CARTA ABERTA AO PROCURADOR-GERAL
DA REPÚBLICA DA GUINÉ-BISSAU, DR. AMINE MICHEL SAAD (1)
É O PRÓPRIO
PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA, DR. AMINE MICHEL SAAD, QUEM NO PASSADO RECENTE
MAIS ACUSAÇÕES PROFERIU A RESPEITO DE CRIMES E CRIMINOSOS NA GUINÉ-BISSAU, POR
ISSO, É ELE, IGUALMENTE, FIGURA CHAVE PARA O ESCLARECIMENTO DE MUITOS CRIMES
OCORRIDOS NA GUINÉ-BISSAU! Didinho
"A
injustiça em qualquer lugar é uma ameaça à justiça em todo lugar."
(Martin Luther King)
QUEM
SÃO OS CULPADOS?
"Para cúmulo, o então Procurador-Geral da República (PGR), Amine
Saad, actual líder do partido União para a Mudança (UM),
permitiu-se lançar contra a minha pessoa gravíssimas acusações
que iam do tráfico de armas, à corrupção e ao múltiplo
assassinato. Acusações essas feitas sem provas e completamente
falsas".
"Na altura, o governo português (então liderado por António Guterres),
de acordo com a lei, recusou-se a levar em conta as acusações então
proferidas pelo Procurador-Geral Amine Saad, já que estas não tinham a
menor prova", frisa "Nino" Vieira.
Fonte: LUSA
“Que Nino deixe de chantagear o país”
A única opinião pouco diferente dos outros juristas foi de Amine
Saad que, embora não recusa o regresso de Nino, mas está bastante
chocado não pelo pedido do ex-PR, João Bernardo Vieira, de
regressar ao país para ser julgado mas sim, pela acusação de que
foi alvo por parte deste. Entende que está a fingir de inocente e
passa o tempo a chantagear o país.
Para Amine Michel Saad, ex-Procurador Geral da República no
Governo de Unidade Nacional, a anunciada intenção do ex-presidente
da República, João Bernardo Vieira ‘Nino’ de ser julgado mediante
a presença de organismos internacionais e sub-regionais, não passa
de uma mera hipocrisia.
Em declarações à Imprensa, a propósito, Amine Saad disse que
existem motivos suficientes para Nino Vieira ser julgado, porque a
acusação existe e factos que alimentam essas acusações também
existem.
“Se é que ele quer ser julgado na realidade, que peça às
autoridades portuguesas que lhe retirarem o estatuto de exilado
político”, aconselhou.
Bastante irritado com as acusações de Nino Vieira, Amine Saad
disse que o ex-chefe de Estado deve estar a padecer de “amnésia”.
“Se ele está a fingir que esqueceu tudo aquilo que fez no país,
talvez esteja a sofrer de amnésia em Vila Nova de Gaia”, rematou.
Conforme as suas declarações, as acusações mais sonantes contra
Nino Vieira, estão ligadas ao caso 17 de Outubro, 17 de Março,
morte do jornalista português Jorge Quadros nos meados da abertura
democrática e a vinda das tropas estrangeiras durante o conflito
político militar de 7 de Junho de 1998. “Jorge Quadros foi
assassinado ou não em Bissau, degolado. É verdade ou mentira? O
processo existe ou não existe? Isto aconteceu em Março de 1993 na
Guiné e Nino Vieira era Presidente da República e do Partido
único. Vai dizer que estes factos não existem ou que não têm a sua
comparticipação?!”, questionou o jurista.
Em relação ao caso 17 de Outubro onde morreu o coronel
Paulo
Correia, que Nino Vieira acusou de ter tentado o golpe contra a
sua pessoa; ele (Nino Vieira) não tem memória do trabalho que me
causou para procurar as valas comuns (o maior segredo do seu
regime) dos outros militares igualmente acusados e mortos na
aludida intentona”, salientou para advertir as autoridades do país
que os constantes pedidos de Nino Vieira para ser julgado não
passam de simples chantagem. “Se ele e os
seus comparsas na Guinésabem que a questão das valas comuns fazem parte dos crimes contra
a humanidade e que não estão prescritos ou seja não existe prazo
para recusar o processo, estaria calado lá em Vila Nova de Gaia
para que as pessoas lhe esquecessem”, acrescentou.
“A questão do tráfico de armas foi votado maioritariamente na ANP”
Sempre com palavras duras contra o ex-chefe de Estado, Saad
sublinhou ainda que se Nino tivesse a noção do sofrimento dos
familiares dos militares que mandou fuzilar (cujas mulheres e os
filhos não são viúvas nem órfãos porque não receberam os
documentos nesse sentido) não precisava de estar a pedir
julgamento, porque são crimes autênticos.
