A SAÚDE DOS GUINEENSES NA GUINÉ E NA DIÁSPORA
Prof. Joaquim Silva Tavares (Djoca)
05.12.2008
Editorial de Novembro
Editorial de Novembro
Durante as peripécias e manobras políticas, atentados, declarações públicas e comunicados, somente dois aspectos da conjuntura guineense me preocupavam e me preocupam: a Saúde e a Educação.
Preocupo-me com os guineenses e outros aspectos da vida guineense em geral, mas a Saúde e a Educação são como uma obsessão para mim e no dia em que li a notícia sobre os tiroteios através do site Contributo, comecei a temer pelo futuro da Educação e da Saúde da nossa juventude: com as guerras, começam os cortes nos orçamentos para a Saúde e a Educação; começam a faltar medicamentos; os anos lectivos resumem-se a menos de 6 meses; tropas estrangeiras invadem o país e, ao contrário de facções militares compostas por “filhos da terra”, para as tropas estrangeiras, bombardear e destruir hospitais, centros de saúde, escolas, parques infantis, não constitui problema nenhum; depois da guerra, voltam aos países de origem e não se vão preocupar e ou passar noites em branco porque não há escolas para os filhos, não há hospitais para cuidar dos pais, familiares; em suma, destruir, destruir, destruir e irem-se embora…
É tempo para os nossos políticos entenderem que por vezes temos de deixar de lado os nossos interesses pessoais, as nossas rivalidades pessoais (mesmo se obviamente pensamos que a razão está do nosso lado), fazer mesmo concessões e deixar as espadas e armas em casa, estender a mão ao rival, para evitar conflitos militares; porque quando estes acontecem, o único perdedor é o nosso povo.
A educação foi e será sempre o barómetro da seriedade de um governo, da aposta de um povo no seu futuro; É um investimento que leva tempo a dar lucros; esse investimento ocupa mais de 1/3 das nossas vidas e em países como o nosso, em que há um instinto de sobrevivência quase animal, com necessidade de ter lucros imediatos, há (infelizmente cada vez mais), um maior número de pessoas que não consideram a Educação como um bom investimento.
Para os nossos bisavós, avós e pais, a Educação era considerada um bom investimento: era dar aos descendentes a oportunidade de ser alguém, adquirir conhecimento e sabedoria, ocupar uma posição de relevo na sociedade e ao mesmo tempo adquirir uma certa independência económica! E a isso testemunhamos. Foi uma melhoria de escolaridade à medida que íamos de geração para geração: bisavós que não sabiam ler; avós que concluíram a quarta classe; pais que concluíram o liceu e filhos que concluíram o ensino universitário; esta é a dinâmica que ajuda a transformar (para melhor) uma sociedade, tornando uma nação mais competitiva e, futuras gerações, não só melhorando e refinando as tecnologias no local de trabalho, mas também melhorando os seus estatutos económicos; o mesmo fenómeno aconteceu nos Estados Unidos com os babyboomers (geração nascida logo depois da segunda Guerra mundial) e que teve grande ênfase na Edução, tornando a classe média americana na classe mais poderosa em termos de tecnologia e poder económico dos Estados Unidos e do mundo em geral! Por isso, nas décadas de 50 a 90, os ensinos primários, secundários e superiores americanos estavam no topo do mundo; Mas, com a dicotomia da sociedade americana (muitos ricos de um lado e muitos pobres do outro lado, e o quase completo desaparecimento da classe média, pelo menos no que se refere ao poder de compra), as coisas começaram a mudar: como a maioria da classe média involuntariamente se está a mover para a classe pobre, há menos ênfase em pressionar as gerações futuras a triunfarem academicamente (convido-vos a ler um excelente artigo no USA Today - edição de 19 de Novembro de 2008: aprendendo com as escolas da Coreia do Sul).
Como a América da época pós-guerra, os pais coreanos estão a fazer da educação dos seus filhos uma prioridade máxima da família; e um professor primário ou secundário da Coreia do Sul ganha 25% mais do que um professor americano equivalente primário/secundário. Como um professor coreano disse: num país tão pequeno, com poucos recursos naturais, a razão porque exportamos carros e informação tecnológica, são os nossos recursos humanos.
As melhores escolas primárias e secundárias norte americanas ainda são as melhores do mundo, mas quando as escolas públicas são introduzidas na equação, o sistema americano fica num modesto 18 (décimo oitavo) lugar entre 36 países (a Coreia do Sul em primeiro lugar). O sistema universitário americano ainda é internacionalmente considerado o melhor do mundo.
Mas, porque tanta disparidade?
As escolas públicas primárias/secundárias americanas são na maioria das vezes financiadas pelas autarquias locais, cujos orçamentos dependem em grande parte dos impostos de residência; assim que, se vives numa área em que as casas custam em média 120000 dólares, pagando um imposto de 600 a 1000 dólares anuais, não se consegue arranjar verbas suficientes para construir parques infantis, boas escolas, pagar aos professores salários adequados e, assim, o resultado vai ser uma preparação paupérrima dos estudantes que, mesmo depois de se graduarem no ensino secundário, não sabem ler ou falar inglês correctamente (porque aqui, devido à lei do “no child left behind”, não há chumbos no ensino primário! Uma lei bem intencionada, baseada no princípio de que se chumbares uma criança, ela vai perder a auto-estima e optar por maus caminhos ….); nas autarquias em que as casas custam 1 milhão de dólares ou mais, o imposto de residência será à volta de 8 mil a 12 mil dólares/ano por proprietário: com este dinheiro, pode-se construir excelentes parques, excelentes escolas e os professores ganham mais. Ah… as crianças só se podem matricular na freguesia onde vivem os pais ou encarregados de educação (se nasceste pobre, não tens direito a uma boa educação… É o que parece).
