CARTA ABERTA AO PRESIDENTE DE ANGOLA
Sua Excelência
Sr. José Eduardo dos Santos
Presidente
República de Angola Nova Iorque, 4 de Fevereiro de 2008
Assunto: Canal ‘Angolano’ para os Países de Língua Portuguesa: esclarecimento e proposta
Sr. Presidente,
1. É com a mais alta consideração que, gostaria de lhe informar que, foi com um misto de surpresa agradável e, no entanto, uma certa apreensão, que tomei conhecimento recentemente, através da imprensa, do anúncio acabado de fazer pelas autoridades angolanas, concernente ao lançamento, para breve, de um ‘Canal de Televisão para os Países de Língua Portuguesa’.
2. A razão que me leva a endereçar esta missiva a Sua Excelência, é o facto de que, em busca de financiamento, tenho vindo a discutir, concreta e especificamente, com responsáveis angolanos, próximos a si, precisamente, a ideia de um projecto semelhante, na área da comunicação social para todo o continente africano, o qual é minha intenção ver implementado, numa fase inicial, conjuntamente, pelos PALOP, com a liderança de Angola. As razões são óbvias. Angola dispõe dos recursos, tanto económicos como humanos, factores que colocam o país numa posição única, não só a nível do continente africano, mas também, no seio da comunidade das nações.
O meu empenho em promover Angola e a CPLP não é súbito, nem data de hoje
3. Sr. Presidente, como deve ser do seu conhecimento, após anos de apoios directos e substantivos, à Missão Permanente de Angola Junto das Nações Unidas, em Nova Iorque, sobretudo no que concerne à área da comunicação social, tive o distinto privilegio de acompanhar o Secretário-Geral das Nações Unidas, Boutros-Boutros Ghali, na sua primeira visita a Angola, em Julho de 1995. Posteriormente, viria a servir também como Porta-Voz do Processo de Paz, e, Chefe da Divisão de Informação, sob a direcção do saudoso Representante Especial do Secretário-Geral, Maitre Alioune Blondin Beye, no quadro da UNAVEM III.
4. O meu interesse e determinação, em ver Angola ocupar e desempenhar um papel de destaque, no continente africano, nunca foram segredo para ninguém. Dada a oportunidade que me foi proporcionada de ganhar um conhecimento profundo desse magnífico país e, constatar, as suas enormes potencialidades, apesar de não ser cidadão, saí desse país convicto de que era uma obrigação minha, envidar esforços, juntamente com os angolanos e, contribuir na medida do possível, para ajudar a elevar Angola, aos olhos da comunidade internacional, para a posição, que sei, tem todas as condições de ocupar, e deve. Sem quaisquer pretensões de querer assumir o papel de planificador do futuro de Angola, mas apenas, imbuído do entusiasmo e devoção que me suscitou a minha convivência diária com as várias camadas desse povo singularmente acolhedor, comecei a ponderar o que fazer, para além das minhas responsabilidades oficiais.
6. Profundamente preocupado com a importância da imagem de Angola para o seu futuro, pouco depois de ter concluído a minha comissão, utilizando meios e recursos próprios, regressei a Luanda em Agosto de 1996, e, apresentei à Televisão Popular de Angola (TPA), um projecto para uma produção conjunta de um documentário sobre o país, tentativamente intitulado: “Isto... É Também, Angola”, ou; “Isto Também... É Angola”. O objectivo principal da produção era o de apresentar uma outra face do país ao mundo, enaltecendo os esforços dos cidadãos e, dos seus dirigentes, em várias esferas, nas suas tentativas de enfrentar os desafios que lhes foram injustamente impostos pelos anos intermináveis de conflito. Por outras palavras, a mensagem ao resto do mundo, era: “Vejam. Para além das imagens intimidativas da guerra, existe uma outra Angola. Uma Angola em que o povo continua a trabalhar, a produzir, e, sobretudo, a viver”. Incidentalmente, figuras muito próximas a si testemunharam, parte das filmagens na ‘Ilha de Luanda’. Infelizmente, por razões técnicas, o projeto acabou por não ser concluído.
