Deputados Prestaram um Mau Serviço à Democracia

(Ponto de Vista)

 

“A história nos incumbiu a missão de desenvolver este País”.

Bacai Sanhá

 

 

Rui Jorge  da Conceição Gomes Semedo

 

rjogos18@yahoo.com.br

 

12.11.2009

 

 

Rui Jorge SemedoA democracia é hoje um dos modelos políticos que mais vigora em grande parte dos países, no entanto, cada país procura enquadrar o modelo a sua própria realidade social e política. Muito recente na Guiné-Bissau, ela reclama por ajustes que facilitem sua institucionalização, mas a incompreensão do modelo e, sobretudo as enormes dificuldades de instituições responsáveis para o seu funcionamento dificultam gravemente o aperfeiçoar de regras que garantem a participação e contestação. 

Duas emendas de lei-eleitoral foram recentemente aprovadas no Parlamento guineense. A primeira foi a emenda que criou novo regulamento para se candidatar ao cargo de presidente da República. Esta nova lei obriga os candidatos às próximas eleições a depositarem uma caução de 20.000.000 de F.cfa para, entre outros, validarem suas candidaturas. E caso o candidato não atinja 10% de votos validamente expressos, perderá o direito de recuperar o dinheiro, que será revertido aos cofres públicos e depois destinado ao fundo da democracia. A segunda obriga a automática extinção de partidos ou coligações que não conseguirem atingir 5% de votos validamente expressos nas legislativas. A medida apresentada pela bancada do PAIGC também teve apoio da bancada oposicionista liderada pelo PRS. Para defensores das emendas, isso visa por um lado reduzir o elevado número de candidatos à Presidência da República e, por outro lado, permitir que menos partidos compitam pelos votos que dão acesso à ocupação de cadeiras no Legislativo e controle do Executivo.

No mínimo, e dentro dos critérios de princípios democráticos pode-se dizer que é irracional agir dessa forma. Apesar de não se poder negar hoje o elevado índice de proliferação de partidos e candidatos nas eleições, isso se levarmos em consideração o número de habitantes que temos (1.700.000hab, aproximadamente) e com apenas pouco mais de 500.000 eleitores. Mas, mesmo com esse cenário, não é recomendável a criação de leis antidemocráticas como forma de controlar a situação. Além do mais, a proliferação de partidos e candidatos é própria de uma sociedade multi-étnica e, sobretudo, com elevado índice de analfabetismo como a nossa.

É contra as leis da democracia extinguir partidos ou coligação de partidos porque tiveram baixo desempenho nas urnas ou deixaram de comparecer em determinadas eleições. Em alguns países, como o Brasil, por exemplo, um dos mecanismos para controlar a proliferação de partidos é retirar o beneficio de fundo partidário àqueles que não atingiram 10% dos votos nas eleições, salvo erro. Na Guiné, contrariamente, há muito que os partidos não são beneficiados com fundos provenientes do Governo para apoiar suas atividades políticas, devido à falta de recursos. E preferimos não acreditar no que dizem algumas pessoas, que essa estratégia é para permitir ao PAIGC e ao PRS terem o domínio sobre o ambiente político nacional. Pois, o sistema bipartidário de competição eleitoral como nos Estados Unidos, Portugal, Cabo Verde, etc., foi resultado de um processo consolidado que permitiu naturalmente dois partidos competindo a nível nacional por votos dos eleitorados, o que não quer dizer que não existem nas arenas Estaduais e Municipais pequenos partidos a competir.    

A democracia faz parte de um conjunto de “pacotes” padronizados de ideais liberais. Da mesma forma como funciona o mercado econômico, a democracia também se auto-regulariza à medida que são criadas condições institucionais legais para o seu funcionamento. Ou seja, é o próprio sistema que naturalmente vai de acordo com a sua institucionalização eliminar pequenos partidos e candidatos fracos na arena de competição eleitoral e não as leis ilusórias e inconsistentes que irão desempenhar essa função. Como chegar à institucionalização? É um processo que exige respeito pelo princípio do jogo democrático, no entanto, alguns requisitos são fundamentais para atingir o objetivo, como: ausência de golpes de Estado, ausência de queda do Parlamento e do Executivo, remodelar o Governo com menos frequência e de forma racional, selecionar para Legislativo pessoas com reconhecidas capacidades técnico-administrativa, idoneidade do Judiciário, submissão do poder militar ao civil, fidelidade e disciplina partidária, realização de eleições livres, justas e transparentes, e criação de uma consciência cidadã na sociedade que deve se sustentar mediante um investimento educacional sério. Portanto, adequar o nosso sistema às leis democráticas significa ausência da violência institucional, mais responsabilidade pública, e, isso ajuda a reduzir a proliferação de pequenos partidos e candidatos fracos nas eleições. 

A condição exigida para se concorrer à Presidência da República nas próximas eleições seguramente não será barreira para impedir a afluência de possíveis candidatos por motivos que são óbvios. Pois, nosso sistema de finanças públicas ainda não consegue controlar o rendimento anual financeiro dos contribuintes (pessoas físicas), o que abre uma enorme possibilidade na alocação fácil e por vias criminosas de recursos para concorrer às eleições presidenciais. E literalmente pode-se dizer que a referida lei vai apenas incentivar o crime financeiro contra as finanças públicas. Desafio que o nosso sistema de segurança pública não tem estrutura para enfrentar, tanto que existem cidadãos que de dia para noite aparecem com fortunas (dinheiro, palácios e carros de elevado valor) e não são questionados sobre a procedência da riqueza que adquiriu em pouco tempo sem ter herdado dos pais ou ganho na loteria. E mais, um número insignificante de servidores públicos consegue ter rendimento anual de 5.000.000 F.cfa e se conta pelos dedos os que têm nos bancos (seja na conta corrente ou poupança) valor correspondente a 1.000.000 de F.cfa.  Criar leis incompatíveis com a realidade do país, em linhas gerais, é motivar cidadãos a praticar crimes. Não obstante, resta saber em que moldes ficará a lei de financiamento público das campanhas eleitorais, evento em que habitualmente circulam elevados valores de procedência duvidosa, além de descarado desvios de bilhões do cofre público. Por que candidatos, partidos ou coligações não declaram seus gastos de campanha nas Contribuições e Impostos?         

Há muita coisa que precisa ser revista na nossa lei eleitoral, e, apesar da legitimidade que os deputados têm para fazê-la, contraditoriamente, uma parte considerável carece de um adequado preparo técnico para discernir o assunto e se limitam apenas aos empurrões da liderança partidária. Votam favoravelmente ou não porque simplesmente foram mandados e abdicam-se outrora por falta de conhecimento da realidade de ver o interesse nacional. Por isso, às vezes, é pertinente convidar especialistas para ministrar palestras sobre o funcionamento da democracia e suas leis para precavê-los em tomadas de decisões, no sentido de contribuir para dissipar algumas dúvidas sobre as matérias complexas.

Com o mau serviço prestado à democracia pelos deputados da Assembleia Nacional Popular, agora se espera uma correção do presidente da República Bacai Sanhá que deve responder à situação de modo mediato, reflexivo e racional para salvar o barco de um possível naufrágio democrático. Outrossim, esperamos a contribuição exemplar de seus assessores em mostrar-lhe não só a inconstitucionalidade da nova lei como a sua inadequação ao pleno funcionamento da democracia e não promulgar a emenda ora aprovada pelos parlamentares.       


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