Quando referia ao caso 17 de Março que entre outras ditou a morte
do Major Robalo de Pina o ex- PGR tem a seguinte explicações: “As
pessoas foram detidas e torturadas, mas posteriormente
o Tribunal
disse que não estavam a tentar nenhum golpe de Estado. Em relação
à guerra de 7 de Junho, a pergunta que se faz é de saber quem
mandou vir a tropa estrangeira para a Guiné-Bissau? Quem causou
morte aos guineenses? Será que o Nino Vieira faz ideia do número
de guineenses que morreram no conflito de 7 de Junho? Será que não
são humanos? E o Nino ainda acha que tem motivos para estar a
dizer que foi acusado falsamente?”
O seu discurso deixa entender que se a decisão de julgar Nino
Vieira dependesse dele, só restava a este último sentar-se no
banco dos réus para responder. Pois, segundo ele,
matéria
acusatória existe até sobrar. A questão do tráfico de armas para
os independentistas de Casamansa também mereceu a atenção de Amine
Saad com a seguinte explicação: “Nino esqueceu que para averiguar
o processo de tráfico de armas houve uma resolução da ANP. Mesmo
com o estatuto de presidente da República e do PAIGC (partido que
tinha mais número de deputados na ANP) a resolução foi votada
maioritariamente pela Assembleia. O processo foi para a
Procuradoria e consta que Nino Vieira foi implicado no caso de
tráfico de armas, mas quem acusou Nino Vieira afinal?”. Importa sublinhar aqui que no período de Transição, depois da
guerra de 7 de Junho, Amine Saad foi quem exerceu o cargo de
Procurador Geral da República durante um ano. E nesse período
organizou uma operação pelas matas de Mentem, cujo objectivo era
descobrir as valas comuns alegadamente abertas durante o regime de
Nino Vieira.
Esta
carta aberta, num momento de grande expectativa sobre assuntos de foro criminal,
que dizem respeito ao país e aos guineenses, visa, acima de tudo, reclamar do Ministério Público
o
cumprimento das suas atribuições e responsabilidades constitucionais, face à
ausência de medidas e acções concretas, tendentes a pôr fim à impunidade na
Guiné-Bissau.
Dirijo-me particularmente ao senhor Procurador-Geral da
República, Dr. Amine Michel Saad que, pela segunda vez dirige o Ministério
Público e, pela segunda vez está a desperdiçar (mais) uma oportunidade de fazer
funcionar a Justiça na Guiné-Bissau.
São muitas as razões que me movem a escrever esta carta, mas
uma delas e a mais importante, é o desejo de ver esclarecidas as muitas questões
com ligações ao próprio Procurador-Geral da República, na qualidade de
investigador e acusador de processos criminais, aquando da sua primeira passagem
pelo Ministério Público.
É do conhecimento público e partilho nesta carta aberta
alguns registos que confirmam as minhas legítimas reivindicações, que o Dr.
Amine Saad investigou e acusou entre outros, o ex- Presidente João Bernardo
"Nino" Vieira e seus "comparsas" de assassinatos de diversas pessoas; de
envolvimento no tráfico de armas; de traição à Pátria, etc. etc.
É do conhecimento público que o Dr. Amine Michel Saad,
enquanto Procurador-Geral da República no seu primeiro exercício do cargo,
viajou para Portugal afim de obter a extradição do ex- Presidente Nino Vieira,
sem sucesso.
É do conhecimento público o teor de todas as acusações
proferidas pelo então Procurador-Geral da República, Dr. Amine Michel Saad
contra o ex- Presidente e seus "comparsas"!
Porém, após o regresso de Nino Vieira à Guiné-Bissau em 2005
e depois de ter ganho as eleições presidenciais desse mesmo ano, nunca mais se
ouviu nenhuma palavra do Dr. Amine Saad exigindo justiça pelos crimes praticados
por Nino Vieira e seus "comparsas"...
Afinal, o que aconteceu?
Onde estava o jurista decidido a julgar o ditador que tantos
crimes cometeu na Guiné-Bissau?
Teria havido um "pacto" entre Nino e Amine?
O certo é que Amine Saad ficou calado e Nino Vieira não se
insurgiu contra Amine Saad...
Perante uma situação tão difícil de perceber, o que tem a
dizer aos guineenses o actual Procurador-Geral da República, precisamente, o Dr.