7. No entanto, a minha preocupação e interesse com relação ao futuro do país não ficou por aí. Nas discussões que tenho vindo a manter, inclusive, com altos oficiais do governo angolano, aos quais pedi expressamente que o informassem das minhas propostas, destacam-se as seguintes áreas que, sugeri, deviam merecer um investimento significativo e imediato do governo, daquele que, de há muito a esta data, tenho vindo a denominar de, ‘País Piloto do Continente Africano’:
8. Estes são apenas alguns dos pormenores daquilo que, espero, venha a ser, um projecto conjunto, implementado por países irmãos, pelo menos, no que toca à comunicação social, o qual poderá vir a servir mormente, não só, os interesses específicos de Angola, elevando o seu perfil, mas também, como forma de dinamizar a comunidade dos PALOP, aproximando ainda mais, os seus cidadãos. É minha profunda convicção de que, com um investimento adequado nestas e, noutras áreas, Luanda poderia passar a ser uma cidade ainda mais cosmopolita, catapultando assim Angola para a posição de centro das principais actividades do continente.
9. No caso concreto do projecto de comunicação social, o mesmo já conta com um ‘website’ próprio, cujo registo e serviço, tenho vindo a pagar regularmente, estando a sua publicação, apenas pendente dos resultados da proposta de uma implementação conjunta, verbalmente discutida, com um dos principais representantes do Governo de Angola nos Estados Unidos.
10. Sr. Presidente, a minha experiência profissional ensinou-me que não há nada capaz de galvanizar e, unir povos e comunidades, do que trabalhar juntos, de mãos dadas, na consolidação de projectos comuns. Na minha opinião, é esta a componente que está a fazer falta, sobretudo entre os Países Africanos de Língua Portuguesa (PALOP); a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), ou mesmo; a União Africana (UA), na materialização dos seus anseios, rumo a uma integração regional harmoniosa. Foi nesse espírito e, sem quaisquer reservas, que apresentei intencionalmente a proposta em questão, ao representante do governo de Angola, na expectativa de ver o país assumir uma posição, não de promotor singular, mas sim, de liderança.
11. Por exemplo, não foi por ingenuidade que, ao longo dos anos, nos meus programas de televisão - o primeiro a ser, produzido e apresentado por um africano, em Nova Iorque, o maior mercado mundial – comecei, a utilizar Cabo Verde como, ‘País Modelo’ (com mérito próprio), dentre os paises africanos, designando-o, intencionalmente, de país: “Em desenvolvimento”, em vez do termo, então prevalecente de, “sub-desenvolvido”. Por outro lado, também não é menos verdade que Angola, Timor-Leste e, Moçambique foram, sem dúvida, outros dos países que, pela natureza das suas circunstâncias, a sensibilidade e, a complexidade dos seus processos, mais beneficiaram de uma atenção particular da minha parte. No entanto, apesar do imenso respeito e carinho que me tem sido demonstrado, nunca procurei, nem obtive, qualquer beneficio pessoal por parte dos representantes destes países.
Não sou, de modo algum, insensível às ‘nuances’ dos profissionais da política e da diplomacia.
12. Esta situação afigura-se-me particularmente lamentável, acima de tudo, tendo em conta o facto de que, na altura em que discuti o projecto com um dos seus representantes directos, foi-me solicitado sigilo total, de forma a permitir uma gestão mais eficaz da proposta por parte do oficial em questão. Por isso, tendo cumprido com a parte que me cabe, e, não sendo minha intenção abnegar a iniciativa, espero que esta minha manifestação de magnanimidade, para com o futuro e o progresso de um país com o qual me sinto profundamente identificado, não venha a ser utilizada de forma a neutralizar o espírito que norteou os meus esforços, num processo no qual foi minha intenção beneficiar, não só Angola, mas também, toda a comunidade lusófona.
