A SAÚDE DOS GUINEENSES NA GUINÉ E NA DIÁSPORA

Prof. Joaquim Tavares

Prof. Joaquim Silva Tavares (Djoca)

joaquim.tavares15@gmail.com

02.07.2008

Editorial de Julho

 

 

Foi um prazer ler o artigo do nosso estudante de enfermagem, Beto.

Ele aborda temas importantes e actuais e que assombram o futuro da medicina, do ponto de vista moral e da própria validade do juramento de Hipócrates nos séculos 20 e 21.

Tentarei desenvolver este tema num trabalho que vai anexado.

Parabéns,  Beto e obrigado pela tua participação no sector Saúde.

 

Para evitar a redundância em certas respostas a questões que me têm vindo a ser apresentadas por vários conterrâneos, doravante, quando me chegarem por correio electrónico mais perguntas sobre o mesmo tema, vou evitar responder directamente aos mesmos, passando a responder no Editorial ou nas Temáticas de Saúde; isso a propósito de várias questões sobre o tema insónia (definitivamente, não mencionarei nomes, para salvaguardar o direito à confidencialidade.

 

Esta semana foi uma semana excitante com os residentes e vou tentar compartilhar com os nossos colegas e visitantes alguns dos casos clínicos.

 

...E a propósito de drogas (cocaína e parafernalias) vou fazer um seguimento ao caso apresentado há 1-2 meses, para ilustrar o facto de que estamos a hipotecar o futuro da nossa juventude ao permitirmos e usufruirmos do uso da droga (não é um vício banal; testemunho todos os dias a decadência moral, intelectual e física, principalmente dos negros americanos viciados na droga.

 

Falei com o Dr. Plácido Cardoso há 2 semanas, aquando da sua vinda a Nova Iorque para participar na conferência sobre a SIDA nas Nações Unidas: tenho certeza que ele, como um dos genuínos filhos da Guiné, vai transmitir as suas experiências aos nossos médicos e profissionais de saúde.

 

Como não tenho contactos directos no hospital Simão Mendes ou Ministério da Saúde, lanço as seguintes perguntas no ar, com a esperança de que alguém as leia e me possa dar uma ideia das necessidades, planos futuros, etc.

 

a) Quantas unidades de cuidados intensivos temos no hospital;

 

b) Quantos ventiladores estão disponíveis para serem usados a qualquer momento;

 

c) Que tipo de monitores temos nas Unidades de Cuidados Intensivos ou Unidades Intermediárias.

 

Só divulgando as nossas carências, é que podemos juntar cabeças e ajudarmo-nos uns aos outros; porque a minha percepção das coisas é que os doadores tradicionais já se cansaram de ajudar e agora, é tempo de nós guineenses, na Guiné e na diáspora começarmos a dar “abotas”, e melhorar o que é nosso, senão, estamos feitos.

 


 

A PROPÓSITO DE HIPÓCRATES E SISTEMAS DE SAÚDE

 

Mais uma vez, Beto, parabéns pelo teu trabalho que considero um desafio para todos analisarmos e opinarmos.

 

Devido aos avanços da medicina, as grandes transformações depois das guerras mundiais, da guerra da Coreia e do Vietname, muitos têm vindo a questionar a praticabilidade de alguns parágrafos do juramento de Hipócrates (a eutanásia, participação de médicos na execução de prisioneiros condenados à morte, etc.).

 

Violações flagrantes ao princípio de não fazer mal são ilustradas com a participação de médicos em experiências cruéis com seres humanos (o holocausto, Dr. Mengele e a raça pura) durante a segunda guerra mundial.

A experiência tuskegee (tuskegee experiment) de 1932 a 1972, no Condado Macon (Macon County) na Geórgia, negros pobres foi deixada sem tratamento para a sífilis para se estudar a evolução da sífilis não tratada (também para ver se os negros reagiam diferentemente dos brancos aos efeitos do treponema); só em 1997, o presidente Clinton apresentou desculpa formal aos sujeitos da experiência. Se ainda não o viram, não percam a oportunidade de ver o filme que retrata este episódio obscuro (mais um) da sociedade americana (miss evers’ boys)

 

Não que os responsáveis das atrocidades acima mencionadas não soubessem ou não tivessem evocado o juramente de Hipócrates na altura da graduação em medicina, mas por um lado tentaram justificar tudo em nome do”avanço da ciência” e por outro lado, como não consideravam os objectos da experiência seres iguais/humanos, para eles o juramento de Hipócrates não se aplicava.

