ELEIÇÕES LEGISLATIVAS 2008: UMA OPORTUNIDADE OU UM DESPERDÍCIO?

 

 

 

Bubacar Turé *

bubacarturefarim@yahoo.com.br

 

30.10.2008 

 

 

Numa democracia pluralista, o sufrágio universal, directo, e livre, constitui uma oportunidade para a alternância ou legitimação do poder político. Equivale dizer que, neste tipo de sistema, não há lugar ao uso da força para a conquista e posterior exercício do poder, fora do quadro democrático.

 

Infelizmente a Guiné-Bissau tem sido uma das referências negativas em África, em que se recorre sistematicamente à força das armas para conquistar o poder político, prejudicando o desenvolvimento, e o progresso do país. Contudo, a realização das eleições tanto legislativas assim como presidenciais, têm sido regulares, não obstante a situação económica, social, e politica continuar bastante difícil, com tendência a agravar ainda mais nos próximos tempos, se as medidas correctivas coerentes não forem adoptadas.

 

Os sucessivos inquilinos do poder, nunca souberam interpretar os anseios do povo, preocupando mais com a resolução dos problemas pessoais e mesquinhos em detrimento do interesse colectivo. Em consequência, o Estado guineense encontra-se numa fase avançada de desestruturação em todos os domínios com a iminência de um colapso, senão vejamos:

Temos um país em que o sistema judiciário só serve os interesses obscuros de um determinado grupo de pessoas, gerando apatia e morbidez no seu seio, na medida em que, não existe uma estratégia clara por parte daqueles que têm responsabilidades na administração da justiça. A corrupção e aparente existência de facções no aparelho judiciário são, entre outros, factos sombrios que minam a credibilidade da judicatura guineense.

 

O sector da Educação e do ensino nunca fez parte das prioridades dos sucessivos governos, consequentemente, o programa curricular continua obsoleto, incapaz de proporcionar conhecimentos sólidos e modernos aos jovens, amputando-lhes a faculdade de concorrer em pé de igualdade com outros quadros da sub-região. É inaceitável em pleno séc. XXI, continuar a haver escolas oficiais na cidade de Bissau, em barracas e algumas sem carteiras e cadeiras para o funcionamento normal das aulas.

 

O pior ainda é, a ausência de um sistema nacional de saúde no país, ou seja, este sector constitui um autêntico tsunami, onde se salva quem dispõe de meios financeiros para custear as despesas dos serviços prestados pelos médicos, assim como a aquisição dos medicamentos. A cobrança de taxas moderadoras ilícitas nos serviços da maternidade é uma afronta, entre outros factos negativos que afectam o quotidiano dos utentes nos diferentes hospitais do país, tais como: a ausência de água potável nas torneiras, o que contribui sobremaneira para a propagação da cólera e outras doenças infecciosas, assim como a falta de iluminação pública.

 

A virtualidade do nosso Estado manifesta ainda, quando revelou impotente em relação ao combate contra o narcotráfico, um fenómeno que ameaça a paz e tranquilidade pública. Aliás, a Guiné-Bissau está a transformar-se numa soberania dos narcotraficantes, que fazem aterrar no nosso aeroporto internacional, aeronaves com produtos estupefacientes sob olhar cúmplice das autoridades civis e militares. O recente episódio registado nesta matéria, nos finais do mês de Julho, continua nos limites da incerteza. Daí ser preocupante, a ostentação do arsenal propagandista de proveniência duvidosa por parte de alguns partidos políticos, nesta campanha eleitoral, na medida em que, constitui uma ameaça ao futuro da democracia e da paz no nosso país.

 

Perante este quadro negro de incerteza, coloca-se a questão de saber, se estas eleições legislativas marcadas para o dia 16 de Novembro, constituem uma oportunidade para inverter o actual status quo do país, ou s um desperdício que servirá apenas, para legitimar a corrupção, o clientelismo politico, o nepotismo, enfim, a má governação. É evidente que as eleições por si só, são oportunidades por via das quais os cidadãos de um determinado país, sufragam o programa político de governação de um partido político, dando-lhe luz verde e legitimidade, para governar, criando felicidade e bens estar aos cidadãos. Mas o actual xadrez político, não é elucidativo sobre o perfil dos próximos governantes.

 

Contudo, cabe aos potenciais eleitores a capacidade de analisar e reflectir não só os programas políticos em disputa, assim como a exequibilidade dos mesmos, e a trajectória política e governativa dos seus proponentes. Este país, não pode continuar refém nas mãos de um grupo reduzido de pessoas, que reclamam a sua paternidade, delapidando de forma criminosa a nossa economia, escondendo-se atrás dos partidos ou coligações dos partidos para materializar os seus intentos. Por isso, estão em jogo nestas eleições, a escolha entre a corrupção e a transparência, a impunidade ou a justiça, a defesa da verdade ou da mentira, a ingerência de outros órgãos de soberania na actividade governativa, ou a separação de poderes, a luta implacável contra o narcotráfico ou a cumplicidade com o mesmo, a justiça como ferramenta dócil de determinadas pessoas, ou a justiça ao alcance de todos. Afinal, está em causa uma escolha definitiva do nosso destino comum.

 

É impreterível a Guiné-Bissau transformar-se num Estado moderno e respeitado a nível internacional, onde o respeito pelos direitos humanos, a boa governação, a tolerância, a cultura de responsabilização e da prestação de contas etc. sejam uma realidade. Uma República aberta à força transformadora e à criatividade dos jovens, fundada no pluralismo, na tolerância e no respeito pela diferença, com capacidade para desenvolver e aperfeiçoar as instituições democráticas que dinamizam a existência e o funcionamento das instituições do Estado, assim como das organizações da sociedade civil.

Uma República de Homens livres, orgulhosos da sua condição de guineenses e africanos, acima de tudo, motivados para assumirem a responsabilidade num contexto em que tudo está em constante mudança.

 

Uma República generosa, participada e aberta, que faça suas as grandes causas que hoje constituem a vanguarda do progresso humano, nomeadamente a defesa do ambiente e do património histórico-cultural, a melhoria do bem-estar social e o progresso cientifico tecnológico, o dialogo construtivo como forma de resolução de conflitos. Enfim a luta pelo desenvolvimento solidário e pela paz.

Estes devem ser os maiores desafios para os guineenses em geral, porque, preparar conscientemente o futuro com determinação, realismo e fé, é a melhor forma de homenagear a memória daqueles que há quatro décadas souberam interpretar o sentido colectivo com as aspirações mais profundas da pátria. Hoje, como ontem deve ser esse o nosso mais sagrado dever.

 

Com o aproximar do fim do capitalismo nos E.U.A. e na Europa em geral, resultante da crise nos mercados financeiros, os países do terceiro mundo, em especial de África, devem reorientar as suas estratégias de desenvolvimento, apostando mais nos recursos e potencialidades internas geradoras de rendimento. Os próximos tempos serão caracterizados pela diminuição acentuada das ajudas públicas por parte do ocidente, em detrimento de maior intervenção nas suas próprias economias. Para fazer face a esses desafios do futuro, o nosso país necessita de governantes sérios, honestos e comprometidos com a pátria e o desenvolvimento. Será que estas eleições potenciarão estes desideratos? A ver vamos.

 

 

* Jurista e activista dos direitos humanos

 

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