‘DO PAQUISTÃO À GUINÉ-BISSAU’
OS PARALELOS ENTRE A RECENTE CHEGADA ‘ABORTADA’ DO EX-PRIMEIRO-MINISTRO NAWAZ SHARIF AO PAQUISTÃO E, A DE JOÃO BERNARDO ‘NINO’ VIEIRA, À REPÚBLICA DA GUINÉ-BISSAU, EM ABRIL DE 2005
As consequências da impunidade; Sem se dar conta, o PAIGC fez campanha para Nino.
Por: João Carlos Gomes*
12 de Setembro de 2007
1. Os acontecimentos que marcaram a cena politica do Paquistão com a chegada do ex-Primeiro- Ministro Nawaz Sharif na segunda-feira, 10 de Setembro de 2007, à capital Islamabad, após um exílio forçado de cerca de sete anos, estabeleceram um paralelo interessante com os eventos políticos do dia 7 de Abril de 2005 na Guiné-Bissau que não podem ser ignorados. Foi nesse dia que o ex-Presidente João Bernardo ‘Nino’ Vieira chegou ao seu país natal, após cerca de seis anos de exílio forçado em Portugal, que se seguiram ao fim da ‘Guerra Civil de 1998-1999’.
2. Um levantamento militar que teve inicio a 7 de Junho de 1998, encabeçado pelo então Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, o Brigadeiro Ansumane Balancula Mané, e que beneficiou de um amplo apoio popular, viria a culminar com a deposição do então Presidente Nino Vieira em Maio de 1999, após dezoito anos de governação. No Paquistão, foi igualmente um levantamento militar, encabeçado pelo então Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, General Pervez Musharaf, em Outubro de 1999, que depôs o então Primeiro-Ministro Nawaz Sharif, enviando-o para um exílio forçado na Arábia Saudita. É assim que, embora com algumas diferenças circunstanciais, o paralelo estabelecido entre o regresso de Nawaz Sharif agora, com o do então candidato Nino Vieira, em Abril de 2005, para tomar parte nas eleições presidenciais, se torna relevante para o contexto politico guineense e, por isso, digno de menção.
3. Enquanto que Nawaz Sharif regressou ao país com o aval da maior instância judicial do seu país, o Supremo Tribunal de Justiça do Paquistão que tinha decidido que, ao abrigo da Constituição Paquistanesa o ex-Primeiro-Ministro tinha, na sua qualidade de cidadão, todo o direito de regressar ao país, e, este fê-lo em circunstâncias perfeitamente normais, utilizando para tal, um voo comercial, Nino Vieira, então candidato Presidencial regressou à Guiné-Bissau, a bordo de um helicóptero militar estrangeiro. O ex-Presidente guineense, não só, utilizou esta via para entrar, sem a devida autorização no seu país, obviamente, um Estado independente e soberano, mas em vez de utilizar o aeroporto internacional, aterrou no estádio de futebol de um complexo desportivo localizado, praticamente no centro de Bissau, a cidade capital.
4. Entretanto, os acontecimentos que se seguiram foram marcados por uma diferença notável na forma como terminaram as sagas políticas dos candidatos Nawaz Sharif e Nino Vieira. Confrontado com acusações pendentes de corrupção, o ex-Primeiro-Ministro do Paquistão, foi posto de imediato, num outro avião e, reenviado para onde veio - Jeddah, capital da Arábia Saudita, menos de cinco horas após a sua chegada a Islamabad. Em contraste, apesar da fórmula que utilizou para entrar no país, e; de várias acusações sérias que sobre ele pendem com relação a acções levadas a cabo durante a ‘Guerra Civil de 1998-199’, João Bernardo ‘Nino’ Vieira, nunca enfrentou cargos formais. Em parte, por isso, é hoje Presidente da República da Guiné-Bissau.
5. Imediatamente após ter sido eleito e, fazendo uso dos seus poderes constitucionais, o agora Presidente João Bernardo Vieira demitiu o governo do Primeiro-Ministro Carlos Gomes Júnior e, convidou um dos seus principais opositores, Aristides Gomes, o qual tinha jogado um papel crucial no seio do ‘bloco político’ que preparou o seu regresso, a formar um novo governo. Ou seja, ironicamente, numa lição prática sobre como deve funcionar um Estado de direito, e, apesar de ter utilizado a ilegalidade para obter e estabelecer a sua legitimidade, Nino Vieira demitiu o governo que não fez uso dos seus poderes legais para impedir a sua entrada ilegal no país.
