União Europeia, do que a utopia que hoje se diz, ter sido a ideia da Unidade da Guiné e Cabo Verde sustentada por Amilcar Cabral durante a luta de libertação nacional.
Se uma integração se pode fazer no âmbito regional, tendo em conta todas as afinidades que propiciam essa integração, Cabral estava no sentido correcto das afinidades históricas e geográficas para sonhar com a Unidade da Guiné e de Cabo Verde.
Contrariamente, hoje, por mais que se tente localizar Cabo Verde numa Macaronésia que não tem expressão na definição geográfica continental, a verdade é que é no espaço geográfico de África que Cabo Verde está localizado!
Saúda-se a parceria de Cabo Verde com a União Europeia, antevendo-se múltiplas vantagens, não só para Cabo Verde, mas também, para a União Europeia.
Cabo Verde deve projectar um novo conceito de desenvolvimento, tendo por base o estatuto de parceiro especial da União Europeia, que lhe dará o privilégio de ser um país modelo nas relações entre a União Europeia e os países africanos e vice-versa.
Cabo Verde é (será sempre) importante para a União Europeia ao abrigo desta parceria mas, é a nível da sua integração africana, concretamente no contexto regional, que Cabo Verde poderá tirar benefícios para a sua afirmação, para o seu crescimento e, consequentemente, para o seu desenvolvimento global, possibilitando igualmente à União Europeia, benefícios específicos da sua influência/afirmação no contexto africano, particularmente a nível regional.
Os proveitos da parceria especial com a União Europeia devem servir rigorosamente para a estruturação de uma ponte de investimento na integração regional.
Investimento humano, em primeiro lugar, que possibilite a Cabo Verde afirmar-se nos órgãos regionais, concretamente na CEDEAO - Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental, mas também, nos órgãos continentais.
Cabo Verde terá a ganhar com o mercado regional africano, desde que se liberte do complexo da Macaronésia e se assuma plenamente como país africano por definição, transmitindo os exemplos positivos dos seus inúmeros sucessos (amplamente reconhecidos a nível das instituições internacionais), aos países irmãos de África.
O mercado de Cabo Verde passa por África e a produção regional africana, no quadro da CEDEAO, deve passar igualmente por Cabo Verde, numa alusão ao posicionamento geoestratégico de Cabo Verde e em simultâneo, pelo reconhecimento das suas infra-estruturas de comunicação, quer a nível de portos e aeroportos, navios e aviões, que fazem de Cabo Verde um excelente intermediário nas relações, a todos os níveis, entre África e a Europa.
Neste desafio de desenvolvimento que se abre a Cabo Verde, convém salientar que será importante a voz, a afirmação de Cabo Verde nos organismos regionais e continentais africanos.
Que este desafio de desenvolvimento possibilite uma verdadeira integração de Cabo Verde no espaço africano, salvaguardando sempre os valores do humanismo que deve ser regra de definição do mundo globalizado em que estamos inseridos!
O desenvolvimento de Cabo Verde pode ser sustentado pela União Europeia, mas passará sempre por África!
Em Fevereiro de 2005, escrevi o texto "A África ainda existe", muitos concordaram com os meus pontos de vista, mas outros, também houve, que discordaram. Nada mais salutar!
Hoje, creio que os cabo-verdianos estão mais esclarecidos sobre esta matéria, do que há 2 anos atrás e, portanto, saberão compreender melhor os pontos de vista que defendi (e defenderei sempre) há 2 anos atrás!
Força Cabo Verde!
A África ainda existe!
Por: Fernando Casimiro (Didinho)
11.02.2005
" Em Cabo Verde, tal como em toda a África, a referência de base da afirmação dos povos africanos é: MÃE ÁFRICA! Nunca em Cabo Verde ou em qualquer outro país africano se ouviu outra referência que não esta...."
O professor e cidadão português Adriano Moreira escreveu recentemente um artigo de opinião publicado no jornal português Diário de Notícias (08.02.2005), onde apresenta uma visão típica do expansionismo neocolonial ao sugerir a " Integração de Cabo Verde na Europa".
Sendo eu guineense, com "costelas" cabo-verdiana, cabindense e portuguesa; considerando-me africanista e não europeísta, apesar de viver na Europa, não poderia deixar de reagir a tamanha ofensa da dignidade africana.
Ofensa da dignidade que assume contornos de deturpação da própria realidade dos factos citados por Adriano Moreira.
A sugestão de Adriano Moreira não é uma novidade, pois já em Setembro de 2004, aquando do Simpósio Internacional Amilcar Cabral, realizado em Cabo Verde, o antigo presidente da República portuguesa, Mário Soares, exprimiu idêntica opção para Cabo Verde.