13. Sr. Presidente, estou absolutamente consciente do facto de que, situações do género acontecem, sobretudo, tratando-se de projectos com esta envergadura e, potencial. Não é a primeira vez que tomo iniciativas, avançando ideias ou propostas que são implementadas por políticos, ajudando a avançar suas carreiras, sem que se tenha qualquer ideia de que fui eu quem as concebeu. Estou seguro que, na sua posição de líder, também, não é a primeira vez que se vê confrontado com semelhante dilema. Nunca tive qualquer problema com esta estratégia, pois compreendo a dinâmica política envolvida, a qual não diminui as minhas perspectivas de carreira internacional. É por isso que espero que compreenda a minha surpresa, ao ver o governo anunciar agora, publicamente, o lançamento do projecto em questão, sem se ter dignado contactar-me, tendo mesmo já seleccionado alguém para a sua implementação. É óbvio que, se me propus conceber tal projecto, também gostaria de fazer parte do mesmo e, se possível na qualidade de seu coordenador. Neste caso específico, julgo que, um ‘quid pro quo’, é justificado.
Particularidades adicionais que me qualificam para fazer parte da gestão de um tal projecto, contribuindo - não só, uma experiencia profissional testada internacionalmente, mas também - a necessária credibilidade
14. Tendo adoptado um estilo de gestão caracterizado pelo facto de que, sempre trabalhei lado-a-lado com os meus funcionários, produzindo eu próprio programas, nomeadamente na Televisão Popular de Angola (TPA), creio estar em posição de afirmar com honestidade, modéstia e, legitimidade que, Angola é um país onde o meu desempenho dispensa apresentações.
15. Por exemplo, em 1995, fui responsável pela produção e apresentação do videodocumentário: ‘A Mesa Redonda de Bruxelas para a Reconstrução Nacional e a Reabilitação Comunitária de Angola’, produzido em colaboração com a TPA, e financiado pelas Nações Unidas, a qual foi utilizada para demonstrar à comunidade internacional, as necessidades mais básicas do país. Para esta produção, ofereci os meus serviços, grátis, trabalhando até altas horas da noite, libertando assim, mais de $30,000.00 (trinta mil dólares) para outros projectos do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), em Angola. Nessa conferência, que teve lugar em Bruxelas, Bélgica, em Setembro de 1995, Angola obteve cerca de um $1 bilião de dólares.
16. Para mais, convencido de que a melhor forma de servir um país é através da criação de postos de emprego para os seus cidadãos, tomei a firme decisão de ‘angolanizar’ a Missão das Nações Unidas, começando, como exemplo, pela própria Divisão de Informação, um processo que, pela forma como foi concebido, continuou, mesmo após a minha substituição. O Media Institute for Southern Africa (MISA), o ‘Instituto da Comunicação Social para a África Austral’, e, o ‘Sindicato dos Jornalistas de Angola’ aplaudiram publicamente o meu trabalho. No seu relatório de Fevereiro de 1996, a organização internacional de direitos humanos, ‘Human Rights Watch’, baseada nos Estados Unidos, qualificou os meus programas de: ‘Respeitados’. Concluída a minha comissão de serviço em Angola, a minha competência profissional foi avaliada, em Maio de 1996, pelo saudoso Representante Especial do Secretário-Geral das Nações Unidas, com menções honrosas que incluíram: “Fora de série, com um desempenho distintamente superior, o qual ultrapassa, de longe, expectativas razoáveis, inclusive, em áreas como a criatividade, a originalidade e, o espírito de iniciativa”. Esta é uma avaliação que é reservada apenas para, os 24% dos Funcionários Internacionais, no topo da escala.
(Incidentalmente, o sucesso do meu livro: “Polon Di Brá”’, sobre a “Guerra Civil da Guiné-Bissau” de 1998-1999, publicado em tempo recorde, foi notado pela Amnistia Internacional, Repórteres Sem Fronteiras e, a Agência Sueca para o Desenvolvimento Internacional, ASDI).