6. Mas, as semelhanças e diferenças entre o cenário político da Guiné-Bissau, situada na costa ocidental do continente africano e, o do Paquistão no sudoeste asiático, não terminam aqui. Como acontece frequentemente em política, com a sua decisão de deportar o antigo Primeiro-Ministro, não teria o Presidente Musharaf, feito também uma leitura deficitária das possíveis reacções do eleitorado Paquistanês, e, no processo, montado, a favor de um dos seus mais ferozes oponentes, uma campanha eleitoral que, nem o próprio Nawaz Sharif podia sonhar conceber? E, já agora, para juntar um pouco de tempero a esta grande salada política, porque não comparar as situações de um outro Primeiro-Ministro, agora também no exílio, na Grã-Bretanha, Benazir Bhuto, e a de um outro político guineense, o ex-Presidente Kumba Iala, actualmente a viver em Marrocos? A julgar pelas declarações constantes do Deputado Biaia Na Pana do PRS, na Assembleia, a semelhança de Benazir Bhuto e de Nawaz Sharif, o ex-Presidente Kumba Iala também se encontra agora impedido de viver no seu próprio país, a Guiné-Bissau.
É a partir daqui que começam as diferenças entre as consequências das acções do Primeiro- Ministro Carlos Gomes Júnior da Guiné-Bissau e, as do Presidente do Paquistão, o General Pervez Musharaf
7. Ao contrário do regime militar actual do General-Presidente Pervez Musharaff do Paquistão, o governo civil e, democraticamente eleito do então Primeiro-Ministro Carlos Gomes Júnior não reagiu com a firmeza que se impunha, por parte de qualquer governo de um Estado independente e soberano. O que que teria acontecido se, por exemplo, em vez de Nino Vieira, a Guiné-Bissau estivesse a ser alvo de um ataque, semelhante ao que aconteceu nos Estados Unidos a 11 de Setembro de 2001? Diga-se em justiça que o grande problema para o Primeiro-Ministro Carlos Gomes foi o facto de que, não dispunha do apoio dos militares. Estes viriam a justificar as suas acções, alegando que Carlos Gomes os tinha ignorado. A sua atitude de distanciamento em relação aos militares era, até certo ponto compreensível, tendo em conta o papel ostensivamente negativo que algumas das chefias militares têm vindo a desempenhar, no contexto político nacional, o qual tem sido extremamente deplorado, inclusive, pela comunidade internacional.
8. Mas, no contexto de uma estratégia realista de gestão das relações entre os políticos e os militares na Guiné-Bissau actual, para que um Primeiro-Ministro se possa dar ao luxo de se distanciar politicamente da imagem criada pelas chefias militares, ele tem que ter garantida uma outra cartada alternativa muito forte na manga. E, a única forma de obter tal carta, é entrar em negociações com a comunidade internacional e, assegurar um mecanismo forte, capaz de exercer um papel ‘apaziguador’ eficaz, sobre as chefias militares. Carlos Gomes Júnior nunca o fez. E, por esta falta de estratégia, pagou consequências políticas pesadas. Para mais detalhes, ver os parágrafos: 28 a 31 da peça, ‘Nino Vieira, os Militares, a Governação, a Droga, e, só Agora, a Reconciliação Nacional?’, ‘Projecto Contributo’, Secção, ‘Nô Djunta Mon’, no site: www.didinho.org
Opções legais que estavam à disposição do Governo de Carlos Gomes Júnior e que este não exerceu - ou porque, devido à sua inexperiência política, não tinha conhecimento da sua existência - ou porque, simplesmente, decidiu não as utilizar
9. Para prevenir a impunidade contra o acto ímpar, inconcebível e inaceitável de violação grave do espaço aéreo do seu país, mesmo por parte de um ex-Presidente, e – sem esquecer o facto de que não teve o apoio das Forças Armadas para prevenir tal situação de afronta contra a sua autoridade - o governo do então Primeiro-Ministro Carlos Gomes Júnior tinha ao seu alcance várias outras opções que não exerceu. A primeira era, apresentar imediatamente queixa às instâncias internacionais, contra: a vizinha República da Guiné (Conakry), enquanto proprietária da aeronave utilizada na violação, e; o cidadão João Bernardo ‘Nino’ Vieira e, todos quantos o acompanharam na sua viagem de regresso, utilizando para o efeito, vias e meios não autorizados.
