ESPAÇO LUSÓFONO
Este é o espaço que nos une.
CPLP
Estes são os símbolos das nossas existências.
A língua portuguesa é a herança nobre de cinco séculos de história, que juntou Portugal a : Angola, Brasil, Cabo -Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São -Tomé e Príncipe e Timor. Todos agrupados numa Comunidade denominada países de língua oficial portuguesa, com o objectivo comum de se tirar melhores dividendos desta riqueza partilhada, em condições de soberania plena dos países que dela fazem parte.
A projecção da lusofonia implica porém, a gestão dos estigmas do passado, convergindo esforços numa participação equitativa e de respeito comum, sempre na busca de melhor enquadramento desta ferramenta de comunicação que é usada num espaço de mais de 220 milhões de pessoas.
A lusofonia, sendo património linguístico comum de oito países membros duma Comunidade com povos e culturas diferentes, terá que saber aceitar os desempenhos característicos da língua, nomeadamente no que à pronúncia diz respeito, evitando choques de assimilação característicos da zona de origem populacional a que se refere a pronúncia. Pois a língua, como instrumento de comunicação só o é, se for adoptada e desenvolvida cientificamente por uma Comunidade. E a pronúncia, não é mais do que uma característica duma determinada comunidade.
Se a língua portuguesa realmente nos dá esta oportunidade de estarmos inseridos dentro deste espaço denominado CPLP, é a ela que primeiramente se deve dar uma atenção especial, desenvolvendo por exemplo, programas que visem a erradicação do analfabetismo na Comunidade.
Infelizmente, os interesses sobrepõem-se às necessidades e a lusofonia parece cada vez mais um espaço de negócios e menos de cultura. Cada vez mais materializada, cada vez com menos expressão histórico - cultural e alcance além fronteiras.
Fernando Casimiro (Didinho)
13-06-2004 23:47
RFI quer acabar com o Português A direcção da Rádio France Internacional (RFI) está a estudar a hipótese de acabar com o seu serviço em Português para África. "A ser verdade é muito preocupante", afirma Maria Helena Costa, assessora da CPLP, garantindo "que, se tal se confirmar, os órgãos directivos da Comunidade de Países de Língua Portuguesa tudo farão para evitar a sua consumação". A tese da Rádio France fundamenta-se numa maior aposta no Francês, Árabe, Chinês e Inglês. O próprio presidente da rádio afirmou publicamente que "o Português não é uma prioridade", e o ex-director geral de Informação (demitido por afirmar que Israel era um país racista) avançou com a tese de que, "tendo acabado a guerra em Angola, já não se justifica uma emissão em Português". Embora sem confirmação focial, o JN sabe que essa questão será abordada na próxima reunião da Comunidade de Países de Língua Portuguesa com a sua homóloga francófona que, em breve, terá lugar em Paris. Enquanto Maria Helena Costa salienta que "o trabalho da RFI tem sido de grande mérito para os cinco países lusófonos de África, bem como para as comunidades portuguesas no continente, nomeadamente na África do Sul, Luís Cunha (assessor do Ministério dos Negócios Estrangeiros) limitou-se a dizer "que não tem comentários" porque o Governo português "desconhece" a intenção de a RFI acabar com as emissões em Português. O serviço em Português (uma das 19 línguas em que emite a RFI) para África é de duas horas diárias e dá relevo especial às questões luso-africanas, nas vertentes políticas, económicas, sociais e culturais, sem esquecer o desporto, mas também informa sobre os aspectos mais relevantes da política francesa e internacional. Na redacção em língua portuguesa da RFI trabalham cerca de 15 pessoas, entre jornalistas, assistentes de estúdio e pessoal administrativo. Além disso, conta com a colaboração de uma dezena de correspondentes espalhados pelos países da CPLP, para além dos EUA e Bélgica. Como reconhece a CPLP, a RFI tem dado uma "excelente contribuição para a implantação da democracia nos países lusófonos de África onde, aliás, a rádio é um dos principais meios de comuncação." O JN tentou também ouvir a Direcção da Rádio France, mas, até ao fecho desta edição, não obteve qualquer resposta. Orlando Castro Jornal de Notícias 05-11-2004
Quero deixar aqui o meu testemunho no sentido de todos juntos numa viva voz, defendermos a continuidade das emissões em português para África, da Rádio France International. Uma rádio que criou raízes no espaço lusófono em África e que tem contribuído para a informação e formação das populações que a ela têm acesso. Uma rádio que tem dado voz a todas as sensibilidades do espaço a que é destinado, proporcionando a expansão da lusofonia e ajudando na consolidação da democracia nos nossos países. Quero deixar aqui também, uma
palavra de solidariedade para com todo o pessoal que trabalha neste
serviço, motivando-os a continuar com o empenhamento profissional
de sempre, na esperança da
CONTINUIDADE
do serviço em
português para África da
rfi. Fernando Casimiro ( Didinho) 06. 11. 2004
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Por: Suzano Costa*
24.06.2005
A Construção Ideológica de um Espaço Imaginário
“Cabo Verde interessa à Europa não apenas pela valência da segurança e
defesa, mas também, e antes disso, por ser a melhor expressão das sínteses
culturais que a experiência euromundista produziu”.
(Excerto da Petição pública a favor da adesão de Cabo Verde à União Europeia)
Com o presente artigo intitulado – Cabo Verde e a Integração Europeia: A
Construção Ideológica de um Espaço Imaginário – pretendemos criticar a visão
marcadamente catastrofista e fatalista subjacente à reivindicação de uma
identidade africana primordial, na medida em que a emancipação política dos
Estados no quadro do sistema internacional implica, necessariamente, a
aposta numa multiplicidade de envolvimentos políticos e identitários
susceptíveis de potenciar a integração de Cabo Verde num espaço de
relacionamento político integrado como a União Europeia.
É com esse intuito que aspirámos estabelecer uma dissertação relativa à problemática da Integração de Cabo Verde na União Europeia e como é que a construção ideológica da ideia de Europa penetrou na consciência e na cultura política cabo-verdianas. Partindo do postulado basilar de que “o critério para a adesão é a identidade cultural” (Adriano Moreira), a reivindicação de um estatuto especial no quadro do enquadramento normativo e geopolítico da União Europeia constitui um argumento identitário (discurso legitimador) legítimo para potenciar a integração e a agregação de determinadas comunidades políticas ao espaço europeu?
O que é que faz com que Estados dotados de plena soberania reivindiquem a sua agregação em comunidades politicamente organizadas e com a propensão para uma acção performativa no quadro do sistema internacional?
Independentemente do facto da iniciativa política de requerer para Cabo Verde um estatuto especial no quadro do processo de integração no espaço comunitário europeu ter sido patrocinado e enfatizado no espaço público pelo Professor Adriano Moreira e pelo ex-Presidente da República Portuguesa Dr. Mário Soares, duas figuras insignes da política e da academia portuguesas respectivamente, essa diligência constitui uma ambição que se consolidou posteriormente ao processo de transição democrática com os sucessivos governos constitucionais.
A prossecução de uma diligência que potencie a integração de Cabo Verde enquanto Estado soberano no enquadramento geopolítico e estratégico europeu, não obstante os argumentos favoráveis e objecções ironicamente formuladas, assenta em critérios de natureza da herança histórica e cultural produzidas por uma experiência euromundista pragmaticamente formatadora de uma identidade.
Não obstante ao facto das estratégias de cooperação institucional do Estado de Cabo Verde privilegiar o multilateralismo e o ancoramento como domínio específico da sua política externa, o espaço comunitário Europeu sempre constituiu um centro político de referência para a formatação da cultura política cabo-verdiana.
Essa tentativa de desconstrução do discurso legitimador subjacente à centralidade conferida à dimensão cultural como via privilegiada para a construção ideológica e a potenciação da sua integração num espaço imaginariamente edificado comporta uma vertente eminentemente identitária.
É notório que uma potencial integração de Cabo Verde na União Europeia não pode, indubitavelmente, ignorar a dimensão atlântica do continente na medida essa deslocalização geográfica do eixo potencia progressivamente o alargamento da continentalidade europeia. Pese embora a exiguidade, a dispersão geográfica e a insularidade das ilhas de Cabo Verde, a cultura e a influência exogénea europeia esteve secularmente impregnada no imaginário e no ideário político do homem cabo-verdiano.
Não obstante a inexistência de recursos naturais e financeiros exequíveis para fazer face às adversidades e aos circunstancialismos internos, Cabo Verde teve historicamente um percurso de sucesso que o conferiu uma enorme credibilidade internacional comparativamente às suas congéneres Africanas.
Relativamente à acção diplomática e aos processos de identificação política que se inventariam no âmbito das estratégias de cooperação internacional cabo-verdiana, é de se verificar que o discurso e o ideário político que lhe estão subjacentes elegem o multilateralismo e o ancoramento enquanto domínio específico e estratégico da própria política externa, por forma a contrariar as adversidades e as vicissitudes internas que caracterizam indelevelmente uma forma de pensar, agir e sentir marcada pela insularidade.
Todas essas vicissitudes contribuíram indelevelmente para a prossecução de uma política externa que privilegiou pragmaticamente uma estratégia concomitantemente ancoral e multilateral.
A salvaguarda de um conjunto de valores universalmente reconhecidos tais como a consolidação de uma democracia estável e bem sucedida – uma transição pacífica e consensual de regime de partido único para o multipartidarismo – contribuiu peremptoriamente para a efectivação de uma vida cultural de realce e uma “massa crítica” susceptível de conduzir o país a estádios de desenvolvimento exemplares no continente.
A pluralidade de envolvimentos identitários assumidos por Cabo Verde (que moldou a própria configuração da sua política externa) contribuiu proficuamente para a formatação de uma psicologia étnica que conjuga uma identidade concomitantemente africana (por razões meramente geográficas) e europeia – resultantes das raízes histórico-culturais imputadas mimeticamente pela influência exogénea europeia, propiciando um estilo de vida equilibrado que projecta para o interior da estrutura política um sistema de valores que norteia o comportamento dos membros da sociedade, em direcção a uma estabilidade política susceptível de promover o instinto gregário no seio da comunidade política.
* Estudante de Ciência Política e Relações Internacionais (UNL)
Email: suzanocosta@yahoo.com.br;
slim_74@hotmail.com
Fonte: visaonews.com
Cabo Verde e a Construção de uma Identidade na Política Internacional
Por: Suzano Costa*
01.08.2005
A reivindicação política da integração de Cabo Verde na União Europeia resulta fundamentalmente de processos de identificação política potenciados pela emergência de uma nova era nas relações internacionais que é precisamente a da construção de identidades na política internacional. (Veja-se, para o efeito, o artigo intitulado Cabo Verde e a Integração Europeia: A Construção Ideológica de um Espaço Imaginário)
Esses processos de identificação política e a pretensa aproximação cultural de Cabo Verde à Europa têm como substrato lógico a reivindicação de um argumento que se assenta, sobretudo, na construção de uma dinâmica de poder cujo centro político de referência se projecta por intermédio da cultura e o seu legado histórico: “a chave desta questão é a identidade cultural. É esse o critério de adesão. E nesse contexto, Cabo Verde também é Europa. Senão como justiçar a entrada da Turquia na União Europeia?”.
