- 14-Apr-2004 - 14:32
Tive a oportunidade de escrever um artigo de opinião na devida
altura, em que dava conta do oportunismo do poder militar
patenteado nesse golpe de Estado, consumado a menos de 1 mês da
data marcada para as eleições legislativas (12.10.2003), por
Kumba Ialá.
Se é certo ter havido dois adiamentos da data do escrutínio,
à terceira ficou o benefício da dúvida ou, a resposta para o
golpe de Estado, classificado de exemplar, inclusivamente por
ilustres governantes da CPLP, que só viram a substituição,
necessária, de Kumba Ialá e não toda a jogada envolvente
desse jogo.
O meu ponto de vista reflectia uma antecipação dos militares,
para o facto de, em caso de eleições, havendo derrota do PRS
partido no poder, haver mudanças e por conseguinte, haver
reestruturação de fundo nas Forças Armadas. Os oficiais de
alta patente, promovidos por Kumba Ialá, não estariam (nem estão)
a favor da introdução de reformas de orientação governativa
nas Forças Armadas.
Foi por isso que se deu o golpe de Estado de 14 de Setembro (e
não por amor à pátria), para permitir que os militares
partissem em posição privilegiada, numa alegada procura de
consensos para a estabilidade do país, num tempo pré-definido.
Ora isto dava aos militares, 25 oficiais superiores que fazem
parte do Comité Militar e também do Conselho Nacional de
Transição, o estatuto de salvadores da pátria e assim sendo,
o privilégio de intocáveis e porque não dizê-lo, donos do regime.
Foram os militares que impuseram a escolha do primeiro ministro
do governo de transição, bem como foram os militares a pedir
ao Bispo de Bissau, um nome para a Presidência da República.
Se o nome de Henrique Rosa, proposto para Presidente da república,
mereceu consenso de toda a sociedade civil e partidos políticos,
já o de Artur Sanhá, para Primeiro-ministro foi por imposição
do Comité Militar, por haver contestação.
Formou-se um governo de transição com dois objectivos bem
definidos: Solucionar o pagamento de salários em atraso e
realizar eleições legislativas, num período até seis
meses após a entrada em funções do governo de transição.
Henrique Rosa, na qualidade de Presidente interino, trouxe uma
nova esperança para o país, mercê de estratégias acertadas
na sensibilização da comunidade internacional para a
solidariedade com a Guiné-Bissau.
Os apelos foram ouvidos e os apoios foram chegando.
Entretanto era preciso o país dar sinais de normalização
institucional e com a marcação das eleições legislativas
para 28 de Março de 2004, era necessário a reactivação do
Supremo Tribunal de Justiça, bem como a realização de eleições
para a Presidência deste órgão de soberania.
Conseguiu-se tudo isso, por forma a que houvesse suporte jurídico
para todo o processo eleitoral marcado para 28 de Março de
2004. A Comunidade Internacional, uma vez mais, louvou a
iniciativa, sempre na expectativa de, os guineenses se estarem a
reencontrar.
Por seu lado, o governo de transição dentro dos objectivos
traçados, foi dando sinais de rigor na área da economia e
finanças, tendo o Dr. Abubacar Demba Dahaba, ministro da
tutela, muito contribuído para a visão positiva e realista de
que, de facto, podemos e devemos fazer mais no conceito de: A Guiné-Bissau
ser um investimento e os guineenses, os principais investidores
desse investimento.
Aparentemente, conseguiu-se alguma estabilidade, tendo-se
desvalorizado algumas "incursões" do poder militar,
de forma a que se pudesse acreditar na efectivação das eleições
legislativas. Eleições essas que chegaram a 28 de Março e,
contrariamente ao espírito de esperança depositado pela
maioria dos guineenses, cedo se transformou num acto desolador e
de incertezas criando espaços para todo o tipo de especulações.
À data deste artigo, oito dias se passaram desde o início da
votação, a 28 de Março, com irregularidades evidentes por
mais que se queira minimizar e ainda sem resultados oficiais das eleições legislativas.
À Guiné, chegaram observadores internacionais (104) de vários
países e organismos internacionais, com uma semana de antecedência,
de modo a poderem ser enquadrados com o processo eleitoral. A
Comissão Nacional de Eleições há muito que afirmara ter
tudo a postos e tirando o factor financeiro, ou seja dinheiro
para patrocinar os partidos nas suas campanhas, não houve
reclamações de maior.
Ora, terminadas as campanhas a 48 horas da votação, tendo a véspera
sido reservada à reflexão, tudo apontava para que no domingo
28 de Março e na hora prevista, se começasse o processo
eleitoral em todo o país. Se um ou outro atraso se verificasse,
não seria preocupante, dado às próprias dificuldades
naturais do país.