Todos sabemos e o professor refere-se a isso no seu artigo, que Cabo Verde é um país independente! Mas pelos vistos, o professor esqueceu-se de que a independência de Cabo Verde não foi obtida em resultado do movimento geral descolonizador impulsionado pela ONU, como refere no seu artigo.
Cabo Verde tornou-se independente graças a negociações entre o PAIGC e as autoridades portuguesas, fruto da luta armada dirigida pelo PAIGC na Guiné, com o objectivo das independências da Guiné e de Cabo Verde e que, também contribuiu para o derrube do próprio regime fascista e colonialista de Salazar.
Adriano Moreira faz comparações geográficas de Cabo Verde com as Canárias e com os arquipélagos portugueses, todos situados no Atlântico, para dizer que todavia Cabo Verde parece nunca ter despertado a atenção dos órgãos institucionais, no sentido de serem iniciadas negociações para ser admitido na União Europeia.
A História dá-nos conta da formação de colónias de povoamento europeu em relação às Canárias, aos Açores e à Madeira, o que não aconteceu com Cabo Verde, que por se tornar num centro de escravatura, recebeu maioritariamente populações (escravos) africanas.
Ora é aqui que partimos do princípio da identidade cabo-verdiana, assente numa diversidade multicultural, na verdade, mas com padrões de definição mais visíveis levados pelos escravos de diferentes origens de África do que levados pelos colonos europeus.
É um absurdo dizer-se que a sociedade civil cabo-verdiana incorporou na sua identidade cultural, valores que são denominadores comuns dos europeus.
A raiz cultural cabo-verdiana está bem patente no batuque, nas danças e cantares de Cabo Verde, simbolizando maioritariamente África e não a Europa. Não se pode negar a existência de traços europeus nas culturas africanas, seja em Cabo Verde, seja em qualquer país africano, mas querer inverter a predominância dos traços africanos pelos europeus, é um claro contra-senso.
Falar de uma suposta integração de Cabo Verde na União Europeia, é um assunto que pode merecer aplausos de muitos cidadãos cabo-verdianos, não tenho dúvidas! Como também não tenho dúvidas que em Cabo Verde ainda muito boa gente questiona qual a definição geográfica de Cabo Verde e por conseguinte, a que Continente pertence Cabo Verde.
A Cabo Verde foi reconhecida independência e estatuto de país africano membro da Organização da Unidade Africana, actual União Africana e das Nações Unidas. Os cabo-verdianos, são por isso considerados africanos.
O artigo de Adriano Moreira desperta uma certa curiosidade quando diz que: " As autoridades portuguesas estão indicadas e legitimadas para terem a iniciativa de propor um processo de adesão de Cabo Verde à UE" Até que ponto se pode aceitar este controlo estratégico e como não deixar de lhe chamar de expansionista com carácter neocolonialista, porquanto só se pensar nos benefícios estratégicos que Cabo Verde pode oferecer à União Europeia e não nas contrapartidas de realce para Cabo Verde ou mesmo para os cabo-verdianos...?!
Adriano Moreira já pensou como é que os cabo-verdianos seriam vistos pelos europeus de "gema"?
Por acaso, o exemplo vivo das duplas-nacionalidades não é esclarecedor do posicionamento a que os portugueses europeus colocam aos portugueses de "recurso"...?
Os países africanos de expressão portuguesa que têm laços históricos e de sangue de cinco séculos, com Portugal, pertencendo à mesma comunidade denominada CPLP, viram Portugal propor o fim dos pedidos de visto de entrada em Portugal e, por assim dizer na Europa, aos seus cidadãos...? Claro que não!
Claro é também o conceito europeísta, africanista, asiático ou americano, que se baseia sobretudo na questão fisionómica, pois mesmo com as duplas-nacionalidades e, antes de se apresentar qualquer documento de identificação, as pessoas já são identificadas pelos seus traços fisionómicos.
De repente Cabo Verde passou a despertar interesses possessivos de níveis elevados. Se a posição geoestratégica é reconhecida há muito, só o despertar para a possibilidade da existência de petróleo em Cabo Verde pode aumentar consideravelmente o apetite para tamanhas ofertas de quem se preocupa com a casa dos outros e não com a sua...
A confirmar-se a existência de petróleo em Cabo Verde em valores rentáveis, estaríamos perante um dos mais bem posicionados (geograficamente) produtores tanto para os Estados Unidos, como para a Europa.
Penso que, mais do que sugerir a integração de Cabo Verde na Europa, há espaço de opinião para o professor Adriano Moreira debater uma verdadeira e repartida integração de Portugal na União Europeia.