A reivindicação de uma identidade cultural intrinsecamente reificada na “psicologia étnica” cabo-verdiana, patente na argumentação do Professor Adriano Moreira numa alusão aos laços históricos que unem cabo-verdianos e europeus, constitui um discurso legitimador por excelência susceptível de engendrar processos de identificação política que pululam largamente o imaginário do “povo das ilhas” e a sua consequente aproximação cultural ao espaço comunitário europeu.
Esse conjunto de argumentos acaba inevitavelmente por legitimar o facto das políticas da identidade assumirem uma enorme centralidade na actual configuração das relações internacionais, e consequentemente a ambição dos Estados se agregarem em comunidades politicamente organizadas no quadro do sistema internacional (União Europeia), mesmo quando à pertença a um espaço de relacionamento político integrado com benefícios e vantagens de natureza económica esteja subjacente um critério de condicionalidade política imposta aos seus membros.
Uma dimensão estruturante da construção das identidades na política internacional é a multiplicidade de envolvimentos que os Estados estabelecem, quando inseridos no quadro de um sistema internacional que privilegia a cooperação institucional para potenciar a integração regional, dando origem à emergência e afirmação do fenómeno da etnicidade enquanto instrumento de intervenção no cenário internacional e no sistema político de espaços politicamente integrados como a União Europeia.
A alusão à identidade cultural como o principal critério para potenciar a integração de Cabo Verde na actual configuração geopolítica da União Europeia enquanto espaço de relacionamento político integrado, representa fielmente a eventualidade da construção das identidades na política internacional ser apropriada e manipulada pelas comunidades políticas, sob a égide da reivindicação de uma identidade partilhada que se projecta culturalmente através do legado histórico introduzido pela influência exogénea da colonização europeia.
A aceitação cultural dos valores que norteiam a intervenção da União Europeia enquanto corporização de uma ideia no sistema internacional legitima a adesão de determinadas comunidades políticas a esse discurso e ideário político que se projectou cultural e historicamente.
O discurso legitimador subjacente à reivindicação da integração de Cabo Verde no espaço comunitário europeu assenta numa dimensão marcadamente identitária – o critério para a adesão é a identidade cultural – potenciada por valores simbólicos e laços históricos que aproximaram culturalmente Cabo Verde à Europa.
Esse posicionamento identitário que potencia a agregação das comunidades políticas em torno de valores simbólicos nos chama a atenção pela eventualidade desse discurso legitimador ser apropriado e manipulado por determinados Estados soberanos (inclusive Cabo Verde), independentemente dos limites territoriais que enformam a pertença a um espaço de relacionamento político integrado como a União Europeia, para legitimar a reivindicação de uma identidade política no quadro do sistema internacional.
O Estado de Cabo Verde enquanto nação soberana e autónoma revela política e culturalmente uma maior proximidade à Europa do que ao continente africano, devido à assumpção de um conjunto de valores universais susceptíveis de engendrar processos de identificação política com a União Europeia enquanto centro político de referência patente no ideário/imaginário político do homem cabo-verdiano. Mas essa alegada proximidade invocada pelos subscritores desse movimento não pode conduzir à subvalorização de uma identidade africana, recusando obstinadamente o relacionamento político com um continente do qual geograficamente pertencemos.
A vigência de um universo plurifacetado de valores simbolicamente imputados pela influência exogénea europeia na consciência e na cultura política cabo-verdianas tem induzido à subalternização de uma identidade africana, e consequentemente à reivindicação de uma identidade cultural europeia passível de promover a sua emancipação política.
O relacionamento político com Portugal enquanto parceiro estratégico do desenvolvimento de Cabo Verde constituiu secularmente uma realidade permanente e recorrente à prossecução da política externa cabo-verdiana.
Esta parceria estratégica entre Cabo Verde e o Estado português assenta sobretudo nos laços históricos e culturais que unem umbilicalmente as relações diplomáticas entre as duas nações, parceria essa que poderá ser extremamente profícua para a mobilização de esforços no sentido de potenciar a integração de Cabo Verde no espaço europeu embora as contradições entre os membros do Governo português sejam visíveis.
Apesar da persistência dos promotores desta diligência perante as autoridades políticas portuguesas a verdade é que as contradições que as mesmas posições patenteiam conferem à eventualidade da integração de Cabo Verde na União Europeia um carácter marcadamente utópico (um ideal realizável para aqueles que privilegiam o idealismo como filtro teórico para formatar a sua percepção do mundo, do qual o autor do presente artigo é defensor acérrimo). Mas como dizia o outro o sonho comanda a vida e “mesmo ‘as jangadas de pedra’ podem regressar aos cais de partida”. A ver vamos.
* Estudante de Ciência Política e Relações Internacionais (UNL)
Email: suzanocosta@yahoo.com.br; slim_74@hotmail.com
A PROPÓSITO DA DITA INTEGRAÇÃO DE
CABO VERDE NA UNIÃO EUROPEIA
Ao ver os primeiros títulos dos artigos sobre a dita
integração de Cabo Verde na Europa, entre eles, “Europatem vantagem na adesão de
Cabo Verde”, Cabo Verde de Volta à Europa, “Petição Soares e Adriano Moreira
apadrinham ideia pela importância geo-estratégica do arquipélago Estado
português terá de convencer pares”, pensei para comigo: há caboverdianos que são
decididamente tinhosos! Quase dois séculos após o Arquipélago ter recebido, pela
primeira vez, a designação de "província do Ultramar", devendo, por este facto,
ser administrado ao abrigo da legislação e organização administrativa aplicáveis
à "metrópole", oque na realidade nunca aconteceu, lá voltam eles a querer mais
uma vez ser europeus.
Defeito de profissão, pois sou Historiadora. Mas não estou escrevendo um texto
histórico, embora recorra à História. Estou sim, reagindo como cidadã que tomou
parte activa na luta de libertação da Guiné e Cabo Ver e está mais do que nunca
convencida que valeu a pena, mau grado a mundialização que reduziu as
fronteiras, diz-se.
Tentei lembrar-me do que diziam ideólogos, políticos e gentes das Ciências
Sociais do recente passado colonial, lá me esbarrei, nas minhas notas, com
Mendes Corrêa que em 1954 dizia ser provável que a distância em relação à
"metrópole", as características africanas do arquipélago – do ponto de vista
geográfico e pela existência de problemas que lhe são específicos – tivessem
determinado, até então, a resistência em considerar as ilhas de Cabo Verde como
uma província ultramarina e atribuir-lhes a designação de ilhas adjacentes.
Aliás, acrescentava ele, à primeira vista, essas ilhas não são, pela sua posição
geográfica, adjacentes à metrópole; elas são-no, em relação ao continente
africano. Por outro lado, concluiu Mendes Corrêa, os interesses nacional e local
recomendavam, pelo menos por algum tempo ainda, que se mantivesse o statu-quo
sobre a questão. Statu quo este que Mário Soares, ex-Presidente da República
Portuguesa vem tentando quebrar, por portas e travessas, desde a sua famosa
visita a Tenerife (1994).
Finalmente, os ditos caboverdianos europeístas, mesmo se estão por detrás, não
deram a cara. É o próprio Adriano Moreira que diz, As autoridades portuguesas
estão indicadas e legitimadas para terem a iniciativa de propor a abertura de um
processo de adesão de Cabo Verde à União Europeia. Pergunto, neste ano em que
vamos festejar o 30º Aniversário da Independência de Cabo Verde, o que indica e
legitima as autoridades portuguesas? Merece explicação, pois não entendi. Os
dirigentes, deste país que é o meu, deram essa legitimidade?
Na opinião do Adriano Moreira, (…) é indiscutível que a sociedade civil
caboverdiana incorporou na identidade cultural os valores que são dominadores
comuns dos europeus, sendo uma das expressões mais bem sucedidas das sínteses
culturais a partir de um multiculturalismo derivado do modelo de povoamento. De
todos os territórios onde Portugal teve responsabilidades (sofisma!!!), [Cabo
Verde] é o exemplo mais perfeito. A marca europeia está ali (entrevista para o
Capital).
Quais são esses valores caboverdianos que são comuns aos europeus?
Uma das expressões mais bem sucedidas das sínteses culturais? No restante
Ultramar Português as sínteses não foram tão bem sucedidas? Mesmo no Brasil que
se tornou independente em 1822? Que me diz de Angola e Moçambique onde há bem
razoáveis minorias mestiças e de origem portuguesa? E São Tomé e Príncipe cujas
afinidades com Cabo Verde levaram Francisco Tenreiro a escrever: Cabo Verde e
São Tomé e Príncipe. Esquema de uma evolução conjunta? É nesses países que,
contrariamente a Cabo Verde, encontramos parte importante das populações que tem
como língua materna o português! Na Guiné Bissau a língua caboverdiana
tornou-se, com a luta de libertação nacional que uniu os dois povos, mão grado,
bom grado, a língua de comunicação de uma larga maioria!
O que significa uma síntese mais bem sucedida finalmente?
Em quê a marca europeia difere da das outras ex-colónias?
Quanto à literatura caboverdiana, ela é, para Adriano Moreira, das mais
enriquecedoras do espaço lusíada. Trata-se de uma cooptação ou uma recuperação
por os Claridosos se terem declarado movidos pela aristocratização da sua
escrita (a deles) para poderem ser aceites pela Metrópole como sendo a expressão
regional da cultura portuguesa? Se é apropriação pura e simplesmente, esse
espaço lusíada incorpora os outros países de língua portuguesa? Representação e
projecção ainda do conceito do Ultramar Português? É por essas e por outras que
adiro, do coração, ao que disse François Miterrand aos outros francófonos:
partilhamos uma mesma língua.
Sobre a Independência de Cabo Verde Adriano Moreira considera que ela resulta do
movimento geral descolonizador impulsionado pela ONU.
Embora esteja já habituada à amnésia histórica que ataca fortemente a maior
parte dos políticos, custa-me ver a luta levada a cabo pelo PAIGC desde a sua
constituição em 1956, na Guiné Bissau até à Revolução dos Cravos em Portugal,
com tantas vidas deixadas pelo caminho, ser assim apagada como um simples
exercício de borracha sobre papel escrito com lápis!!!
Só para refrescar as memórias, pois não quero, de facto, fazer História, lembro
aqui o que disse Cabral em 1968: a situação na Guiné Bissau, onde se processava
a luta conjunta, era a de um Estado independente em que uma parte do território
– principalmente as zonas urbanas – estava ilegalmente ocupada pelas forças
armadas estrangeiras.
Foi tal situação que permitiu à Paulette Mathy Pierson , escrever o que segue,
relativamente à invasão de Conacry, em 1970, pelos colonialistas portugueses: "O
fracasso dessa agressão armada e a sua condenação pelo Conselho de Segurança, na
base de conclusões apresentadas por uma missão internacional que para aí foi
enviada, contribuem fortemente para o isolamento, no plano internacional do
regime colonial português e abrem novas perspectivas à luta do P.A.I.G.C., tanto
no plano interno como internacional"
A despeito da morte de Cabral ocorrida a 20 de Janeiro de 1973, a Assembleia
Nacional Popular reunida nas zonas libertadas do Boé, proclama a 24 de Setembro
de 1973, a República da Guiné-Bissau, Estado independente.
Pouco tempo depois, 75 Estados de todos os continentes reconheciam o Estado
guineense, que foi admitido na Organização da Unidade Africana (OUA) a 19 de
Novembro de1973.
