E se o Presidente Malam Bacai Sanhá morresse amanhã?

 

 

Olávio César Fernandes

12.10.2011

Há dois anos atrás era empossado o VII Presidente da República da Guiné-Bissau, Malam Bacai Sanhá. Eleito democraticamente após um conturbado e hostil período político, marcado sobretudo pelo assassinato do antecessor, João Bernardo Vieira (Nino). Ao ser eleito, Bacai Sanhá no seu discurso de posse firmou um novo contrato social com a sociedade guineense, e declarou como sua principal missão: estabilizar o país e apoiar a criação de condições reais ao normal funcionamento das instituições.

Em termos do ambiente político, o resultado eleitoral tecnicamente criava expectativas, e o cenário visto como mais uma possibilidade para o PAIGC reforçar o seu domínio institucional legal sobre os adversários, considerando que no parlamento conta com a maioria qualificada. Mas, se do ponto de vista técnico isso parecia reforçar a capacidade governativa do PAIGC, em termos reais a relação institucional entre a Presidência da República e o Executivo, pelo menos, nos primeiros longos meses pós-eleitoral, apresentava uma aparente dificuldade de conciliar interesses e posições ideológicas que eram claramente antagónicas. Para a melhor percepção sobre essa situação de conflito e de luta pelo poder instalado no PAIGC é necessário observar e analisar que a mesma é decorrente de contradições históricas, responsáveis pelas lutas internas extremas que deixou o país numa situação de permanente vulnerabilidade à crise. E, muita das vezes, o acirramento de conflito mina o sentido da política, transformando adversários em inimigos, num jogo em que tudo vale – excluir adversários ideológicos na distribuição de cargos, derrubar ilegalmente o governo e assassinar adversários.

Realmente, os primeiros momentos foram marcados por discursos e entrevistas insensatas que conduzia o país a uma profunda crise institucional. E, talvez, a realidade só não fosse pior devido aos contornos e pressões endógenas e exógenas resultantes do 1 de Abril. Um golpe militar que precisa ser observado a partir da visão metodológica –“verdade efectiva das coisas” – de Nicolau Maquiavel, pois, permitiu redimensionar um novo arranjo no relacionamento entre a Presidência, o Comando Militar e o Executivo.

Apesar de tudo, é interessante hoje constatar que a movediça situação resultante da dialética de poder fora gerida tacitamente a partir de consensos e dinâmicas construidas pelos atores, resultando em importantes contribuições internos e externos. Embora não menos importante reconhecer a tomada de consciência e, sobretudo, a possível reflexão feita sobre custos e benefícios de seus atos na (des)estabilização do país.

Em verdade, foi a partir dessa mudança o grande momento da administração Bacai Sanhá. O presidente da República passou a assumir o seu verdadeiro e real compromisso institucional de estabilizar o país e se afirmar com a camisola do árbitro da Constituição da República. Os sinais da existência de consenso institucional foram rapidamente visíveis e em pouco tempo elevou e projetou uma nova imagem que se quer da Guiné-Bissau, tanto do ponto de vista interno quanto externo, embora há que reconhecer que ainda falta muito por fazer. Percebe-se uma determinação convicta do presidente da República, Bacai Sanhá, que assumidamente quer marcar diferença dos antecessores e criar condições institucionais não só de governabilidade, mas em protagonizar a inauguração do cumprimento do calendário de mandato, juntamente com o Executivo que o acompanha, obviamente, um fato que se acontecer será histórico para a jovem democracia guineense. Por isso, não se pode, e muito menos, se deve subestimar a vontade demonstrada pelo presidente Bacai Sanhá em conduzir o sensível e complexo processo democrático de forma equilibrada e com necessária inteligência.

Podemos apenas nos preocupar com a saúde do presidente! O nosso presidente da República está doente e isso, inequivocamente, lê-se pela sua débil condição física – pois, deixou de ser o elegante “Baka Ku Sanhá” – apelido que lhe foi “carinhosamente” atribuído por um dos adversários políticos durante uma das campanhas eleitorais. Absurdo é que, se por um lado há essa percepção nacional sobre o “crítico estado de saúde do presidente Bacai Sanhá”, por outro, existe um grosseiro mistério do Estado guineense em ocultar a sociedade o direito de saber sobre a situação clínica do presidente. Daí algumas indagações: O presidente padece de quê? Como ele tem reagido aos tratamentos? De que forma os guineenses podem colaborar e solidarizar com o sofrimento do presidente? Que garantia temos de que ele consegue ou não chegar com saúde ao fim do mandato?