10. Em seguida pedir, de imediato, a convocação de uma reunião de emergência, envolvendo, por exemplo: o Conselho de Segurança das Nações Unidas; a União Europeia; a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental; a União Africana, e; a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, para avaliar a situação. Por causa das sérias implicações do acto em questão, tal reacção por parte de um governo civil legítimo - pois que democraticamente eleito - de um país soberano, podia ter tido como consequência, a anulação da elegibilidade de Nino Vieira como candidato para o cargo de Presidente de um país onde entrou, utilizando de forma deliberada e intencional, meios reconhecidamente ilegais, ao abrigo do direito internacional.
11. Ao ponderar a situação, as implicações e, sobretudo os precedentes político-militares e de segurança criados, teria sido extremamente difícil para os Estados membros de qualquer destas organizações, não se solidarizarem com, e, apoiar a posição do governo de Carlos Gomes Júnior, na sua tentativa de fazer cumprir as normas e regras internacionais que regem as relações entre Estados soberanos. Aliás, se tivesse feito uso das medidas ao seu alcance, o governo de Carlos Gomes Júnior teria indubitavelmente saído extremamente reforçado politicamente, tanto a nível nacional como aos olhos da comunidade internacional, pois tinha a seu favor um grande trunfo: o facto de, confrontado com uma situação clara de provocação política, ter agido com extrema moderação, ao não mandar abater uma aeronave que, sem estar confrontado com uma situação de emergência, entrou ilegal e deliberadamente no espaço aéreo do país, no qual aterrou sem a devida autorização.
12. Carlos Gomes Júnior teria beneficiado também de um outro factor, marcadamente agravante em desfavor do seu opositor: sendo General, mais do que ninguém, Nino Vieira estava ciente das implicações de uma tal violação flagrante. Mesmo assim, fê-lo, criando desta feita, uma situação potencialmente perigosa, que podia ter terminado de forma completamente diferente, agravando a situação de instabilidade político-militar que a comunidade internacional não tinha a vontade de apoiar. Não havia argumentos plausíveis que pudessem justificar as acções de Nino Vieira.
13. Dai que, do ponto de vista jurídico, enquanto o Presidente Paquistanês, Pervez Musharaf, agiu à revelia de uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça do seu país, cuja legitimidade não contestou legalmente mas que viria agora a contradizer, utilizando para isso a força, por seu turno, embora sem o apoio dos militares do seu país, Carlos Gomes Júnior tinha a vantagem de ter a lei do seu lado, e, por conseguinte, os mecanismos internacionais de segurança. Mas, em vez de os utilizar, e, tanto quanto se sabe, o Chefe do Executivo guineense limitou-se apenas a fazer meras declarações públicas, as quais viriam a enfraquecer, ainda mais, o seu perfil político.
14. E, como acabou por ficar provado, o facto de Carlos Gomes Júnior não ter agido com a firmeza que se impunha perante as circunstâncias, foi o princípio do fim do seu governo. A consequente impunidade de que Nino Vieira beneficiou, abriu as portas que viriam, em parte, a criar as bases legais que, em Maio de 2005, permitiram ao Supremo Tribunal de Justiça considerar, e aprovar, a sua candidatura. Falando nisso, porque não abordar brevemente:
Como é que – sem se dar conta - o PAIGC fez campanha para Nino Vieira e, ajudou-o a ganhar as eleições presidenciais de 2005
15. Se tivermos em conta o facto de que a Guiné-Bissau é um país com uma população que sofre de um índice de analfabetismo extremamente alto, e combinarmos este facto com a totalidade das circunstâncias à volta do regresso de Nino Vieira ao país, é fácil compreender como é que de um ponto de vista de estratégia, o ex-Presidente conseguiu estabelecer logo à partida, a sua autoridade e, consequentemente, a supremacia psicológica no cenário político nacional, factores que viriam, em parte, a jogar um papel determinante no resultado das eleições presidenciais.
16. Aqui, apenas como referência, vale a pena recordar o sucedido com um outro, agora, ex-político guineense, por quem o autor desta peça tem muita estima. Numa altura em que se preparava para regressar à Guiné-Bissau, nas vésperas das eleições legislativas prévias, os militantes do seu partido prometeram aos seus apoiantes que o seu candidato iria chegar a Bissau de helicóptero. Seja por que razão, esta promessa não se viria a materializar. Por mais simplista que pareça, a desilusão criada por esta falha em corresponder às expectativas, contribuiu, em parte, para pôr fim àquilo que doutro modo foi uma longa e brilhante carreira política, iniciada desde muito jovem. Teria sido esta a experiência que serviu de lição aos apoiantes de Nino Vieira e, na qual basearam a estratégia para o lançamento da sua candidatura? Porque não?