Por isso tudo e por outras, dificilmente me esqueço que foi Adriano José Alves
Moreira o então Ministro do Ultramar quem assinou o Decreto 43 600, de 14 de
Abril de 1961 que instituía em Chão Bom um campo de trabalho que na realidade
era a reabertura do Campo de Concentração do Tarrafal para, desta vez, acolher
os nacionalistas das ex-colónias portuguesas!
A primeira leva de presos recebida após a reabertura do campo foi de 32
angolanos, dos quais dois vieram a falecer às más condições alimentares e
sanitárias: Pedro Benje e Marques Monteiro . Mas também aí morreram Sérgio dos
Reis Furtado (Cabo Verde), Cotumo Cassama (Guiné Bissau) .
Os que não morreram, guineenses, caboverdianos, angolanos, muitos trazem até
hoje no corpo e no espírito as marcas profundas da sua passagem pelo Campo da
Morte Lenta.
Muito sinceramente, neste mundo de hoje em processo de globalização,
inspirando-me das diversas ideias e políticas de multiculturalismo e
interculturalismo que a própria Europa vem praticando há cerca de duas décadas e
fundamentando-me nos Direitos Humanos, à semelhança do que muitos países vêm
fazendo em relação ao povo judeu, começaria por apresentar as minhas desculpas
públicas senão aos países, pelos menos aos ex-prisioneiros e/ou às suas famílias
e tentaria criar um grupo de apoio para a abertura de negociações com vista à
reparação dos danos causados.
Elisa Andrade
25.04.2005
AINDA A PROPÓSITO DA DITA INTEGRAÇÃO DE
CABO VERDE NA UNIÃO EUROPEIA
Morremos e ressuscitamos todos os anos/para desespero dos que nos impedem/a caminhada/Teimosamente continuamos de pé/num desafio aos deuses e aos homens…
Ovídio Martins
Antes de comentar algumas passagens da entrevista de Mário Soares concedida a Maria Jorge Costa (A Capital - 16 -03-05), vou voltar a página com Adriano Moreira com um comentário mais, após a leitura da extensa entrevista que acordou a José Vicente Lopes.
Decididamente, Adriano Moreira e eu, estivemos e continuamos em lados opostos da trincheira[1]. Por um lado, afirma que por nunca ter havido movimentos violentos em Cabo Verde, quis subtraí-lo do movimento geral que perpassava pela comunidade internacional em 1962, dando-lhe o estatuto de adjacência que aliás não conseguiu por ter saído do governo da Salazar. Mas também, porque “entendia que Cabo Verde, pela sua composição social e cultural, não tinha um povo que devesse ser envolvido na luta anticolonial que havia no mundo nessa altura”. Bendigo a histórica decisão tomada pelas organizações anticolonialistas – MPLA, PAI (GC) e Goa League, tomada na reunião de Londres em Dezembro de 1960 de passar à acção directa caso o governo português não respondesse às suas reivindicações. Mas quando desencadearam a luta armada, passaram a ser os seus terroristas!!! Para nós outros são os nossos Combatentes da Liberdade da Pátria ou heróis (os que faleceram) que pela sua acção directa contribuíram para o derrube do fascismo em Portugal e permitiram a efectivação do direito à autodeterminação, indispensável à vida dos povos que a ONU acabou por absorver aquando da sua Assembleia Geral de 16 de Dezembro de 1996.
Não resisto em transcrever aqui o que escreveu, há bem pouco tempo, Aristides Pereira: “…a presença colonial portuguesa em Cabo Verde é amiúde assinalada na historiografia portuguesa como sendo diferente em relação a outras colónias, procurando mesmo a política oficial de Portugal colonialista, ao longo de todo o processo da colonização, dar a ideia de que Cabo Verde era um caso à parte e, como tal, merecendo na sua generalidade um tratamento jurídico diferente. Apesar de tudo, nunca se deixou de sentir a relação dominador-dominado, assentando aí a génese de todo um processo que culminaria mais tarde no despertar do nacionalismo cabo-verdiano[2]”.
Passando agora a Mário Soares, confesso logo a minha perplexidade pois não consigo fazer a destrinça com Adriano Moreira. Pior. Há propósitos do primeiro que quase me chocam!
Diz Mário Soares que os caboverdianos não devem ser exclusivamente africanos pois são “uma mistura de africanos e de portugueses, de judeus, gente que passou em todas as direcções cruzando o Atlântico”. Nisso temos, em termos de formação dos povos, muito de comum com os portugueses pois são originários também de uma mistura de Celtas, Iberos, Romanos, Alanos, Vândalos, Suevos, Visigodos, Árabes (oito séculos?) e nós outros Negro-Africanos (cerca de 15% da população de Lisboa no século XV). Apesar de tudo, continuam sendo portugueses e europeus porque inseridos geograficamente no continente europeu.
Para Mário Soares, o facto de termos um partido chamado PAIGC é “circunstancial” (mesmo se a luta se estendeu de 1956 a 1974 tendo pelo meio o massacre de Pindjigiuti) e resulta do facto de “Amílcal Cabral ser cabo-verdiano de facto, mas criado na Guiné”.
Amnésia histórica dos políticos ou desconhecimento da História de Cabo Verde? Os Negro-Africanos, essencialmente originários da Guiné-Bissau, foram sempre maioritários na formação do povo caboverdiano (António Carreira, Padre António Brásio, Cristiano José de Senna Barcellos e muitos outros). Amílcar recorreu, nomeadamente, à História e à Antropologia Cultural, para além da sua experiência vivida aquando do Recenseamento Agrícola na Guiné-Bissau, para um maior e melhor aprofundamento do seu conhecimento dos povos da Guiné e Cabo Verde para, com mais justeza, definir a sua estratégia de luta de libertação que foi tão bem sucedida que levou à independência dos dois países, mesmo depois da sua morte. Cabral soube apreender bem os fundamentos históricos, populacionais e culturais que fundamentaram a Unidade de Luta dos dois países.
Dizer que “os guineenses não gostam dos cabo-verdianos porque os consideram diferentes” pois “os cabo-verdianos durante o império colonial português tiveram sempre um comportamento diferente dos outros porque se consideravam intermediários entre eles e África, e estiveram muitos funcionários cabo-verdianos em Angola, Moçambique, etc”, é o máximo. Tentarei não qualificar tal asserção. Direi só que a pior safadeza que os colonialistas nos fizeram foi a criação desses “muitos” caboverdianos instrumentos da dominação colonial portuguesa e a sua política assimilacionista consubstanciada na criação do Seminário Liceu de São Nicolau donde saiu a primeira fornada dos que partiram ajudar a administrar as outras ex-colónias portuguesas.
Aliás, o Spínola soube bem tirar partido de tal situação. Convencido que “uma guerra subversiva não se ganha militarmente” e que “a vitória, essa, tem que ser conseguida pelo governo no campo político, a sua estratégia irá privilegiar os factores político sociais. “Além do reforço e reorganização das forças armadas, do reordenamento populacional, do abandono do sistema de quadrícula e dos esforços para neutralização dos apoios do PAIGC nos países limítrofes, o seu programa visará especialmente o desenvolvimento económico, a justiça social, o reforço das instituições tradicionais, o aproveitamento das divisões étnicas e a exploração das tensões entre guineenses e caboverdianos no interior do PAIGC”[3]. Esta última concretizar-se-ia na sua política: por uma Guiné melhor que felizmente ficou acantonada nas zonas urbanas, as únicas que então controlava.
Conseguiu sim, armar as mãos que abateram Amílcar, mas não travar o processo irreversível de libertação.
Felizmente, se houve condecorado caboverdiano pelos feitos aquando da última guerra dita de pacificação que levou à rendição da Rainha Oqinqa Pampa em 1936, (Bilagós-Guiné-Bissau) e herói em Mucaba (início da luta de libertação em Angola), houve o Pedro Silva e Silvino da Luz (que foi parar nas masmorras da Nigéria por ter desertado exército colonial em Angola), e quantos outros que lutaram ao lado dos angolanos, moçambicanos para a independência desses países.
Se tivesse alguma dúvida quanto à estima e companheirismo que unem os povos da Guiné e Cabo Verde, tê-la-ia perdido com o acolhimento que o povo reservou ao Presidente da República de Cabo Verde e à sua comitiva durante a sua visita a este país irmão de história e de sangue. Que haja alguns que não gostem, admito. Os mesmos sentimentos de alguma animosidade e/ou intolerância tocam alguns de entre nós outros caboverdianos do barlavento e sotavento. Mas nada que a história, se for bem contada não deixará de elucidar e fazer desaparecer com o tempo. Mas História feita por nós outros caboverdianos e guineenses. Pensamos como Braudel[4] que “O Historiador só está inteiramente à vontade no acesso à história do seu próprio país” pois “compreende quase instintivamente os seus rodeios, meandros, originalidades, fraquezas”. E conclui, “Nunca, por mais erudito que seja, possui tais trunfos, quando se aloja em casa de outrem”.
O Amílcar, que morreu a 20 de Janeiro de 1973, não podia entender “que devia haver um partido único” pois tal decisão só foi tomada com o advento da independência de Cabo Verde, ou seja, a 5 de Julho de 1975.
Sobre o “grupo (de quê?) do PAIGC onde estava o Pedro Pires, que era o chefe”, palavras do Mário Soares, Aristides Pereira escreve o seguinte: “Na sequência da reunião de Dakar, as delegações[5] do PAIGC e do Governo português encontram-se em Londres com vista a dar início às conversações previstas. A primeira era constituída por Pedro Pires (chefe da delegação[6]), José Araújo, Úmaro Djalo, Lúcio Soares Bobo Queta, Júlio Semedo e Gil Fernandes, a segunda, pelo ministro da Coordenação Interterritorial, Almeida Santos, o chefe da casa civil da Presidência, Almeida Bruno, e Jorge Campinos, embaixador”.
A “questão de Cabo Verde”, que, na sequência das discussões sobre a Guiné, veio “por arrastamento” tratá-la-emos no próximo artigo.
Elisa Andrade
[1] Efectivamente já estávamos quando, em 1961, foi tomada a decisão de instalar uma comissão administrativa na Casa dos Estudantes do Império, considerada lugar de subversão. Decidimos ocupá-la impedindo a concretização, na altura, da mesma.
[2] PEREIRA, Aristides, Uma luta, um partido, dois países, notícias editorial, 2002.
[3] SILVA, António E. Duarte, A independência da Guiné-Bissau e a descolonização portuguesa”, Edições Afrontamento, Porto, 1997.
[4] BRAUDEL, Fernand, L’identité de la France, Ed. Flammarion, 1986.
[5] O sublinhado é nosso.
[6] Idem
Publicado no A SEMANA, 6 de Maio de 2005.
A África ainda existe!
Por: Fernando Casimiro (Didinho)
11.02.2005
" Em Cabo Verde, tal como em toda a África, a referência de base da afirmação dos povos africanos é: MÃE ÁFRICA! Nunca em Cabo Verde ou em qualquer outro país africano se ouviu outra referência que não esta...."
O professor e cidadão português Adriano Moreira, escreveu recentemente um artigo de opinião publicado no jornal português Diário de Notícias (08.02.2005), onde apresenta uma visão típica de expansionismo neocolonial ao sugerir a " Integração de Cabo Verde na Europa".
Sendo eu guineense, com "costelas" caboverdiana, cabindense e portuguesa, considerando-me africanista e não europeísta apesar de viver na Europa, não poderia deixar de reagir a tamanha ofensa da dignidade africana.
