Doença de Alzheimer: Quando o mundo se fecha
08.05.2011 Escrevi este artigo por volta de 2005 a pedido de um grande amigo, para o jornal da peça de teatro que acabara de encenar. Em 2007 lembrei-me de que o tinha guardado e, depois de ter falado esta tarde com o Sr. que me suscitou as reflexões sobre as pessoas que sofrem a doença de Alzheimer, aqui partilho convosco.
A doença de
Alzheimer foi descoberta por Alois Alzheimer, um psiquiatra do século XIX, sendo
actualmente considerada a forma mais comum das demências.
Doença sim, é a degeneração progressiva, a vários ritmos, das células cerebrais, que caracteriza a doença de Alzheimer. Esta degeneração provoca perdas em capacidades funcionais importantes para a vida do dia a dia, como os problemas de memória, as alterações na forma de pensar e de agir. É comum que as pessoas que sofrem esta doença encontrem dificuldade em recordar, em perceber o que os outros lhe dizem; em concentrar-se; em situar-se no tempo e no espaço; e em completar tarefa simples. Ou seja, com a perda celular perdem-se as faculdades que até então permitiam uma vida normal. A faceta mais visível da doença de Alzheimer é a do discurso que vai ficando cada vez mais incoerente, a do comportamento que se torna bizarro e que se vai despindo de todos os pudores (principalmente quando não houve intervenção precoce). Menos visível é o mundo interior e emocional destes doentes, que no seu estranho linguajar, deixam os que lhe são próximos atónitos, e os que lhe são mais distantes, distantes. No todo, para quem está de fora, afigura-se como um comportamento que se aproxima cada vez mais da loucura, algo que não se compreende. Mas o falar e o agir destes doentes contêm, ainda assim, uma linguagem que pode e deve ser compreendida, se bem que afastada das normas linguísticas e culturais. As alterações do humor e das emoções, muitas vezes acompanhadas de estados de tristeza, deixam entrever uma linguagem da perda, do abandono, do desespero, quiçá do medo, que à custa de não se fazer entender, se vai enclausurando cada vez mais na alienação da sua condição alienante, e por último, no mutismo que caracteriza as fases finais da doença. Tudo se vai fechando no seu mundo: fecham-se as ligações cerebrais, fecham-se as memórias do ser e do agir, fecham-se os estímulos exteriores, tudo num ciclo que vai continuando e se agravando no tempo. Até que, por último, se fecha a palavra, definidora do Eu e da forma de estar no mundo. O vento passa a rir, torna a passar, Em gargalhadas ásperas de demente; E esta minh´alma trágica e doente Nunca sabe se há-de rir, se há-de chorar! (Florbela Espanca)
Sandra Cardão, 2007
* Sandra Cardão nasceu em Angola, é Licenciada em Psicologia Clínica, fez estágio na área da Psicogerontologia e tem trabalhado no âmbito escolar com crianças do Ensino Básico (integração de minorias, crianças carenciadas). Também é Facilitadora de Grupos de Jovens para a Promoção do Desenvolvimento Pessoal. É Autora e Formadora Certificada.
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