Proposta
17. Creia-me, Sr. Presidente, é possível montar um projecto multimédia, não só para os Países de Língua Portuguesa, mas para todo o continente africano, o qual continua a carecer de uma voz própria. E, sei que Angola está em posição de liderar o processo. O facto de que já existe um projecto, devidamente elaborado, com as necessárias avaliações dos custos de material e, facturas ‘pro-formas’ (por actualizar), constitui uma enorme vantagem, pois irá facilitar e, acelerar a implementação da iniciativa. Se assim o desejar, os detalhes cruciais, que ainda não são do domínio público, estão completamente disponíveis para uma verificação e, avaliação imediatas da sua parte, após o qual, agradecia obter uma reacção de Vossa Excelência. Entretanto, estou seguro de que compreenderá as razoes que me levam a reagir, ao anúncio desta iniciativa, o qual não podia ignorar. Inicialmente, um colega jornalista brasileiro das Nações Unidas sugeriu que aproximasse o governo do Brasil para obter o necessário financiamento. No entanto, decidi contactar, primeiro, o governo angolano, na expectativa de conduzir o processo.
18. Na edificação de qualquer infra-estrutura, os alicerces mais sólidos, incluindo para as comunidades, são os que tomam em devida conta, a comunhão de interesses do colectivo visado e, assentam numa base absolutamente participativa. Neste caso concreto, considerando que o objectivo anunciado é de que o canal em questão sirva a audiências em ‘todos os países lusófonos’, proponho a criação de uma comissão conjunta, que inclua profissionais da área da comunicação social, representando todos os países em questão, com cada um dos seus membros a contribuir, realisticamente, a perspectiva cultural do seu país, como aliás está na minha proposta original, cujo conteúdo, já agora, lhe sugiro também, seja discutido.
19. Esta seria também a melhor forma de evitar as críticas que hoje são feitas a outros projectos, destinados às audiências destes mesmos países que, em geral, incluem muito pouco – no domínio da concepção e gestão de programas – a participação, em termos de emprego do pessoal e, dos pontos de vista dos profissionais oriundos destes países, tornando-nos a todos, mais e apenas, em receptores massivos e passivos de mensagens, em vez de participantes activos, em todas as fases do processo. A meu ver, respeitar todas as sensibilidades, através de um processo inclusivo, é a forma mais precavida de garantir, a longo termo, o sucesso do projecto, logo à partida. Estou convencido que não é intenção de Angola desempenhar, de modo nenhum, o papel de ‘substituto’ daqueles, cujas atitudes, têm sido objecto das nossas próprias críticas. Aliás, espero que concorde que, com esta iniciativa, a causa comum da comunidade seria melhor servida com Angola a criar um canal, não ‘para’, mas ‘com’, os países de língua portuguesa.
20. Finalmente, ao abordar aqui esta questão, quero assegurar-lhe de antemão, da nobreza das minhas intenções, ao mesmo tempo que espero poder desenvolver num futuro próximo, uma cooperação frutífera e, mutuamente vantajosa, para todas as partes interessadas. Para tal, conto poder vir a apoiar da melhor maneira possível a iniciativa, utilizando assim a minha experiência a nível internacional, a qual me permitiu elaborar o projecto original e submeter a ideia a Angola.
Com a mais alta consideração, subscrevo-me,
João Carlos Gomes
Escritor/Jornalista
Nova Iorque
Cc: Presidentes: João Bernardo Vieira, Guiné-Bissau; Pedro Pires, Cabo Verde; Armando Guebuza, Moçambique; Fradique de Menezes, São Tomé e Príncipe; José Ramos Horta, Timor Leste; Luis Inácio Lula da Silva, Brasil; Aníbal Cavaco Silva, Portugal; Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, Guiné Equatorial; Secretário Executivo Embaixador Luis Fonseca, CPLP; Embaixador Ismael Gaspar Martins, Angola, Nações Unidas; Embaixadora Josefina Pitra Diakite, Angola, Washington; Comunicação Social.