Ofensa da dignidade que assume contornos de deturpação da própria realidade dos factos citados por Adriano Moreira.
A sugestão de Adriano Moreira não é uma novidade, pois já em Setembro de 2004, aquando do Simpósio Internacional Amilcar Cabral, realizado em Cabo Verde, o antigo presidente da República portuguesa, Mário Soares, exprimiu idêntica opção para Cabo Verde.
Todos sabemos e o professor refere-se a isso no seu artigo, que Cabo Verde é um país independente! Mas pelos vistos, o professor esqueceu-se de que a independência de Cabo Verde não foi obtida em resultado do movimento geral descolonizador impulsionado pela ONU, como refere no seu artigo.
Cabo Verde tornou-se independente graças a negociações entre o PAIGC e as autoridades portuguesas, fruto da luta armada dirigida pelo PAIGC na Guiné, com o objectivo das independências da Guiné e de Cabo Verde e que, também contribuiu para o derrube do próprio regime fascista e colonialista de Salazar.
Adriano Moreira faz comparações geográficas de Cabo Verde com as Canárias e com os arquipélagos portugueses, todos situados no Atlântico, para dizer que todavia Cabo Verde parece nunca ter despertado a atenção dos órgãos institucionais, no sentido de serem iniciadas negociações para ser admitido na União Europeia.
A História dá-nos conta da formação de colónias de povoamento europeu em relação às Canárias, aos Açores e à Madeira, o que não aconteceu com Cabo Verde, que por se tornar num centro de escravatura, recebeu maioritariamente populações (escravos) africanas.
Ora é aqui que partimos do princípio da identidade caboverdiana, assente numa diversidade multicultural na verdade, mas com padrões de definição mais visíveis levados pelos escravos de diferentes origens de África do que levados pelos colonos europeus.
É um absurdo dizer-se que a sociedade civil caboverdiana incorporou na sua identidade cultural, valores que são denominadores comuns dos europeus.
A raiz cultural caboverdiana está bem patente no batuque, nas danças e cantares de Cabo Verde, simbolizando maioritariamente África e não a Europa. Não se pode negar a existência de traços europeus nas culturas africanas, seja em Cabo Verde, seja em qualquer país africano, mas querer inverter a predominância dos traços africanos pelos europeus, é um claro contra-senso.
Falar de uma suposta integração de Cabo Verde na União Europeia, é um assunto que pode merecer aplausos de muitos cidadãos caboverdianos, não tenho dúvidas! Como também não tenho dúvidas que em Cabo Verde ainda muito boa gente questiona qual a definição geográfica de Cabo Verde e por conseguinte, a que Continente pertence Cabo Verde.
A Cabo Verde foi reconhecida independência e estatuto de país africano membro da Organização da Unidade Africana, actual União Africana e das Nações Unidas. Os caboverdianos, são por isso considerados africanos.
O artigo de Adriano Moreira desperta uma certa curiosidade quando diz que: " As autoridades portuguesas estão indicadas e legitimadas para terem a iniciativa de propor um processo de adesão de Cabo Verde à U.E." Até que ponto se pode aceitar este controlo estratégico e como não deixar de lhe chamar de expansionista com carácter neocolonialista, porquanto só se pensar nos benefícios estratégicos que Cabo Verde pode oferecer à União Europeia e não nas contrapartidas de realce para Cabo Verde ou mesmo para os caboverdianos...?!
Adriano Moreira já pensou como é que os caboverdianos seriam vistos pelos europeus de "gema"?
Por acaso, o exemplo vivo das duplas-nacionalidades não é esclarecedor do posicionamento a que os portugueses europeus colocam aos portugueses de "recurso"...?
Os países africanos de expressão portuguesa que têm laços históricos e de sangue de cinco séculos, com Portugal, pertencendo à mesma comunidade denominada CPLP, viram Portugal propor o fim dos pedidos de visto de entrada em Portugal e, por assim dizer na Europa, aos seus cidadãos...? Claro que não!
Claro é também o conceito europeísta, africanista, asiático ou americano, que se baseia sobretudo na questão fisionómica, pois mesmo com as duplas-nacionalidades e, antes de se apresentar qualquer documento de identificação, as pessoas já são identificadas pelos seus traços fisionómicos.
De repente Cabo Verde passou a despertar interesses possessivos de níveis elevados. Se a posição geo-estratégica é reconhecida há muito, só o despertar para a possibilidade da existência de petróleo em Cabo Verde pode aumentar consideravelmente o apetite para tamanhas ofertas de quem se preocupa com a casa dos outros e não com a sua...
A confirmar-se a existência de petróleo em Cabo Verde em valores rentáveis, estaríamos perante um dos mais bem posicionados (geograficamente) produtores tanto para os Estados Unidos, como para a Europa.
Penso que, mais do que sugerir a integração de Cabo Verde na Europa, há espaço de opinião para o professor Adriano Moreira debater uma verdadeira e repartida integração de Portugal na União Europeia.
Primeiro, porque desde 1986 a esta parte, continua a haver desigualdades gritantes entre os demais países da União Europeia e Portugal.
Segundo, porque em relação a Portugal, o efeito da adesão à União Europeia só se faz sentir nos grandes centros metropolitanos, continuando o interior abandonado, ao ponto de muitas vezes se questionar se o país está mesmo na Europa, ou ainda, que vantagens trouxe a adesão à Europa!
Terceiro, sendo a língua portuguesa a língua comum de mais de 200 milhões de pessoas espalhadas pelo mundo, não se utilizar este considerando para a valorização do espaço lusófono a nível da Europa tendo Portugal como intermediário principal nas relações entre a União Europeia e os países lusófonos.
Caro professor, gostaria de lhe lembrar que a África ainda existe e que o Atlântico não se fica por Cabo Verde.
Cabo Verde pediu um estatuto especial no relacionamento com a União Europeia, o que não significa um pedido de adesão à União Europeia, mas por exemplo, o Primeiro Ministro José Maria Neves sabe que nunca se poderia considerar um europeu, pois bastava olhar para um espelho para assim o entender...ou em último caso, perguntar a um europeu de "gema" em que espaço geográfico o colocava, para ficar a saber pelos outros, o que seria desnecessário!
Continue-se a ajudar Cabo Verde, continue-se a apostar em Cabo Verde, mas não se tente "anexar" Cabo Verde e muito menos ignorar África!
Junto anexo o artigo do professor Adriano Moreira, para uma melhor análise ao meu comentário.
Adriano Moreira A integração de Cabo Verde na Europa
Os temas europeus não estão muito presentes nos debates em
curso, como se a dependência do País em relação às orientações
da União não fosse de uma importância crescente.
Uma dependência que tem que ver com as políticas sabidas e também com as políticas furtivas que se vão concretizando sem a participação dos Parlamentos nacionais e informação à opinião pública. Uma das vertentes que parecem exigir maior atenção, pelos reflexos que tem nos interesses dos restantes membros, é a do alargamento, agora a caminho de se transformar num ritual, com ponto final predeterminado, as negociações para a admissão da Turquia. O alargamento para leste parece inspirado pelo objectivo, não declarado, de recolher toda a herança da NATO com adaptação do seu conceito estratégico de levar a libertação do Atlântico aos Urales, articulando sem grande meditação as definições de comunidade e de aliança. Talvez seja oportuno, e necessário, olhar criticamente para o Atlântico de onde partiu o movimento, dando atenção ao risco de afastamento entre o europeísmo e o americanismo, considerar a necessidade de continuar a tentar modelar a articulação entre a segurança do Atlântico Norte e a do Atlântico Sul, e repensar o estatuto dos arquipélagos que pontuam a linha divisória. Os arquipélagos portugueses estão por isso na Europa, assim como as Canárias estão na Europa por serem parte da Espanha. Todavia Cabo Verde, um Estado independente, parece nunca ter despertado a atenção dos órgãos institucionais, no sentido de serem iniciadas negociações para ser admitido na União. Do ponto de vista do conceito comunitário, é indiscutível que a sua sociedade civil incorporou na identidade cultural os valores que são denominadores comuns dos europeus, sendo uma das expressões mais bem sucedidas das sínteses culturais a partir de um multiculturalismo derivado do modelo de povoamento. A sua literatura é das mais enriquecedoras do espaço lusíada, e no que respeita à intervenção portuguesa, no processo euromundista da colonização, uma realidade que acompanha o milagre que foi a criação do Brasil. No conjunto dos Estados que se tornaram independentes em resultado do movimento geral descolonizador impulsionado pela ONU, Cabo Verde, limitado de recursos, é um exemplo de Estado de Direito, cumpridor escrupuloso das obrigações internacionais, confiável se atendermos aos critérios que orientam a Administração republicana dos EUA. Existe um movimento, ainda mal sustentado, no sentido de organizar uma espécie de unidade cooperativa dos arquipélagos atlânticos, e Cabo Verde nunca está ausente dos comentários publicados e das intervenções. Mas, por outro lado, e voltando às questões da segurança, não é possível sugerir qualquer modelo de organização do Atlântico Sul, e de articulação entre a sua segurança e a do Atlântico Norte, sem incluir Cabo Verde no processo, supondo que não recusará o consentimento e a colaboração. Por outro lado, a Europa é forçada a ter posição nesse projecto, que apelará ao interesse português, tantas são as soberanias de língua oficial portuguesa que se encontram nas duas margens. Cabo Verde tem uma identidade e um desempenho que fazem do seu povo e
da sua política uma referência segura de diálogo com todas as
soberanias africanas, uma mais- -valia para a União Europeia.
Artigo publicado no jornal português Diário de Notícias (08.02.2005)
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Carta de Bruxelas, aos 17 de Maio de 2005 - de José Luís ROCHA - (*)
Com a excepção de alguns anti – europeistas convencidos, a maioria dos 450 milhões de cidadãos da União europeia aspira a mais e melhor Europa : uma Europa da economia, certo, mas também uma Europa social e cultural, o todo sustentado por um projecto político de integração regional e de projecção no mundo.
Presentemente, o debate que os anima, tem a ver com a ratificação, em curso, do “Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa” assinado em Roma, a 29 de Outubro de 2004, pelos Chefes de Estado e de Governo. Os protagonistas do SIM e do NÃO dividem-se não quanto à necessidade do projecto em si, mas em virtude da natureza deste ultimo, mais ou menos “federal”, mais ou menos liberal, mais ou menos social.
Esse texto constitucional pretende consolidar não só o alargamento da Europa de 15 para 25 Estados depois da adesão histórica de 10 novos países a 1 de Maio de 2004, como aprofunda a integração, propondo instituições, técnicas e procedimentos renovados de que resulta uma nova União europeia, dotada de personalidade jurídica. Reforça, desta feita, a capacidade e, consequentemente, a posição da U.E. na cena internacional, como actor global, político, económico e financeiro que é.
Não restam duvidas de que o modelo da integração europeia, de liberdade e de paz duráveis, de progressos económicos e sociais constantes, inspira o resto do mundo, que nas suas diferentes regiões adopta projectos de integração na perspectiva de vir a angariar benefícios idênticos. Esse modelo exerce, por outro lado, uma forte atracão, se tivermos em conta todos os, países como indivíduos, que dele querem aproximar-se.
Enquanto os europeus discutem do seu futuro, o que vem animando, paralelamente, os caboverdianos, é a questão da relação do seu pais com essa entidade europeia, ou mais precisamente a forma para a qual deve evoluir a relação que existe entre ambos.
