Direito de asilo e mutilação genital feminina na União Europeia
Artigo de opinião de Emma Bonino, eurodeputada italiana
Este fenómeno deve induzir os países da União Europeia
(UE) a tomarem plena consciência da natureza e dimensão do problema e a porem em
prática as políticas necessárias para combater esta prática violenta e desumana,
mas ainda muito enraizada em certas tradições.
A via repressiva, manifestada através da legislação específica, ainda que
desejável, não é, todavia, suficiente. É preciso igualmente oferecer um apoio
concreto, por um lado, às mulheres que são vítimas da mutilação dos seus órgãos
genitais e, por outro, à luta das organizações que, em África, como na Europa,
se batem pelo combate à ignorância e promovem e apoiam as mudanças culturais.
Uma das maneiras eficazes para oferecer apoio e protecção às possíveis vítimas
da MGF é, seguramente, a concessão do direito de asilo. De resto, o próprio
Parlamento Europeu — que adoptou, em finais de 2001, um projecto de resolução
apresentado em 2000 pelos deputados do Partido Radical italiano e aprovado pela
maioria absoluta dos eurodeputados — propôs considerar o risco de alguém poder
ser vítima de tal prática como motivo suficiente para a concessão do direito de
asilo por parte dos países da UE.
O problema é que actualmente não existe uma definição de "refugiado" a nível da
UE, mesmo que o comissário António Vitorino [responsável pela Justiça e pelos
Assuntos Internos], com a sua proposta de directiva, de Setembro de 2001, tente
colmatar esta lacuna, como de resto requer o artigo 63º do Tratado CE, que prevê
que até 2004 o Conselho adopte normas mínimas relativas à atribuição do estatuto
de refugiado aos cidadãos de países terceiros.
Vale hoje o que estabeleceu a Convenção de Genebra de 1951 sobre os refugiados,
na qual se apoia a UE, segundo a qual o asilo será concedido se existir o
"receio fundado de perseguição por motivos atentatórios à raça, à religião, à
nacionalidade, à opinião pública ou à pertença a um grupo social determinado".
Ora, não deixa de ser estranho que uma sistemática violação do direito à
integridade física como a que deriva da MGF não possa ser qualificada como
"perseguição" e que não se possam considerar as mulheres como um "grupo social"
(como indicou também o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados,
ACNUR). Sobre esta base existem já casos precedentes de concessão do direito de
asilo em França e na Alemanha. Para evitar, porém, interpretações restritivas é
necessário que a UE e os Estados-membros modifiquem, como for necessário, as
próprias leis, para que se possa oferecer, sem ambiguidades, protecção a estas
mulheres.
E eis aqui outra frente: a das campanhas para erradicar a MGF de algumas
tradições. Numerosas organizações em África e na Europa estão empenhadas nesta
difícil batalha. Com o apoio da Comissão, a No Peace Without Justice e a AIDOS
promoveram o projecto STOP FGM (www.stopfgm.org), que tem como objectivo
fornecer apoio — não apenas material mas também jurídico — às ONGs e aos
Governos empenhados na luta contra a mutilação sexual. Entre os dias 21 e 23 de
Junho vão reunir-se no Cairo — sob o patrocínio do National Council for
Childhood and Motherhood e o apoio da Egyptian Society for the Prevention of
Harmful Practices to Woman and Child — activistas e ministros dos países
vizinhos a fim de identificarem as melhores políticas de combate à MGF.
Fonte: PÚBLICO.PT