Amine Michel Saad?
Havia ou não; tem ou não, provas contra o ex-Presidente e seus
"comparsas"?!
Diga a verdade, a sua verdade que seja, DR.
AMINE MICHEL SAAD!
É que adiou-se a justiça ao não ser instaurado um processo
judicial para julgar Nino Vieira e todos os seus "comparsas", o que contribuiu
para o agravamento da impunidade no país e, consequentemente, para um ajuste de
contas com o passado, tantas eram as motivações para vinganças a propósito da
guerra de 1998/99.
Se Nino Vieira e seus "comparsas" tivessem sido julgados,
muitas verdades teriam sido descobertas, a bem da Justiça, do Estado de Direito
e da Reconciliação Nacional!
Muitos males (re) introduzidos na Guiné-Bissau após o seu
regresso em 2005 poderiam ter sido evitados, caso concreto da praga do
NARCOTRÁFICO!
O Dr. Amine Michel Saad prestou, na altura, um mau serviço
ao país, já que se gabava de ter provas das inúmeras e gravíssimas acusações
proferidas contra o regime ditatorial do ex-Presidente João Bernardo Vieira.
De corajoso, determinado e
comprometido com a Justiça e o interesse Nacional, veio a concluir-se que o Dr.
Amine Saad era apenas uma imitação, pois de corajoso, determinado e comprometido
com a Justiça e o interesse nacional nada tinha.
Da intenção de fazer funcionar a Justiça, acabou por ser
conivente com a impunidade, mantendo uma relação de promiscuidade entre o
direito de servir o cidadão e o dever de fazer funcionar a Justiça.
Aquando da sua tomada de posse em Novembro de 2009, depois
de nomeado pelo Presidente Malam Bacai Sanhá, o Dr. Amine Saad disse tudo o que
sabia ser agradável ouvir.
Sabia, contudo, que os guineenses não se tinham esquecido da
sua anterior passagem pelo Ministério Público...
Promessas de lutar sem tréguas contra o crime organizado em
geral, dando a entender ter passado de imitação a real.
Não! Uma vez mais, o Dr. Amine Michel Saad não passou, não
passa de imitação!
Brevemente o 2º Capítulo
"Fazer
a justiça esperar é uma injustiça." (Jean de La Bruyère)
O "caso Jorge Quadros" -
ex-assessor de Nino
Vieira assassinado em 1993 -
continua por esclarecer
tanto em Portugal como na
Guiné
Por:
Ana
Dias Cordeiro
O ex-Presidente
João Bernardo "Nino" Vieira,
o ex-director-geral da
Segurança do Estado,
João Monteiro,
e o ex-ministro do Interior
Abubacar Baldé,
da Guiné-Bissau, são as três
pessoas apontadas como
"autores morais do crime" de
homicídio do cidadão
português Jorge Quadros, num
depoimento de um antigo
responsável dos serviços
secretos guineenses,
Baciro Dabó.
Nessa qualidade, Baciro Dabó
esteve ao lado de Nino
Vieira até este ser deposto.
Depois manteve
responsabilidades com a
chegada ao poder de Kumba
Ialá em 2000. No seu
depoimento, em 1999, no
processo de inquérito
guineense, Baciro Dabó fala,
na qualidade de "suspeito",
sobre a morte de Jorge
Quadros. O português ocupara
até 1993 (ano em que foi
morto) o cargo de assessor
da Presidência guineense.
Documentação relativa ao
caso foi entregue em 1999
pelo então Procurador-Geral
da República da
Guiné-Bissau, Amine Saad, à
Procuradoria-Geral da
República (PGR) em Portugal.
Ao mesmo tempo, o resultado
do inquérito concluído deu
entrada no Tribunal Regional
de Bissau.
O caso
não foi arquivado:
"Os
autos estão muito bem
guardados",
disse ao PÚBLICO uma fonte
oficial do tribunal.
Amine Saad,
responsável pela
investigação,
foi exonerado do cargo de
procurador-geral, em 2000,
após a entrada em funções do
Governo eleito de Kumba
Ialá. Passaram-se cinco anos
sem que se tenham registado
avanços, em Portugal ou na
Guiné-Bissau, no
esclarecimento do crime.
Nino Vieira reside desde
Junho 1999 em Portugal, onde
lhe foi concedido asilo
político depois da guerra.
Contactado ontem pelo
PÚBLICO, o general Nino
Vieira, não comentou as
acusações de que é alvo.