Muita tinta já correu sobre o assunto. Infelizmente, em alguns casos, não a melhor se consideramos a forma emotiva com a qual os articulistas têm-se apresentado. Não que a emoção seja uma ma conselheira. Cativada positivamente ela poderá catalisar a acção. Negativamente ela desvia a energia do essencial.
Refiro-me à questão de um estatuto especial reclamado por Cabo Verde, convertido posteriormente em parceria especial, à qual veio acrescentar –se, por outro lado, a iniciativa de terceiros, propondo que o projecto seja estendido, nada mais nada menos, à adesão plena de Cabo Verde como membro de direito da União europeia.. Torna – se pois, urgente, fazer acompanhar a evolução desse assunto, e por quem de autoridade, de uma estratégia de comunicação (e não apenas de multiplicação da informação) clara e inequívoca, para o consumo da opinião tanto interna como externa a Cabo Verde. Com vista a precisar a intenção e o conteúdo do projecto, ainda que este ultimo possa vir a evoluir, mas também e sobretudo para que em relação ao mesmo não se crie expectativas versus frustrações ou dele não se tire ilações versus descrédito.
Caboverdianamente, a presente reflexão vai no sentido de contribuir para a elaboração dessa comunicação, ao analisar, diria, ex. –post, alguns dos parâmetros que enquadram a questão em apreço. Primeiramente, situando o conceito mesmo da União europeia, na sua definição e objectivos, contornos geopoliticos e acção externa. Em segundo lugar, para enfrentar os cenários que teoricamente sustentam ou não, qualquer situação ou pretensão, como os que já existem ou que vêm sendo anunciados por ou para Cabo Verde. Finalmente, para opinar sobre as estratégias da política externa de Cabo Verde, neste ou naquele sentido.
O preâmbulo do Tratado constitucional europeu faz referência às heranças culturais, religiosas e humanistas da Europa, uma Europa doravante reunificada após experiências dolorosas, assim como, aos povos da Europa, decididos em forjar um destino comum.
O Artigo primeiro do Tratado, segundo o qual a União é uma emanação da vontade dos Estados membros que lhe atribuem competências para atingir os seus objectivos comuns (enumerados no artigo I – 3), estipula no seu ponto 2 que a União é aberta a todos os Estados europeus que respeitam os seus valores e que comprometem-se a promovê-los em comum. O artigo I – 58 ( critério de pertença à União) reforça este preceito e acrescenta que qualquer estado Europeu que deseja tornar-se membro da União dirige um pedido neste sentido ao Conselho que decide por unanimidade dos votos, ouvidos a Comissão e o Parlamento, este ultimo pronunciando-se por maioria dos membros que o integram. As condições e as modalidades de adesão serão objecto de acordo entre os Estados membros e o Estado aderente, sujeito à ratificação por vias das regras constitucionais de cada um.
Convém ainda referir-se ao artigo I-3.4. Nele o Tratado estabelece que, nas suas relações com o resto do mundo, a União afirma e promove os seus valores e os seus interesses. A União contribui, nomeadamente para a paz, a segurança, o desenvolvimento, a solidariedade, para o respeito mutuo entre os povos, assim como para o respeito do comercio equitável, dos direitos humanos e para a luta contra a pobreza.
Serve esta introdução para dizer que o Tratado por um lado, se não define a Europa geográfica nem estabelece fronteiras de forma clara, deixando um vago ou pecando mesmo por omissão nesse aspecto, por outro, fecha o conceito de Europa num conjunto de valores comuns e em referências históricas, culturais, religiosas, que definem uma identidade europeia colada ao continente que tradicionalmente sustenta esta ultima do ponto de vista geográfico. E desta feita restringe a noção mesmo de pertença à Europa, assim como a de Estado aderivel, à condição do requerente ser um Estado europeu.
A acção externa da União europeia, ou mais precisamente, uma leitura geográfica de algumas das políticas exteriores vem confirmar essa hipótese na mente dos ‘decidores’ europeus. Trata – se essencialmente das políticas de alargamento, da vizinhança e da cooperação para o desenvolvimento e a cooperação económica com países terceiros.
A política do alargamento surge como um verdadeiro instrumento de política externa ao abrir o caminho aos Estados europeus que desejam ser admitidos como membros da União. Para o efeito, estes últimos deverão preencher os critérios de elegibilidade ( artigo I-2 do Tratado) e serem autorizados, por decisão unanime do Conselho, a iniciar o processo de adesão nas condições indicadas pelo artigo I - 58 do Tratado constitucional. E nessa base que se enquadram as adesões já negociadas e aceites com a Bulgária e a Roménia (membros efectivos a partir de 2007), que decisões foram tomadas de relativamente à abertura das negociações com a Turquia, da mesma forma que Conselho de Salónica de Junho de 2003 “reiterou a sua determinação em apoiar plena e efectivamente a perspectiva europeia dos países dos Balcões ocidentais, que se tornarão parte integrante da U.E., uma vez satisfeitos os critérios estabelecidos”.
A política europeia de vizinhança (PEV), (Artigo I – 157) oferece aos vizinhos imediatos que com a União tenham fronteiras comuns, a possibilidade de uma parceria privilegiada, com vista a estabelecer um espaço de prosperidade e de boa vizinhança, com fundamento nos valores comuns da U.E., caracterizado por relações estreitas e pacificas, baseadas na cooperação. Em suma , trata-se, segundo a formula oficiosa consagrada pelo então Presidente da Comissão de partilhar nesse âmbito, “ Tudo menos as instituições” por analogia com a formula aplicada à política comercial para o desenvolvimento “ Tudo menos armas”. A cobertura geográfica da PEV, segundo os documentos de orientação mais recentes da Comissão, diz respeito, na Europa, à Rússia, Bielorússia, Ucrânia e Moldávia e, na região do Mediterrâneo, aos países do processo de Barcelona ( Argélia, Marrocos, Líbia, Tunísia, Egipto, Palestina, Israel, Líbano e Jordânia) ou seja a mais de 10.000 km de fronteiras comuns. Existe igualmente uma recomendação de incluir na PEV, alguns países do Caucaso do Sul. Os acordos de parceria nesse âmbito já foram propostos com vários desses países.
E importante notar a esse respeito que a ligação entre a vizinhança e a adesão não é linear. Se para alguns países europeus inscritos no âmbito da PEV a questão da adesão futura permanece aberta, já não é o caso dos países do Mediterrâneo sul, em relação aos quais qualquer perspectiva de adesão, encontra-se, por ora, fora de questão.
A política de cooperação com os países em desenvolvimento e a cooperação económica, financeira e técnica com outros paises, é conduzida no âmbito da acção externa. Ela oferece parcerias a esses países ou grupos de países (ACP por exemplo) em relação aos quais a questão de uma eventual adesão, também, não se põe à priori.
De notar ainda que a África beneficia de uma atenção crescente por parte da União europeia. O dialogo U.E. – África, tem vindo a intensificar-se para cobrir não só questões ligadas à prevenção de conflitos e à gestão de crises, mas também preocupando-se, cada vez mais, com o desenvolvimento do continente, como atesta o novo “pacote de desenvolvimento” que a Comissão europeia adoptou a 12 de Abril ultimo, o qual acorda uma prioridade especifica ao continente africano.
Cada uma das políticas acima referidas é contemplada com um instrumento unificado (respectivamente instrumento de pré – adesão, instrumento de política de vizinhança e de parceria, e instrumento para a cooperação económica e desenvolvimento) tal como proposto pela Comunicação da Comissão europeia de Setembro 2004, referente à perspectiva financeira 2007 – 2013, visando simplificar e reduzir para seis, a mais de dezena de instrumentos existentes, actualmente, em apoio à assistência externa.
Para terminar este capitulo da acção externa da União, convém ainda acrescentar que o Tratado constitucional reúne num único Titulo ( V – III), com maior lisibilidade e coerência, todos os aspectos das políticas exteriores da União. São assim tratadas sucessivamente a Política externa e de segurança comum (PESC), as políticas acima descritas, a política comercial comum, assim como, a política relativa aos Acordos internacionais que a União poderá concluir com um ou vários países terceiros ou organizações internacionais nas condições indicadas.
Duas outras disposições, de políticas internas, poderão complementar a analise acabada de ser feita sobre a acção externa da União.
Trata-se, em primeiro lugar da situação especifica dos países e territórios do ultramar, portanto não europeus, os quais entretém relações particulares com a Dinamarca, a França, os Países Baixos e o Reino Unido. Em virtude do Titulo IV- III do Tratado, esses países e territórios são associados à União e beneficiam, nesse contexto, de condições particulares segundo os objectivos enumerados, com vista a salvaguardar os interesses dos seus habitantes, bem como, promover o desenvolvimento económico, social e cultural dos mesmos.
Em segundo lugar, das regiões ultraperiféricas de certos Estados membros referidos no artigo III – 424 do Tratado constitucional: Guadalupe, Guyane francesa, Réunion, Madeira, Açores e Canárias..
Considerando a situação económica e social de atraso estrutural destas regiões, agravada pelo seu afastamento, insularidade, pequena superfície, relevo e clima difíceis, dependência económica de um numero limitado de produtos, as mesmas beneficiam de tratamento especial e de políticas que tenham em conta tais constrangimentos, afim de favorecer a sua integração no resto da União, mas também no contexto regional próximo a cada uma.
Assim é que, de entre as varias políticas que lhes sao aplicadas, essas regiões beneficiam particularmente, no quadro do FEDER ( Fundo europeu de desenvolvimento regional) do INTERREG III relativo à cooperação transnacional e transfrontaleira, mais particularmente do programa INTERREG C “ Sul” que visa a cooperação inter – regional.
Desta feita, o programa 2000 – 2006 para o Espaço “ Açores – Madeira – Canárias” , visa a integração económica, social e territorial entre essas regiões atlânticas e entre estas e a sua proximidade geográfica imediata. Por outro lado sinergias são previstas entre o FEDER e o FED (Fundo europeu de desenvolvimento) relativo à cooperação ACP – U.E., para favorecer essa cooperação de proximidade, aplicando-se, assim, ambos os casos, à situação de Cabo Verde.
A eleição de cenários possíveis que fundamentem uma relação de Cabo Verde com a União europeia, ou a evolução dessa relação, passa necessariamente pelo crivo da definição da U.E. através os objectivos, contornos e políticas externas e internas, tal como analisados acima, à luz do Tratado constitucional que estabelece a nova União.
Como Estado soberano que é, esta excluída a hipótese de Cabo Verde vir a ter na sua relação com a U.E., um Estatuto de pais ou território do ultramar, ou ainda, de região ultraperiférica, à excepção, neste ultimo caso, do beneficio da cooperação inter regional como referido acima. .
Com a independência adquirida em 1975, Cabo Verde deixou, irreversivelmente, de pertencer a uma ou outra dessas categorias, pese embora o perfil de insularidade e de vulnerabilidade muito próximo das mesmas.