 

O Beto mencionou o facto de médicos na Guiné recusarem tratamento a pessoas que não têm meios para pagar: este é um problema muito delicado; não que defenda este princípio, mas na maioria dos casos, não culpo os médicos; culpo o sistema (ou a falta de) de saúde ou: quando se perde a maior parte da juventude a estudar e a trabalhar no duro, um indivíduo forma família, filhos, trabalha e chega ao fim do mês sem dinheiro para sustentá-los, o juramento de Hipócrates torna-se numa utopia e é o salve-se quem puder.

O sistema de saúde na Guiné e no terceiro mundo necessita de uma reforma radical, com o risco de continuarmos a sofrer a constante fuga de quadros brilhantes para diversos eldorados: os que ficam, para não morrerem à fome, têm que tomar medidas drásticas (não há dinheiro — não há tratamento).

 

Mas que sistema adoptar?

 

a) O sistema americano tem muitos defeitos: sem surpresa, é um sistema capitalista clássico; basicamente tudo é privado (excepção para os hospitais militares, de veteranos, etc.);

 

Um indivíduo tem 3 opções para pagar:

1) - Dos bolsos; o que não recomendo; mesmo Bill Gates não ia cometer essa asneira: quando se decide ou se não tem solução mas pagar por conta própria, o teu poder de negociação é muito baixo: quando as seguradoras de saúde negoceiam com os hospitais, impõem as suas condições: olha, se nos derem 50% ou 60% de desconto, vamos-lhes garantir 300 doentes por mês (assim uma estadia de 7 dias nos cuidados intensivos vai custar em média 21000 dólares, quando se for um doente negociando por conta própria, essa soma seria de quase 42000 dólares);

Por isso, em tempos de crises como a que estamos a atravessar (alto preço da gasolina, comida), vemos muitos doentes que recusam ir ao hospital ou médico, porque não têm dinheiro para pagar.

 

2) - Segurança de saúde do governo: há 2 principais seguradoras: a) Medicare - para indivíduos com 65 anos ou mais de idade - paga 80 -100% das despesas médicas

b) Medicaid - para indivíduos considerados pobres (salvo erro, salário mensal menos de 1500 dólares)

 

3) - Seguradora privada que varia muito, dependendo do pagamento mensal que fizeres.

 

A vantagem é que a lista de espera não é longa e podes ter exames de ponta, desde que sejam razoáveis para o teu diagnóstico (mri, pet scan, cateterização cardíaca).

 

Por outro lado, temos os médicos: vou ilustrar com dois exemplos: 7 anos atrás, tive dois residentes de internato complementar em medicina interna: um era todo para a ciência, trabalhador árduo, punha os pacientes sempre em primeiro lugar; outro, muito orientado para o negócio, conhecimento médio/baixo; este segundo, depois de acabar o internato, devido às ligações que tinha, conseguiu contratos com seguradoras e hospitais e como prometeu, no primeiro ano de trabalho, auferiu um total de 1 milhão de dólares (sem exagero; quase 90 mil dólares mensais); o outro, que é muito melhor médico, mas sem ligações no mundo dos negócios, empregou-se numa companhia seguradora e auferiu por volta de 180000 dólares (15 mil dólares mensais).

São estas discrepâncias do sistema que estão na origem de acesos debates no congresso para reformar o sistema de saúde.

 

 

b) - Sistema tipo universal como o canadiano ou britânico: há menos discrepâncias, mas por um lado há longas listas de espera e por outro, torna-se difícil ter acesso a certos exames de ponta que são absolutamente necessários para certos doentes.

 

 

c) Sistema tipo comunista: parece atractivo, no sentido de dar a mesma atenção a todos, independentemente de poderem pagar ou não; mas dois problemas podem surgir: os provedores de saúde (médicos, enfermeiros, técnicos) estão satisfeitos? As condições de trabalho são ideais? Será bom estar nivelado na zona baixa no que se refere à tecnologia de ponta?

 

 

A Guiné, os guineenses, os governantes têm que juntar cabeças, fazer uma “tempestade cerebral” e tentar delinear um sistema de saúde que se adapte às nossas realidades, aproveitar o que há de bom nos sistemas de saúde acima mencionados e encontrar uma zona de conforto para doentes e técnicos de saúde.

 

J.TAVARES, MD, FCCP, FAASM

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