"Porque tem o estatuto de
exilado político, não pode
dar entrevistas", respondeu
a mulher Isabel Vieira. "Um
dia ele terá oportunidade de
dizer tudo".
Admitindo um eventual
regresso à Guiné, Nino
Vieira tinha afirmado - numa
carta enviada à Liga
Guineense dos Direitos
Humanos em 2003 mas só
tornada pública em 2004 -
estar disposto a ser julgado
em Bissau. Na mesma carta,
refutava as acusações
"gravíssimas" e
"completamente falsas"
lançadas por Amine Saad,
entre as quais as relativas
à morte de Jorge Quadros.
Os "implicados" ouvidos no
âmbito do inquérito a essa
morte, entre os quais João
Monteiro e os alegados
autores materiais, também
desmentem os factos que lhes
são imputados.
Um deles, Bacar Sane,
nega ter sido autor material
do crime mas confirma ter
sido chamado ao gabinete de
João Monteiro,
onde
lhe terá sido transmitida a
intenção de "assassinar"
Jorge Quadros, "porque este
andava a difundir programas
radiofónicos contra a pessoa
do Presidente Nino Vieira".
Documentação em Lisboa
Os depoimentos
constam da documentação a
que o PÚBLICO teve acesso
por consulta directa na PGR
em Lisboa, em 2004. No
dossier, entregue ao
Procurador-Geral da
República Cunha Rodrigues em
1999, estão peças
processuais e um memorial
redigido pelo
Procurador-Geral da
República guineense,
Amine Saad, com uma
lista de acusações contra o
ex-Presidente, entre as
quais traição à pátria,
corrupção, má governação,
(entre outras), "e sobretudo
de homicídio qualificado ou
voluntário na pessoa do
cidadão português Jorge
Quadros".
Na altura, Cunha Rodrigues
informou Amine Saad de que
qualquer pedido de
extradição de Nino Vieira
para a Guiné-Bissau teria de
ser feito formalmente por
via diplomática e do
Governo.
A
solicitação formal nunca
chegou da Guiné-Bissau
e nenhuma diligência foi
iniciada por parte da
justiça portuguesa.
A PGR portuguesa entendeu na
altura que "era
contra-indicado iniciar uma
investigação em Portugal,
tendo em conta que todas as
provas estavam na
Guiné-Bissau".
Independentemente desses
depoimentos e da
credibilidade dos
testemunhos incriminatórios
poder ser posta em causa
pelo momento político que se
vivia na Guiné-Bissau e pela
qualidade de "suspeito" de
Baciro Dabó, o Ministério
Público português dispunha
de matéria suficiente para
iniciar uma investigação à
morte de Jorge Quadros.
A lei penal portuguesa é
aplicável a factos cometidos
fora do território nacional
por portugueses ou por
estrangeiros contra
portugueses sempre que "os
agentes forem encontrados em
Portugal" e "forem também
puníveis pela legislação do
lugar em que tiverem sido
praticados" e tem lugar
"quando o agente não tiver
sido julgado no país da
prática do facto". O caso
não tinha sido julgado.
Nessas circunstâncias, a lei
portuguesa não impedia que
uma investigação se
iniciasse em Portugal tendo
em conta, por outro lado,
que o inquérito esteve
parado na Guiné-Bissau.
Contactado, o Presidente da
Comissão dos Direitos
Humanos da Ordem dos
Advogados, Carlos Pinto de
Abreu confirmou "a
possibilidade de
investigação e punição, em
Portugal, do crime de
homicídio de cidadão
português cometido fora do
território nacional, dentro
dos condicionalismos dos
artºs 5º, nº 1, al. c), e
6º, nº 1, ambos do Código
Penal".
Ou seja, que, conforme a
jurisprudência e a título
subsidiário, é possível "a
instauração e prosseguimento
do respectivo processo-crime
nos tribunais nacionais
enquanto não houver
conhecimento da adequada
acção penal pelo tribunal
estrangeiro".
Também para Rui Pereira,
professor de Direito Penal
da Universidade Nova de
Lisboa, "num caso em que
corra um processo penal num
país estrangeiro mas o
agente não tiver sido
condenado nada impede que
ele seja julgado em
Portugal. O que não pode é
ser condenado ou punido duas
vezes pela prática do mesmo
facto".
Pelo contrário, em
interpretação da lei, o
magistrado da PGR em Lisboa
que, em 1999, analisou o
expediente entendeu que a
lei portuguesa "não permitia
a abertura de um processo em
Portugal tendo em conta a
existência de uma
investigação na
Guiné-Bissau".
PÚBLICO - 04.03.2005