No que diz respeito à hipotética adesão de Cabo Verde à U.E., é certo que Cabo Verde partilha dos tais valores humanistas, culturais e democráticos, os mesmos que fundamentam a União e que esta promove na sua acção externa. Mas esses valores são hoje património da humanidade e não exclusivamente europeus. E certo que Cabo Verde é um regime de direito democrático, estável, com uma gestão macro – económica que se inspira dos critérios de Maastricht, uma gestão criteriosa dos seus recursos que lhe abre o caminho para o” acquis” comunitário. Cabo Verde só tem a ganhar em prosseguir nessa via da governação da coisa publica, que também não é uma exclusividade da Europa. E certo ainda que a historia e a cultura de Cabo Verde foram beber nas varias margens do Atlântico mas a sua raiz geopolítica é África. Talvez uma outra África, entendida como fruto da diversidade africana, como também ha varias Europa. Uma África a que Cabo Verde pertence e anima, através da sua integração sub –regional e regional, que aspira ao progresso e ao “dépassement” das taras do passado e inserindo-se, plenamente, no dialogo das culturas e das civilizações.
Enfim, poderíamos continuar, mas a verdade é que o principal obstáculo a uma possível adesão de Cabo Verde é de ordem estruturalmente política. O Tratado constitucional ao dar corpo jurídico aos critérios da adesão, reserva esta ultima exclusivamente aos Estados europeus, não fazendo senão reflectir a visão política dos actores da integração europeia, ontem como hoje, de Schuman ao actual Tratado. Talvez amanha, porque nada é imutável neste mundo que é nosso, as coisas possam evoluir. Mas nessa altura pôr-se-á a “responsabilidade africana” de Cabo Verde. Da mesma forma que um Estado europeu não ira aderir à União africana ou à Organização dos Estados Americanos, inversamente um Estado africano não aderiria à União europeia sem pôr em causa a sua pertença à organização regional africana.
Consoante a teoria das organizações internacionais, a universalidade de umas (sistema das Nações Unidas, OMC ... ) permite a coabitação de todos os Estados quaisquer que sejam as suas origens. Da mesma forma que organizações internacionais da “terceira geração” à dominante cultural como projecto político ( CPLP, Francophonie, Comonwealth, Liga Árabe), permitem uma “interregionalidade” entre países de continentes diferentes. Tratando-se as organizações de segunda geração, de integração ou de cooperação regional, caso da União europeia ou da União africana, o critério geopolítico surge fundamental na determinação da adesão versus não adesão.
Uma parceria “tout court”, isto é, não adjectivada, uma parceria qualificada de “especial” como propõe o Governo de Cabo Verde ou ainda de “estratégica” como já existe no figurino europeu para outros casos, com vista a definir a relação actual ou futura entre Cabo Verde e a União, levanta duas questões essenciais: a natureza e o grau dessa relação.
O documento de estratégia que estabelece a relação entre Cabo Verde e a União europeia para o período 2001 – 2007, relembra que Cabo Verde aderiu à Convenção de Lomé II, dois anos após a sua independência em 1975 e que manteve, em seguida, essa relação através das sucessivas Convenções de Lomé, as quais foram substituídas, a partir do ano 2000, e por um período de 20 anos, pelo acordo de Cotonou.
Essa relação, definida num quadro multilateral (U.E. – ACP) e executada por via bilateral (U.E. - Cabo Verde), tem como característica principal (natureza) o facto de estabelecer uma parceria baseada, sobretudo a partir do Acordo de Cotonou, num dialogo político sobre questões essenciais e fundamentais, na perspectiva de virem a ser estabelecidos Acordos de parceria económica (APE) e numa cooperação financeira em apoio ao desenvolvimento económico, social e cultural dos países ACP.
O mesmo documento de estratégia indica ainda que ao longo de todos esses anos a Comunidade europeia tem sido um dos principais doadores de ajuda publica ao desenvolvimento de Cabo Verde, conferindo à essa cooperação um grau de importância prioritária. Ela representou no período de Lomé II a Lomé IV bis ( 1977 –2000), todos os instrumentos confundidos, uma média de 8,5 milhões de Euros por ano.
Pese embora a reconhecida gestão transparente e eficaz dos fundos que tem levado Cabo Verde a ter um índice de performance razoável e a beneficiar, nesse âmbito, de fundos adicionais por mérito, como a segunda e a terceira “tranches” do 8° FED, essa cooperação apresenta, contudo, alguns problemas como sejam, uma previsibilidade limitada aos recursos do PIN ( programa indicativo nacional), menor previsibilidade no que tange aos desembolsos ou ainda uma grande irregularidade dos outros instrumentos fora do PIN.
Sem dúvida que uma primeira medida, de natureza conservadora, requer um reforço da capacidade da administração no sentido de explorar todas as possibilidades (vários PIN, PIR, envelope ‘todos ACP’ e outros instrumentos) e tirar um máximo de vantagens do Acordo e da diferenciação de tratamento que o mesmo oferece aos países menos avançados e que apresentem uma vulnerabilidade própria aos pequenos estados insulares.
Mas o Governo de Cabo Verde quer ir mais longe e pretende beneficiar, através de uma parceria especial com a União europeia, de um conjunto de vantagens e de garantias adicionais que o actual acordo de Cotonou não concede por insuficiência de objectivos e de meios.
Cabo Verde continua a gerir uma dependência que persiste dos nossos dias com um triplo rosto: económico, em relação aos recursos externos, ambiental, com origem nos constrangimentos físicos do pais e, securitario, pela incidência local de vários aspectos da criminalidade mundializada. E a transição de Pais menos avançado para Pais de desenvolvimento médio, se não for devidamente compensada, poderá trazer consequências em termos de custos de financiamento para o nosso próprio desenvolvimento e agravar ainda mais a dependência.
A parceria proposta só terá sentido se, consequentemente, introduzir uma mudança radical na natureza e no grau da relação que hoje existe. Ela teria que implicar - sem referir-me de momento às varias pistas apontadas para o efeito - um quadro diferenciado de tratamento que viesse dar resposta aos anseios que estão na origem – a nível de proposta – da construção uma estratégia para o efeito.
Essa parceria não deve, contudo, ser exclusiva de outras parcerias com outras regiões e outros países, ainda que erigida em prioridade, por forma a criar-se, nesse âmbito, sinergias e complementaridade. Estaremos assim, com os desafios de hoje, a revisitar um velho conceito da nossa política de cooperação dos anos 70 e 80 do século passado, que apelava à uma diversificação das nossas relações, com vista a relativisar a dependência externa de Cabo Verde.
Enfim, a construção de uma tal parceria, qualquer que venha a ser o seu conteúdo, supõe à primeira que o seu principio seja possível ou que essa possibilidade possa vir a ser criada. Não basta dizer-se que se trata de uma questão política, podendo ser solucionada através de um lobby político. Analisemos então algumas das questões que se colocam nessa via.
O acolhimento político e jurídico de uma tal proposta, em primeiro lugar.
Nas disposições do Tratado de aplicação geral relativas à acção externa da União, vem indicado (artigo III - 293) que as decisões nesse âmbito podem dizer respeito tanto às relações da União com um pais ou uma região, como também ter uma approche temática. Assim, o Tratado prevê que a União possa concluir acordos com países ou organizações internacionais nos domínios da PESC ( III-303), do comércio (III-315),da cooperação com os países em desenvolvimento( III –317), da cooperação económica, financeira e técnica com outros países (III-319) e da ajuda humanitária (III -321).
Quanto à competência da União para concluir acordos internacionais, ela vem referida, como principio geral, pelo artigo III-323 ou, tratando-se de um acordo de associação, pelo artigo III –324. Já o artigo III-325 estipula os procedimentos a seguir para todos os casos à excepção dos acordos monetários ( III-326), assim como o processo decisional do Conselho por unanimidade ou maioria qualificada, com a aprovação ou o parecer do Parlamento, segundo os casos. Desta feita a regra da unanimidade é de principio para a conclusão de acordos de pré –adesão e de associação.
A dificuldade política em acolher a parceria proposta não resulta apenas da segmentação com sede no Tratado, que reserva um capitulo especifico da acção externa aos países em desenvolvimento (onde se isere Cabo Verde) e ao respectivo acordo que organiza os procedimentos de cooperação para essa categoria de países (Acordo de Cotonou mais precisamente). Ela provem também da recolha da unanimidade dos 25 Estados membros actuais, que seria necessário para acolher uma parceria numa forma que constituísse uma excepção, tanto para a ordem jurídica e para as políticas estabelecidas, como para os instrumentos de ajuda que atendem cada tipo de acordo Uma excepção que abriria precedentes para justificar outras solicitações, vindas de outros países, na mesma linha.
Sobre a especificidade de Cabo Verde, em segundo lugar.
Cabo Verde alinha efectivamente um conjunto de parâmetros que aproximam o pais da Europa, podendo justificar uma parceria especial com esta ultima: as mesmas referências culturais e religiosas; a observação dos mesmos princípios democráticos na vida política, a governação assente no Estado de direito, o respeito dos direitos humanos; uma economia estreitamente ligada, senão dependente da Europa (paridade fixa da moeda com o Euro, valores da importação e da exportação, da ajuda publica, do investimento externo), ou ainda o factor humano de uma emigração caboverdiana na Europa estimada em 2/5 da população residente nas ilhas.
Tais vínculos, atendendo à dimensão humana, económica e monetária de Cabo Verde de expressão marginal para o conjunto europeu, de um ponto de vista teórico até que poderiam argumentar positivamente no sentido da pretendida parceria. Resta a determinar se a contrapartida oferecida por Cabo Verde, em termos de vir a constituir (e por construir) uma plataforma económica e uma ponte securitaria para o dispositivo de segurança europeia ( PESD) e da NATO, nessa região “Sul do Atlântico Norte” motivaria, uma vez mais, uma decisão de excepção.
Consolidação ou rompimento de solidariedades estabelecidas, em terceiro lugar
Por um lado, baseada nesse conceito de “pais útil”, a parceria especial para ser bem sucedida não poderá prescindir - se da outra margem da ponte, o que significa que Cabo Verde devera também prosseguir na via da consolidação da sua integração regional africana ou sub –regional oeste – africana.
Por outro lado, ao admitir-se a hipótese de uma parceria especial, necessariamente, fora do Acordo de Cotonou , ela levantara o problema do rompimento da solidariedade ACP, questão a ser levada em conta.
O leitor poderá achar que o autor destas linhas escudou-se atras da leitura jurídica do Tratado para balizar caminhos ou alternativas de uma relação que, antes de mais, devera fundamentar-se no plano político do interesse mutuo da U.E. e de Cabo Verde.
Isto é tão verdade se atendermos ao facto que o Tratado apenas da corpo jurídico à expressão de uma visão política que preside à construção europeia no geral, e à sua acção externa, em particular, fixando-lhe os limites. Consequentemente, qualquer mudança no projecto político abre a via à revisão do Tratado.
Porque de visão estamos a falar, ela preside, igualmente, à governação em Cabo Verde, de que a política externa é parte integrante, atribuindo a esta ultima, missões, com políticas de orientação e estratégias de execução. .
Se essa visão passa por um projecto de sociedade ao qual aspira o povo caboverdiano, para o seu desenvolvimento económico, social e securitario, caberá às missões da política externa confortar a posição de Cabo Verde no Mundo, procurando – lhe os meios complementares de que precisa, para poder atingir esses objectivos.
Aqui reside toda a justificação das estratégias visando essa presença e a construção de parcerias, clássicas ou inovadoras, com essa finalidade.
No caso da União europeia, a analise feita levou - nos a considerar, para além do “status quo” que representa a manutenção do quadro de Cotonou, os cenários contemplando, quer um estatuto inerente à condição de pais ou território do ultramar ou de região ultraperiférica, quer a hipótese de adesão, quer ainda a construção de uma parceria especial.