Segundo os pressupostos da lógica de existência humana, ninguém é eterno, porém, a vida de qualquer pessoa tem uma única saída – a morte. E, observando a partir do anglo indesejável, algo nos obriga a perguntar: tendo em conta os fantasmas e incertezas imprevisíveis, quais são os riscos que o país corre se o presidente Bacai Sanhá vier a falecer em pleno exercício do mandato? Inquietações: Teremos um golpe de estado imediato? Ou será cumprida as normas constitucionais de sucessão? Não se pode dizer algo sobre as questões sem no entanto levar em consideração a conhecida disputa desleal latente existente entre situação e oposição, ainda com possibilidades reais de se somar a habitual “aliança circunstancial” com militares.

Morte a qualquer momento do presidente Bacai Sanhá poderá supostamente colocar a Guiné-Bissau numa eminente probabilidade de haver uma subversão da ordem democrática com consequências imprevisíveis. O histórico de conflitos ocorridos no país não só nos fez acreditar que existe uma consciência confiante na impunidade por parte dos atores, como também é necessário acreditar que o Comando Militar guineense – EMGFA – nas ultimas décadas não dispõe de controlo e poder real sobre os seus subalternos e o chefe de Estado Maior tornou-se numa presa fácil da desordem.

E, essa suposição torna-se assustadora quando relembrarmos os casos ocorridos em Guiné-Conakry. Em duas ocasiões, nesse país vizinho, houve golpe de estado precisamente no momento em que era velado os restos mortais do presidente. O primeiro foi o defunto presidente Sekou Touré em 1984 a receber golpe; depois o defunto de seu sucessor golpista, Lassana Conté em dezembro de 2008, recebeu golpe de Moussa Dadis Camará.

Contudo, há um exemplo feliz a ser seguido e aconteceu na Republica Federativa da Nigéria com o falecido presidente Umaro MusaYar´Adua, que ao perceber a gravidade do seu estado de saúde se afastou e permitiu como manda a Constituição que o seu vice Goodluck Jonathan assumisse interinamente a Presidência.

E agora resta-nos perguntar: Que caminho o presidente Bacai Sanhá escolhe? Ficar no poder até morrer e abrir possibilidade para alteração violenta da ordem democrática em curso? Ou começar a pensar na sucessão de forma democrática? Vale reconhecer que numa realidade igual a nossa, a renúncia do poder não deve ser uma decisão fácil mas acredito piamente ser a atitude de patriotas e combatentes de porte do presidente Bacai Sanhá.

Antes de finalizar, me permitam honestamente dizer que o presidente Bacai Sanhá não foi o meu candidato preferido durante as presidenciais mas hoje reconheço a sua magistratura e acho que em condições normais de saúde, teria uma declarada vantagem de renovar o mandato. Mas, tomando em consideração a nossa fragilidade institucional e os riscos resultantes dessa imprevisível situação, talvez nada melhor para a Guiné-Bissau e para o abnegado esforço de consolidar o processo democrático, que a auto decisão do presidente Bacai Sanhá seja de afastar-se do cargo.

E, ao meu ver, a renuncia deve ter como contrapartida e/ou compromisso o total engajamento do Estado guineense em garantir rigorosamente a devida assistência médica no exterior ao presidente Bacai Sanhá. Outrossim, a priori, antes de afastar do poder, talvez seria interessante negociar de forma consensual a transição com os partidos políticos. Embora a constituição prevê 90 dias para a realização de eleições nessas condições, é salutar levar em conta dois importantes cenários: primeiro, a dificuldade de auto-financiarmos nossas eleições; segundo, a escassa distância que nos separa das legislativas. Havendo consenso e atitude corajosa do presidente da República, o ano de 2012, provavelmente, será democraticamente promissor.


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