Entretanto, se no interior do país as coisas iam funcionando,
em Bissau, a capital, com mais meios técnicos, recursos humanos
e logísticos, houve situações de atrasos na abertura das
mesas de voto de oito horas e mesas que simplesmente não
chegaram a funcionar.
A comissão Nacional de Eleições questionada pelo Primeiro-ministro, Artur Sanhá, declinou qualquer responsabilidade nos
atrasos. O próprio Primeiro-ministro, foi quem transportou
pessoalmente, (!!!) inúmeros materiais para as mesas de voto...
Já posteriormente, veio a apurar-se (?) que a responsabilidade
do sucedido era da Comissão Regional de eleições de Bissau,
tendo sido demitida a responsável da comissão. Milhares de
pessoas ficaram sem poder votar no domingo, tendo a Comissão
Nacional de Eleições prometido que na segunda-feira, 29 de
Março, se iria dar continuidade ao processo. Decisão esta que rapidamente foi
contrariada com a necessidade de se fazer o levantamento das mesas de voto que
faltavam abrir, e por assim dizer,
ter em mãos o número de pessoas que tinham direito ao voto.
Entretanto, no domingo à noite, já a extensa delegação de
observadores internacionais, pela voz do Dr. Zeferino Martins,
secretário executivo adjunto, da CPLP, constatava que as eleições
tinham sido livres, justas e transparentes... Ora, aqui começou
o verdadeiro atropelo às normas do respeito e consideração
para com a Guiné-Bissau, e os guineenses.
Fazendo comparação com um ditado popular português, que diz
que: Até o lavar dos cestos é vindima...
Nas eleições, até ao anunciar, mesmo que, provisório, dos
resultados, também estamos perante eleições...!!! Se a declaração
da missão de observadores, por um lado transmitiu ao mundo a
ideia de tudo estar bem, por outro criou condições para
legitimar este impasse, senão, vejamos: Os atrasos foram provocados por alguém para se aquilatar dos
resultados no interior do país.
Os atrasos foram propositados e depois de se ter os números
e sabendo qual o partido virtualmente vencedor, aproveitou-se da
declaração da missão internacional para se estar à vontade
nos desenvolvimentos posteriores, pois tinha-se dado nota
positiva às eleições e a partir daí não se podia dar o dito
por não dito.
Foi então, que depois de quase todos os partidos terem assumido
os seus desaires e felicitado o PAIGC, como virtual vencedor,
entra em cena o PRS, alegando irregularidades. Claro que as
houve, é inegável isso, mas há instâncias próprias para se reclamar, dentro do pressuposto na lei eleitoral. Se numa base
democrática o PRS, entendesse reclamar, estaria no seu direito,
só que a reclamação tomou contornos intimidatórios, pondo em
causa a segurança e a unidade nacionais.
Por outro lado, aparecem os 25 oficiais superiores do Comité
Militar a interferir, condicionando o anúncio dos resultados
com a análise das reclamações dos partidos, quando a lei
eleitoral é clara quanto a isso e existe o Supremo Tribunal
de Justiça para analisar essas reclamações. A Comissão
Nacional de Eleições foi ultrapassada, o Presidente da República
foi ultrapassado, o próprio Conselho Nacional de Transição desapareceu, prevalecendo o parecer prepotente e
abusivo do Comité Militar...
O anúncio dos resultados foi adiado já por seis vezes. A Bissau chegou uma delegação regional da Comunidade de Estados
da África Ocidental (CEDEAO), para tentar desbloquear a
situação.
Foi assinada uma declaração de compromisso por 8 dos 15
partidos que concorreram às legislativas. Declaração essa
que não tem nenhum valor jurídico, muito embora seja um
documento de compromisso, pois a lei eleitoral existe e tudo
que se queira ou se possa negociar será depois do anúncio dos
resultados e, partindo a iniciativa do partido vencedor.
Mais uma vez estamos perante uma jogada de interesses dos
militares que protagonizaram o golpe de Estado a 14 de
Setembro, porque com a mais que provável vitória do PAIGC, as
mudanças nas Forças Armadas serão prioritárias, abrangentes
e de fundo.
Quanto à Comunidade Internacional, espero que redefina a concepção
de atribuição dos desígnios: JUSTAS, LIVRES E TRANSPARENTES,
em futuros actos eleitorais tanto na Guiné-Bissau, como em
qualquer outro país, como factor de respeito e consideração.
E desde já fica a responsabilidade moral da Comunidade
Internacional pelo desenrolar desta crise com tensão agudizada
de dia para dia.
Os guineenses também têm a noção de liberdade, transparência
e justiça e creio que nos países de suas excelências, a
acontecer cenas do género, ninguém ficaria indiferente...!