Quer parecer - nos, pelas razoes expostas anteriormente – e aqui o analista político sai da sua reserva de neutralidade – que a opção a ser feita repousa no conceito de parceria especial. .
Uma opção ousada na sua formulação por parte de Cabo Verde, com a ambição que todo e qualquer governo deve ter na busca de soluções duráveis, em nome dos interesses superiores do pais de cuja governação tem a responsabilidade. Mormente se a sua acção decorre de uma legitimidade democrática.
Uma opção, porém, de atendimento mais complexo por parte da União europeia, pelas razoes igualmente expostas, no que concerne os “espaços” a conferir a essa parceria.
Uma opção aberta, por conseguinte, à negociação.
Com efeito, lembrando a teoria segundo a qual a política externa não se limita à prossecução no exterior de políticas internas, o facto é que, nas relações internacionais, como na dança, são precisos pelo menos dois parceiros, que não só deverão escolher a musica (morna ou coladeira) como também acertar o passo.
(*) Antigo Director geral da Cooperação Internacional e Embaixador de Cabo Verde junto à União europeia. Actualmente, funcionário internacional residente em Bruxelas.
Necessitamos de milhões de letrinhasfalando de revolução
A fabricação cultural do político, lúcida, serena e exercitada com propriedade é a via estruturante mais adequada para se dar fim às farsas em que têm resultado a maioria das "democracias africanas" erigidas, regra geral, pelos mais exclusivistas e despóticos lideres africanos, agora, — pasme-se —"democraticamente" reinventando-se como os – eternos - "mais queridos papás" dos nossos povos.
Mais do que nunca necessitamos de milhões de letrinhasfalando dos anseios antigos de dignidade sempre renovados na esperança dum dia os nossos espaços e modos de vida se tornarem a expressão harmonizada das nossas diversas identidades e aspirações — finalmente — desamarradas dos purismos [retaguardistas] autoctenistas autenticistas e/ou dos, [que no antípoda dessas correntes], mas também "retaguardianistas" do templo arrombado, convertidos em radicais "modernistas neo liberais" alheados do querer e ritmo próprios do nossos sonhos e da orientação adequada a dar aos nossos passos.
Sonhos e passos que, desde o encontro histórico — apesar de tantas, tão heróicas e sangrentas "libertações" — têm sido, sistematicamente, traídos por vendilhões que trocando-se e trocando-nos por todo o tipo de missangas da nossa banga, [hoje os colares de missangas são 4X4 turbo diesel, palacetes, empresas e etc.], nos têm sacrificado o presente e hipotecado o futuro, forçando-nos ao desempenho do papel de sorridentes espectadores "felizes" no teatro da nossa própria desgraça que vem, há muito, sendo apodada de "necessário sacrifício pelo desenvolvimento", agora num "novo" ciclo animado pela tal de "transição para a democracia" <de cócoras, [porque], sem receptáculo> como - com apurado olhar e fina ironia - a Mena Embaló sistematizou a percepção que, de modo inquietante, nos vai crispando a atitude que - a nossa época – nos convoca a assumir face ao simulacro da "democracia representativa" pura (porque culturalmente inadequada) que nos impingem como sendo santo remédio para todas as nossas maleitas.
Apesar do enunciado "democrático africano" – como o original ocidental em que se inspira postular paz, bem estar e desenvolvimento, os regimes com que se tem "pretendido concretizar" esses postulados — vêm proporcionando, quase que apenas, uma mais sofisticada integração jurídico-política do indígena na sua própria e já velha derrota cultural e económica que, de facto, continua a viabilizar a ladainha e os rendimentos dos mesmíssimos vendedores coloniais de banha de cobra e seus acessórios locais que, como "dantes", se dão e tudo dão para obterem o reconhecimento do velho e voraz universo institucional do império. Mas isso não é o fim da história. Por isso ninguém deve desanimar. Ainda temos um longo caminho por percorrer que exige o recriar do sonho africano de liberdade. Retenha-se que a viabilidade desse sonho é uma certeza, entre outros aspectos, indiciada já só pelo facto de qualquer agenda de dominação do outro ter sempre no seu percurso um inevitável encontro marcado com a rebeldia que — como qualquer safra de falsários — vai engendrando. Para já, temos, só, que continuar, em todos os nossos momentos e espaços, a convocar toda a gente para aderir ao contingente de combatentes da já antiga luta africana anti colonial que, como dolorosamente vimos constatando, na maioria esmagadora dos casos, não alcançou a sua meta com a proclamação da independência dos nossos estados.
Amilcar Cabral previu perfeitamente o momento que hoje vivemos. Já no seu tempo, a satisfação dos interesses das elites africanas, sedentas de poder e riqueza - a qualquer preço e com urgência - as indiciava como um elemento potencial de traição — já consumada — à causa da independência e do desenvolvimento africano, com grandes probabilidades de concretização no "pós" colonialismo. Traição que - inclusive — foi iniciada (na maioria dos casos ainda durante a luta anti colonial) pela conquista da hegemonia sobre os movimentos de libertação por essas elites que, como rendimento, usurparam o poder constituinte e se apropriaram da direcção do processo de construção dos respectivos estados.
A aquisição de poder presidida pela sede de riqueza dessas elites, conseguida a qualquer preço, acabou, de facto, por sacrificar a maioria dos estados africanos lançando-os e às suas populações no turbilhão de inúmeras guerras civis e entre estados, complementadas e/ou fabricadas pela privatização/partidarização e mesmo criminalização dos estados afogados no pantanal da corrupção a todos os níveis. Tudo isso teve como incidência criminosa a manutenção do continente no atraso que nos têm colocado na cauda mundial do desenvolvimento humano.
Em consequência é cada vez mais necessário e urgente que os africanos conscientes da situação catastrófica em que cada vez mais nos afundamos, sem medo nem fatiga e agindo inteligentemente para a fabricação cultural da mudança, produzam milhões e milhões de novas letrinhasfalando de revolução e as "espalhem pelo ar" até que um dia a libertação africana do "pós" colonial da nossa arrependência, já tão longa e desgraçadamente castrante, se torne o sonho de cada africano e, assim, gere a força necessária para sacudirmos a canga imperial neo colonialista que nos tem impedido de sermos nós mesmos e nos levantarmos para tirarmos o continente da situação de desastre humanitário endémico em que se encontra mergulhado. É urgente que se propague entre nós o direito à resistência e fundamental que o exercitemos para pormos fim às tiranias, injustiças e, principalmente, à cooperação do gentio que vem engendrando a patética caricatura de administradores coloniais assumida pelos chefes de posto endógenos que nos têm gerido a existência. Não temos outra saída se queremos limpar a consciência da humilhação que é, aceitemo-lo ou não , estarmos a ser levados pelas mãos de tantos dos nossos mwatas da luta anti colonial e seus herdeiros do poder que nos tornaram co-produtores da dominação que nos avilta a existência de "ex" colonizados predestinados à "fatalidade" dum presente e futuro na mais extrema pobreza das periferias degradadas da cidadela global.
Rebelemo-nos contra a "moderna" escravatura com que os herdeiros das "ex" potências coloniais talham o "futuro africano" em associação com os traidores novos chefes de posto coloniais endógenos que os renderam na administração dos nossos territórios.
Há um caminho nosso que só pode ser determinado e trilhado por nós mesmos com o recurso a tudo o que a humanidade se deu a si mesma em termos de ciência, tecnologia e instituições. O nosso futuro deve e tem que ser determinado por nós hoje, amanhã e sempre. Ninguém marchará com os nossos pés, só nós mesmos!
Luis Araújo
Desde Angola
Artigo publicado em 06. 01. 2005
SOS Habitat – Acção Solidária(*)
« pela plena cidadania e um habitat harmonioso »
Ao Exmo Sr. General Serra Vandunen
Ministro do Interior do Governo de Angola
Luanda
C.c Exma Sra. Marisé Castro - Amnistia Internacional
EXPOSIÇÃO
Ref: 010/05-DH
ASSUNTO: Violação da Lei e dos Direitos Humanos pela Admnistração Municipal de Viana e seus agentes, assim como por oficias e agentes da VII Divisão Territorial da Polícia Nacional de Luanda.
1. O local, os agentes e os seus actos
1.1 Nos dias 26 e 27 do corrente mês, à plena luz do dia, um grupo de fiscais chefiado pelo Sr. Miguel, Chefe do Gabinete da Fiscalização do Município de Viana, na Província de Luanda, apoiados por agentes e sub oficiais pertencentes à VII Divisão Territorial de Luanda da Polícia Nacional, acompanhados ainda por elementos da Polícia Militar, sem que os cidadãos por eles vitimados tenham sido previamente notificados e sem a apresentação de qualquer mandato firmado por entidade com poderes para o efeito, alegando estar a cumprir orientações do Sr. Administrador Municipal de Viana para fazerem aplicar uma decisão administrativa súperior, com recurso a um buldozer, demoliram as cerca de 314 casas em que habitavam as famílias que constituem o Bairro da Cidadania (toponímico adoptado pelos moradores), localizado no Km 25 da Estrada nacional n.º 1.
1.2 A intervenção da SOS Habitat
Respondendo ao pedido de socorro dos membros da comunidade, eu Luís Araújo, activista Coordenador da Direcção e os activistas da associação SOS Habitat – Acção Solidária: Rafael Morais, Manuel Pinto, Alberto Sivi e Mateus Francisco Damião, fizemo-nos presentes nesse bairro quando a demolição já se encontrava em execução e solicitamos aos fiscais da Administração do Estado e aos agentes da Polícia Nacional para que, caso o tivessem, nos apresentassem o mandato que os autorizava a proceder à demolição que já decorria. Como resposta comunicaram-nos não ter nenhum mandato escrito e que tal não era necessário porque estavam a cumprir ordens da Administração do Estado.
1.2.1 Rejeição do apelo cívico dos activistas ao respeito pela ordem e pela legalidade
Colocados face ao facto da demolição não estar autorizada por um mandato conforme à Lei, informei-lhes que, nessa circunstância, estavam a cometer um crime grave contra a vida desabrigando as pessoas, assim como contra a propriedade destruindo bens particulares e, portanto, contra entidades com direitos e liberdades cujo bem-estar é a razão de ser do Estado que tem a obrigação de proteger o cidadão e as suas propriedades ao invés de, por via dos actos dos seus agentes, ser usado contra os cidadãos como se duma associação de malfeitores se tratasse.
Este apelo foi por duas vezes feito, a primeira a um adjunto do Sr. Miguel e aos agentes da polícia que o circundavam e a segunda ao próprio Sr. Miguel e aos seus auxiliares. Tentamos assim apelar para que parassem o cometimento em que estavam a incorrer.
Mas, como resposta, com os dedos sobre os gatilhos das armas do nosso Estado, prontas a ser usadas contra as pessoas da comunidade e os activistas cívicos da SOS Habitat - portanto à mão armada - indicaram-me a Administração Municipal de Viana para me ir queixar, e sem qualquer hesitação ordenaram ao condutor do Bulldozer para continuar a demolição. Perante esta atitude para com o nosso apelo e comportamento pacifista e perante a evidência de não podermos, nem querermos, reagir com violência, vimo-nos reduzidos ao papel de espectadores dum acto de terrorismo em que pela mão dos seus agentes, às ordens dos seus superiores hierárquicos, colocaram o “nosso Estado” contra nós, o povo seu constituinte.