As escolas privadas são as melhores do mundo, porque já não estão confinadas às autarquias e uma criança paga em média mil dólares/mês de propina, para poder frequentá-las e o ensino é mais intenso, com regras mais rigorosas; estes são os estudantes que geralmente conseguem entrar para as melhores universidades.
O ensino universitário é uma outra história: quase todas as universidades são: ou instituições privadas, com orçamentos por vezes superiores a orçamentos de muitos países (caso das escolas da Ivy League - Liga do Marfim: Harvard, Yale, Princeton, Cornell, Dartmouth; o Johns Hopkins; e na costa oeste, o Stanford), ou Universidades estatais que recebem financiamento dos respectivos estados e do governo federal; o ensino universitário é muito competitivo e competente; por isso, ainda está no topo do mundo.
Voltando à nossa Guiné: com o regresso de graduados universitários à Guiné, muitos não conseguiram emprego e dos que conseguiram, muitos ficaram com salários em atraso e tiveram de ser sustentados pelos pais e familiares; com tudo isto, naturalmente começou-se a formar uma nuvem de desilusão e muitos pais e encarregados de educação começaram a questionar a importância do investimento na educação dos seus descendentes: leva mais de 25 anos de investimento e no fim não há “lucros”; melhor encorajar os descendentes a investirem mais tempo a jogar futebol, cultivar a arte dos negócios, traficar drogas, ascender na esfera política, não leva muito tempo (pelo menos, não 25 anos) e os “Ganhos” são maiores.
Assim, com o decorrer dos anos, a importância da Educação no meio da sociedade guineense, tem estado a diminuir e chegamos a um ponto em que não é “cool” ter sucesso no campo escolar; os alunos passam a maior parte do tempo fora das escolas, os encarregados de educação não ajudam com os trabalhos de casa e o governo não paga aos professores, em suma, quase todos se estão nas tintas em tudo o que se refere à Educação. Assim, a única verdadeira riqueza ou recurso natural que temos, o poder intelectual (brain power) do guineense, lentamente se está a esmorecer (somos um país pobre, sem recursos naturais relevantes e estamos delapidando, corrompendo, causando uma morte lenta - não tão lenta em alguns casos - ao único recurso natural de que dispomos.
Outra forma em que constatamos lentamente o delapidar do nosso brain power é através da eliminação física sistemática de quadros ou futuros quadros com inteligência e capacidade intelectual provadas, com o pretexto de serem “conspiradores”, ”inimigos do povo”, etc. Infelizmente, desde 1974,os guineenses refinaram, aperfeiçoaram a arte do instinto primitivo, animal (dos predadores aos Neandertais) de sobrevivência: eliminação física, morte de todos aqueles que são vistos como uma ameaça à partilha do poder: Assim vimos indivíduos com capacidades intelectuais inegáveis serem fuzilados, torturados, em nome da mesquinhice, estúpido ”ajuste de contas”; quem ficou e ficará a sofrer são os filhos da Guiné (mesmo provando-se que esses indivíduos estavam errados ou no caminho errado, há outras formas de punição e esses indivíduos hoje podiam ser úteis aos nossos jovens, às nossas crianças).
Houve indivíduos brilhantes que militaram no exército português, especialmente nos comandos africanos que se as circunstâncias fossem outras, talvez fossem líderes nas várias estruturas do PAIGC na luta contra o regime colonial (nunca se sabe os motivos que nos levam a estar de um ou do outro lado da linha de combate); na minha modesta opinião, desde que não se tenha provas de que um indivíduo cometeu anos de genocídio durante uma Guerra, qualquer castigo que se lhe dê, não deve passar pela pena de morte: quando um ser humano válido morre, não só leva com ele o potencial de poder vir a ajudar outros, mas deixa viúva/viúvo, filhos/filhas que muito provavelmente se podem “perder” na vida.
O legado de um dirigente não é o número de casas/propriedades/amantes que tem, mas sim, o sentido de bem-estar que deixa, a prosperidade da Educação, da Saúde; no lado sinistro, também um dirigente não quer ser lembrado pelo número de mortes que causou, pelas guerras que iniciou, pelas intrigas que causou, levando a guerras desnecessárias.
Por todos os motivos acima apontados, não vamos complicar as coisas: já temos a fuga do brain power; é tempo de parar com o “genocídio” do brain power que ainda vive na Guiné, parar com o ”genocídio” da Educação, parar com o “genocídio” da Saúde na Guiné.
Para terminar, a música (e as letras) não só nos faz bem, como nos pode fazer viajar no tempo: há dias, o Henrique Ribeiro enviou-me umas gravações do Justino Delgado e da Dulce Neves e gostei imenso das canções; uma em particular, fez-me viajar no tempo: nomes que já se estavam a diluir na minha memória: Nganso Carranqueo, o meu primo Tony Butcher, Abel Djamba, Zeca Boy, Caró Moda, etc. Enfim, há coisas que ainda nos unem!
Junto também vai a tradução em português do documento sobre a Sociedade, Educação e Saúde, amavelmente enviado pelo prezado Geraldo Martins, a quem desde já agradecemos.
Djoca!
REPÚBLICA DA GUINÉ-BISSAU - PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS SOCIAIS BÁSICOS NUM CONTEXTO DE FRAGILIDADE ESTATAL E DE TRANSIÇÃO SOCIAL - Documento do Banco Mundial - 27 de Junho de 2008
REPUBLIC OF GUINEA-BISSAU: Delivering Basic Services in Times of State Fragility and Social Transition - Documento do Banco Mundial - 27 de Junho de 2008
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Projecto Guiné-Bissau: CONTRIBUTO