17. No entanto, dizer que a dramática chegada de helicóptero foi a única ou, a principal razão que levou à vitoria de Nino Vieira nas eleições presidenciais de 2005, seria ignorar, pelo menos, dois outros factos de que, durante o período eleitoral, nem o então Primeiro-Ministro Carlos Gomes Júnior, nem o resto da cúpula do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), parecem ter-se dado conta e que, foram também de uma importância capital:
18. Primeiro, o grande factor que os seus opositores podiam ter utilizado para desqualificar Nino Vieira, aos olhos do eleitorado, eram as decisões que tomou com relação ao período da ‘Guerra Civil de 1998-1999’. As complexidades à volta de tais decisões e, o seu impacto, são conhecidos apenas dos cidadãos das grandes cidades, sobretudo Bissau. A maioria da população da Guiné-Bissau, que vive nos campos, não foi afectada - directamente – pela guerra. Pelo menos, não sentiram o seu impacto imediato. Por isso, por ocasião das eleições de 2005, as populações menos favorecidas, incluindo muitos dos cidadãos que vivem nas grandes cidades, não se deram conta necessariamente do impacto da ‘Guerra Civil de 1998-1999’ nas suas condições de vida, seis anos mais tarde. Estavam mais preocupados em esquecer o período que se seguiu à guerra.
19. Segundo, uma outra questão ainda mais importante que os dirigentes do PAIGC não parecem ter entendido, foi o facto de que, para as populações do interior, o conceito de Nino Vieira ou, ‘Cabi Na Fantchamna’ (a outra designação pela qual ele é conhecido), como candidato ‘independente’ (no sentido de ‘separado’ ou, mesmo, ‘oposto’ ao PAIGC), ou não existe, ou é pouco claro. Nas suas mentes, o nome ‘Nino’ foi, e - era ainda em 2005 - associado com, os melhores dos melhores tempos do PAIGC, ou seja, o Partido dos anos sessenta, aos anos setenta.
20. Daí que, aos olhos destas populações, menos esclarecidas sobre designações político-partidárias modernas, como ‘candidato independente’, durante as eleições de 2005, Nino Vieira ainda era PAIGC. Não havia diferença. O problema é que: é precisamente aí que a maioria esmagadora dos votos se encontra. Por isso, não deve admirar que Nino tenha beneficiado directamente dos votos que, aos olhos desta camada da população, eram destinados ao PAIGC.
21. Até entenderem as complexidades históricas desta correlação de forças, e, começarem a formular mensagens específicas, estrategicamente concebidas para comunicar efectivamente a estas populações, a diferença entre o Nino Vieira ‘de então’ e, o Nino Vieira ‘independente’ de hoje, os militantes e dirigentes do PAIGC ‘da praça’, vão continuar - sem se dar conta disso - a mobilizar, angariar e, entregar a maioria dos votos, provenientes dos ‘campos’, a Nino Vieira.
22. Mas, ao montar as bases da sua estratégia política, os militares não foram os únicos que o Primeiro-Ministro Carlos Gomes Júnior ignorou durante a campanha presidencial. Nas circunstâncias acabadas de descrever, só uma utilização massiva da Comunicação Social, sobretudo a rádio, combinada com campanhas de esclarecimento envolvendo deslocações directas dos militantes do PAIGC à base, podiam ter ajudado a produzir resultados completamente diferentes. Não é por acaso que Nino Vieira se recusou a participar nos debates presidenciais. Ao fazê-lo evitou mais uma outra forma crucial de escrutínio do seu passado político recente, sobretudo com relação ao período da guerra civil, o qual teria tido dificuldades enormes em defender.
23. Um dos principais problemas que Nino Vieira enfrenta hoje, como Presidente, continua a ser a forma como entrou no país, estabelecendo, a partir daí, um exemplo de ilegalidade, do qual dificilmente se poderá desfazer, agora, se é que assim o quer. Conforme previamente mencionado, entre as consequências imediatas do seu acto, está o facto de que, os traficantes internacionais de droga deram conta de que, se um helicóptero militar estrangeiro pode, não só, entrar, sem a devida autorização, no espaço aéreo de um Estado independente e soberano, mas aterrar, mesmo no centro da sua cidade-capital, sem consequências de maior, no mínimo, eles também podiam entrar, pelo menos discretamente, em outras partes, instalar as suas bases e, fazer o seu negócio, sem problemas. Foi exactamente o que aconteceu, ‘elevando’ desta forma a Guiné-Bissau e, os seus um milhão e meio de habitantes, ao estatuto internacionalmente reconhecido hoje, de (cidadãos do) primeiro narcoestado do continente africano.
*Escritor/Jornalista
Nova Iorque
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