Primeiro, porque desde 1986 a esta parte, continua a haver desigualdades gritantes entre os demais países da União Europeia e Portugal.
Segundo, porque em relação a Portugal, o efeito da adesão à União Europeia só se faz sentir nos grandes centros metropolitanos, continuando o interior abandonado, ao ponto de muitas vezes se questionar se o país está mesmo na Europa, ou ainda, que vantagens trouxe a adesão à Europa!
Terceiro, sendo a língua portuguesa a língua comum de mais de 200 milhões de pessoas espalhadas pelo mundo, não se utilizar este considerando para a valorização do espaço lusófono a nível da Europa tendo Portugal como intermediário principal nas relações entre a União Europeia e os países lusófonos.
Caro professor, gostaria de lhe lembrar que a África ainda existe e que o Atlântico não se fica por Cabo Verde.
Cabo Verde pediu um estatuto especial no relacionamento com a União Europeia, o que não significa um pedido de adesão à União Europeia, mas por exemplo, o Primeiro Ministro José Maria Neves sabe que nunca se poderia considerar um europeu, pois bastava olhar para um espelho para assim o entender...ou em último caso, perguntar a um europeu de "gema" em que espaço geográfico o colocava, para ficar a saber pelos outros, o que seria desnecessário!
Continue-se a ajudar Cabo Verde, continue-se a apostar em Cabo Verde, mas não se tente "anexar" Cabo Verde e muito menos ignorar África!
Adriano Moreira A integração de Cabo Verde na Europa
Os temas europeus não estão muito presentes nos debates em curso, como
se a dependência do País em relação às orientações da União não fosse de
uma importância crescente.
Uma dependência que tem que ver com as políticas sabidas e também com as políticas furtivas que se vão concretizando sem a participação dos Parlamentos nacionais e informação à opinião pública. Uma das vertentes que parecem exigir maior atenção, pelos reflexos que tem nos interesses dos restantes membros, é a do alargamento, agora a caminho de se transformar num ritual, com ponto final predeterminado, as negociações para a admissão da Turquia. O alargamento para leste parece inspirado pelo objectivo, não declarado, de recolher toda a herança da NATO com adaptação do seu conceito estratégico de levar a libertação do Atlântico aos Urales, articulando sem grande meditação as definições de comunidade e de aliança. Talvez seja oportuno, e necessário, olhar criticamente para o Atlântico de onde partiu o movimento, dando atenção ao risco de afastamento entre o europeísmo e o americanismo, considerar a necessidade de continuar a tentar modelar a articulação entre a segurança do Atlântico Norte e a do Atlântico Sul, e repensar o estatuto dos arquipélagos que pontuam a linha divisória. Os arquipélagos portugueses estão por isso na Europa, assim como as Canárias estão na Europa por serem parte da Espanha. Todavia Cabo Verde, um Estado independente, parece nunca ter despertado a atenção dos órgãos institucionais, no sentido de serem iniciadas negociações para ser admitido na União. Do ponto de vista do conceito comunitário, é indiscutível que a sua sociedade civil incorporou na identidade cultural os valores que são denominadores comuns dos europeus, sendo uma das expressões mais bem sucedidas das sínteses culturais a partir de um multiculturalismo derivado do modelo de povoamento. A sua literatura é das mais enriquecedoras do espaço lusíada, e no que respeita à intervenção portuguesa, no processo euromundista da colonização, uma realidade que acompanha o milagre que foi a criação do Brasil. No conjunto dos Estados que se tornaram independentes em resultado do movimento geral descolonizador impulsionado pela ONU, Cabo Verde, limitado de recursos, é um exemplo de Estado de Direito, cumpridor escrupuloso das obrigações internacionais, confiável se atendermos aos critérios que orientam a Administração republicana dos EUA. Existe um movimento, ainda mal sustentado, no sentido de organizar uma espécie de unidade cooperativa dos arquipélagos atlânticos, e Cabo Verde nunca está ausente dos comentários publicados e das intervenções. Mas, por outro lado, e voltando às questões da segurança, não é possível sugerir qualquer modelo de organização do Atlântico Sul, e de articulação entre a sua segurança e a do Atlântico Norte, sem incluir Cabo Verde no processo, supondo que não recusará o consentimento e a colaboração. Por outro lado, a Europa é forçada a ter posição nesse projecto, que apelará ao interesse português, tantas são as soberanias de língua oficial portuguesa que se encontram nas duas margens. Cabo Verde tem uma identidade e um desempenho que fazem do seu povo e
da sua política uma referência segura de diálogo com todas as soberanias
africanas, uma mais-valia para a União Europeia.
Artigo publicado no jornal português Diário de Notícias (08.02.2005)
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