1.2.2 É relevante reter-se que, mesmo perante o nosso apelo à tomada de consciência sobre a natureza abusiva do poder de autoridade e criminosa da sua actividade, nenhum dos fiscais e dos agentes da polícia, se demoveu, desistiu ou tentou demover os seus colegas do cometimento dos actos com que, alegadamente, a mando de entidades superiores, visavam, pela violência, desalojar e expulsar cidadãs e cidadãos dos seus sítios habituais de residência cuja posse, para todos os efeitos, detêm de modo legal.
1.3 A legalidade da posse da terra pelos membros da comunidade
Exmo.
Sr. Ministro, retenha que a maioria das vítimas
ocupa de forma legal os terrenos que habita nesse bairro. Legalidade
decorrente do efeito de deferimento tácito, (estabelecido como norma, em
vigor, pelo Art.º 57 do
As vitimas da demolição e tentativa de expulsão à mão armada com o fim de as esbulharem da posse dos seus sítios habituais de residência, como é do conhecimento do G.P.L. - que os recebeu - podem demonstrar que fizeram a entrega de requerimentos acompanhados de croquis de localização dos seus lotes de terra, tendo já decorrido o período de tempo de (90) noventa dias, findo os quais, por imperativo desse Decreto Lei, por não terem merecido qualquer despacho, se tornaram titulares dos direitos sobre esses terrenos que solicitaram e para que, conforme à norma, pagaram à Tesouraria da Administração do Estado os encargos cobráveis no ato de recepção dessas solicitações.
Mesmo nos casos – minoritários na comunidade em epígrafe - em que essa posse não está legalizada por deferimento tácito ou por outro instituto legal, é no entanto legítima por ser usufruída de boa fé, porque esse usufruto visa a satisfação do irrecusável direito natural ao abrigo que assiste a todo o ser o humano. Abrigo e direito de que ninguém deve ser privado, mesmo que por razões fundadas na utilidade pública, sem que lhe seja garantido abrigo condigno sob pena de quem proceda de modo contrário estar a incorrer numa violação dos direitos humanos.
1.4 Os crimes praticados contra as cidadãs e cidadãos
Sem especificarmos o extenso articulado da Leia aplicável ao caso, de modo sucinto, referimos aqui, que se registou: (i) um ataque à mão armada contra uma comunidade; (ii) praticado por agentes do Estado uniformizados; (iii) alegadamente mandatados pelos seus superiores; (iv) contra uma população indefesa no território do Estado de Angola; (v) visando a usurpação de imóvel pela violência; (vi) resultando no desabrigar de pessoas; (vii) destruição de casas e/ou de abrigos habitados; (viii) violação de domicilio; (ix) destruição e (x) roubo de bens privados, como chapas de zinco cujo destino é desconhecido dos seus proprietários. Tudo isso, como agravante, feito com o uso abusivo da autoridade e de meios do Estado.
1.5 As vítimas Directas dos actos aqui expostos
1.5.1 314 Famílias residentes no Bairro da Cidadania, sito no km 25 da Estrada Nacional n.º1, Cuja identificação podemos fornecer a qualquer momento em que tal nos seja solicitado. Este n.º refere-se apenas às vítimas de demolição, desalojamento e tentativa de expulsão forçada.
1.5.2 O Estado Angolano em geral e o GPL a quem se subordina a Administração Municipal de Viana, cuja autoridade, símbolos e meios, entre os quais armas de fogo que foram disparadas e cujo uso a lei determina com rigor, foram abusivamente usados contra a população perigando a vida de pessoas e conspurcando a imagem do Estado, praticamente, anulando-o in loco, porque, no momento em que decorriam esses actos, deixaram de existir autoridades do Estado - na área de circunscrição da Administração Municipal de Viana – que pudessem socorrer a população vitimada, pois o envolvimento da Policia Nacional tornou-a nula enquanto instituição de recurso para protecção das vítimas, manutenção da ordem e da legalidade no local, onde agentes da única Divisão de Polícia já protegia o desmando dos fiscais.
Retenha-se ainda que desse modo se perigou a ordem pública e a segurança do próprio Estado, pois tal acto contra os cidadãos esteve na eminência de suscitar uma resposta violenta da população e dos activistas cuja serenidade felizmente prevaleceu sobre a indignação que convocava o recurso ao legítimo exercício da resistência em defesa dos seus direitos, da legalidade e, principalmente, do Estado de Direito cuja ordem, no momento, os agentes do Estado subverteram, anulando-o.
Considere-se ainda que em caso de flagrante delito, verificando-se a ausência de agentes da autoridade no local, e no caso, dada a atitude de conluio dos polícias com os agentes duma violação massiva dos direitos humanos, estes tinham deixado de ser agentes da autoridade para passarem a ser delinquentes comuns que, defendendo fins diversos dos do Estado, abusavam do uso dos uniformes, símbolos e armas que lhes foram confiados pelo Estado e de que se serviam para cometimento de crimes.
1.5.3 A Policia Nacional, cujo comando local aceitou disponibilizar agentes para proteger a aplicação de decisões cuja legalidade não verificou nem lhe foi demonstrada pela apresentação de mandato de quem com competência para o efeito.
Já depois de na sua totalidade terem sido demolidas as casas do Bairro da Cidadania, sem que antes disso se tivesse prestado a auscultar a comunidade, durante um contacto tido no segundo dia entre a população e os activistas da SOS Habitat com o assessor jurídico da Administração Municipal e a Sra. Comandante Municipal da Polícia, ela não apresentou nem alegou a existência de tal mandato. Nesse contacto, já na rua, a Sra. Comandante insurgindo-se contra o meu exercício de esclarecimento das vítimas, contra a minha liberdade de expressão e de orientação política, conforme à Lei Constitucional, apodou-me, em público, de agitador por ter aconselhado as vítimas a moverem um processo judicial contra a Administração do Estado e a, caso não seja feita justiça, enquanto cidadãos eleitores, sancionarem aqueles que garantirem impunidade a quem as vitimou, nas urnas, aquando do próximo pleito eleitoral. No entanto, em nome da verdade, retenha-se que, nesse contacto, a Sra. Comandante declarou que não iria mais fornecer agentes para protegerem os fiscais na conclusão da expulsão da comunidade que, conforme havia sido perspectivado, seria definitivamente executada no dia seguinte.
1.5.4 O MPLA cujo Governo, em consequência deste tipo de actos é descredibilizado, e de que é militante o Sr. Carvalho, Administrador Municipal de Viana que é quem os fiscais que dirigiram o acto, disseram ser o mandante das demolições a que não é a primeira vez que recorre, para nos mesmos moldes, tentar expulsar essa comunidade. Numa das demolições anteriores, inclusive, incorreu na violação da liberdade de pessoas com a privação arbitrária da liberdade de alguns dos seus membros, de que resultou uma queixa entregue ao Delegado Municipal do Ministério Público pelo Dr. Advogado Luís Nascimento, Secretário Executivo do partido político Frente para a Democracia. Queixa essa que, “incompreensivelmente” não teve, até agora, qualquer efeito.
1.6 Solicitação
Em função do exposto com vista a que os danos causados pelos actos descritos ao Estado às cidadãs, aos cidadãos e às outras entidades cujo bom nome foi afectado pelos vínculos profissionais e políticos dos mandantes e autores dos actos aqui expostos, em nome da comunidade do Bairro da Cidadania, da SOS Habitat e da sociedade, solicitamos que proceda de conformidade com a lei a fim de que aqueles contra quem, em fórum próprio, for provado o cometimento de crimes seja objecto do tratamento que a Lei impõe.
Conquanto saibamos não ser obrigação de Vossa Excelência, mas considerando que as vitimas de tais actos se encontram desabrigadas a viver ao relento, apelando à sua sensibilidade, solicitamos-lhe que providencie no sentido de serem fornecidos materiais que ajudem as pessoas a protegerem-se minimamente dos elementos naturais e a terem a privacidade que os retire da exposição pública permanente em que a demolição das suas casas as colocou.
Em nome da comunidade do Bairro da Cidadania e da SOS Habitat, agradecemos ao Sr. Ministro do Interior as medidas que supomos terem partido de Vossa Excelência – após a mensagem telefónica que lhe fizemos chegar – por consideramos poderem estar na origem da mudança da atitude da polícia que impediu a expulsão da comunidade. Caso a nossa suposição não corresponda à verdade dos factos, solicitamos e agradecemos que nos desculpe o despropósito.
Queira aceitar as nossas mais cordiais saudações
Luanda, aos 29 de Setembro de 2005
Pela SOS Habitat – Acção Solidária
Luís Araújo
Coord. Da Direcção
[1] Entre outros: n.3 do Art.º 57: a) licenciamento de obras, b) alvarás de loteamento...
Uma nova África
Autor: Luís Araújo
Desculpem a insistência no assunto, mas é muito importante. Ninguém é
aqui acusado particularmente, todos o somos [ ou devemos ser] os acusados de nós
mesmos, a começar por mim. Isso sim, aqui, todos são - particular e
especialmente - convocados a rejeitar a recauchutagem da essência perversa das
doutrinas, hábitos e estruturas que nos têm impedido de fazermos do nosso
continente um espaço bom para se viver ao invés do espaço de saque de riquezas
em que foi transformado.
Uma nova África é possível de facto. Acredito com convicção. E por isso
essa é a utopia, o sonho que me guia o verbo e o gesto mas que, infelizmente
quando eivados de lucidez e exercitados com frontalidade sem qualquer inibição,
tantos têm apodado de radical, quando - de facto radicalmente putrefacta é a
realidade do abismo em que os nossos dirigentes, seus associados e clientelas -
nacionais e internacionais - têm vindo a afundar a nossa África, sacrificando
gerações sucessivas de africanos desde a alvorada dos nossos países. Rarissimas
são as excepções.
Vivemos uma época que nos convoca a assumirmo-nos como agentes da
mudança que se impõe para não perecermos. A nossa época coloca sobre os nossos
ombros a obrigação de rompermos definitivamente com a tirania para que a mulher
e o homem africanos se tornem os obreiros duma vida livre e finalmente
desinfestada da pobreza endémica e do atraso que nos corroem as entranhas.
Para isso temos que adquirir a consciência de que uma nova África não
deve ser uma África feita produto dum atelier de recauchutagem de estruturas e
hábitos perversos. O produto da recauchutagem não é um produto novo, é só o
mesmo velho produto - formal e estruturalmente - tratado para parecer novo. Só
isso. Uma nova África não se faz com a reciclagem dos ditadores e das ditaduras
predadoras que nos têm desgraçado a existência. Uma nova África só poderá advir
da rotura total com a tirania e a fabricação de rendimentos de todos os
predadores.
Comecemos pelo nosso país a construir a nova África, a África da nossa
utopia. Se em cada país os cidadãos e a sociedade civil fizerem isso teremos
mais cedo do que esperamos a tal nova África que sonhamos.
Retenha-se que a mudança, em maior ou menor medida, é sempre o produto
da rotura, da rejeição absoluta do que se quer mudar e, essencialmente, daquilo
que constitui causa da situação a mudar.
Divulguemos esta ideia para que ela nos oriente na construção da nova
África dos nossos sonhos.
Com as minhas mais cordiais saudações.
Estamos juntos.
Luís Araújo
20. 10. 2004