FORÇAS ARMADAS, NARCOTRÁFICO DO ESTADO

E DEMOCRACIA MILITARIZADA NA GUINÉ-BISSAU

 

 

 

Por Ricardino J. D. Teixeira[1]

Ricardino Dumas Teixeira

ricardino_teixeira@hotmail.com 

09.08.2008

                                     “A Guiné-Bissau vive do seu passado”

          (Carlos Lopes)

  1. Introdução.

 

Na Guiné-Bissau, o conflito de competência entre o poder militar e o poder político civil tem merecido atenção da comunidade nacional e internacional. Trata-se de um problema essencialmente político, cuja origem pode ser encontrada na herança negativa do Estado colonial mantida em outras formas pelo PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde). Dizer que é um problema essencialmente político não significa dizer que os militares são passivos ao poder civil, ou são desprovidos de interesses corporativos. Pelo contrário, a relação civil-militar tem como fim último o controle de poder político e do Estado, pelo menos no caso guineense, conforme será demonstrado no decorrer deste artigo. Os militares são atores políticos hegemônicos. Enganam-se aqueles que ainda acreditam que o objetivo central das Forças Armadas continua ser o de defesa da Nação. Existe a soberania na Guiné-Bissau?

A luta pelo controle da máquina política (Estado) e divergência de interesses entre civis e militares no país tornou-se intenso com conseqüências profundas para a consolidação da democracia e melhoria das condições de vida dos sujeitos sociais coletivos. Pode-se considerar, sem receios, que os militares estão no centro das decisões de caráter político e jurídico, econômico e social das instituições da República, apesar da disputas internas, do tráfico de droga e promoções arbitrarias dentro das Forças Armadas Guineense (Exército, Marinha e Força Aérea).   

Procuraremos mostrar, neste artigo, a forma como as Forças Armadas influenciam e controlam o sistema social e o sistema político, ou seja, instituições não militares, bem como a crise de governabilidade que tem subjacentes pactos políticos entre civis e militares. Num artigo anterior disponível em: http://didinho.org defendemos que a disputa de poder entre civis e militares não significa, necessariamente, o antagonismo entre duas forças disputando o controle do poder. Os militares mostram-se obedientes com os governos democraticamente eleitos desde que os mesmos não interferem nos assuntos internos das Forças Armadas. E os civis podem governar desde que não procurem impor o controle democrático sobre a classe castrense. Os militares formam um grupo social e político fundamental com interesses claros e próprios que, em alguns casos, convergem ou divergem com os interesses do poder civil, dependendo de interesses em disputa. Se por um lado o poder militar deve submeter o seu interesse ao controle civil democrático, por outro lado não lhe deve obediência, conforme será discutido no caso guineense.

 

  1. Forças Armadas

 

Nas democracias consolidadas as Forças Armadas são instituições sociais organizadas com a base na hierarquia e disciplina dos seus membros sob comando direto do Ministro da Defesa, ou autoridade do Chefe do Estado ou de Governo, tratando-se de Estado de Direito. Tem como objetivo a defesa militar da soberania nacional e garantia institucional dos poderes, bem como a lei e a ordem interna.

     Na Guiné-Bissau, as FA instituíram-se definitivamente durante o processo de luta armada contra o domínio de Portugal, no inicio da década de 1960 do século XX. Foi uma das primeiras instituições criadas por Amilcar Cabral, líder do PAIGC. Sua origem antecede a formação do Estado Nacional, aos poderes constitucionais da Republica. Os oficiais que faziam parte do Exército Nacional eram essencialmente velhos combatentes, sem formação acadêmica e pouca especialização para o exercício da função que lhes permitissem exercer o comando de serviços de grandes unidades.

 A falta de profissionalização e recursos técnicos e humanos compatível com o exercício da função fez com que os militares afastaram-se das suas atribuições, maximizando os conflitos na relação entre as chefias das FA e governos democraticamente eleitos. Muitos acabaram formando alianças políticas com partidos políticos e civis, o que acaba ampliando suas influencias nos assuntos de competência do governo, colaborando para manter os status quo herdado durante a luta armada de libertação nacional mantida durante a transição de autoritarismo para a democracia. Isso fez com que as FA passassem a confundir-se com o Estado e, conseqüentemente, os interesses das FA e do Estado confundem-se.

As FA passaram a controlar o Estado, ou seja, é quase um Estado dentro do Estado. A autoridade legal do Estado deixou-se de existir. Por não disporem de profissionalismo, muitos oficiais militares contaminaram-se com o dinheiro sujo, e renderem aos narcotraficantes oriundos dos países do Sul da America (Brasil, Colômbia, Venezuela etc.). Resta saber se a destituição do Chefe do Estado-Maior da Marinha, Almirante Américo Bubo Na Tchuto, alegadamente por envolvimento no tráfico internacional de drogas visa defender a pátria e a credibilidade constitucional do Estado ou será apenas um ato meramente político para mostrar ou tentar mostra a comunidade nacional e internacional que o governo atual está combatendo os criminosos do Estado. Guiados pelos valores como o enriquecimento fácil e vida de luxo, os oficiais militares são incapazes de desenvolver a sua função militar: a defesa da Nação. E aqui surgem duas questões fundamentais: as prerrogativas da classe castrense e a legitimidade de governo civil num Estado que se diz democrático e de direito.

 

3. Prerrogativas Militares versus Controle Civil Democrático

 

Sendo uma das primeiras instituições criadas durante a luta para a emancipação do povo guineense, as FA tiveram um papel importante no processo da construção da identidade nacional, uma vez que reunia diferentes grupos étnicos com culturas e tradições distintas e peculiares. Apesar dessa diferença étnico-regional, o Amilcar Cabral conseguiu articular a unidade na diversidade. Hoje as FA nacionais deixaram de ser o símbolo da unidade nacional para ser um campo de disputas políticas misturadas com questões étnicas.  A luta por promoções e controle de altos cargos dentro e fora da corporação afastou as FA das suas funções históricas republicanas. Não existe mais a separação da competência civil e militar. Não existe limite da competência civil e militar nas instituições da República. Como dissemos num artigo anterior, os militares controlam as principais instituições civis do país. A inteligência civil do Estado é da competência dos oficiais militares, existe o controle castrense sobre a polícia civil e os bombeiros. Outra é impossibilidade de militares criminosos serem julgados nos tribunais (quer civil quer militar).

As FA são os principias responsáveis pela segurança do Presidente da República e do Governo. Não é por acaso que, no dia 08 de agosto, durante a pose do novo Primeiro-Ministro, Carlos Correia, o Presidente da República da Guiné-Bissau, João Bernaldo Vieira indagou-se:

 

“Afinal quem é detentor de ordem nesse país. Aviões aterram e descolam de qualquer maneira por ordens de terceiros, bem como barcos acostam e partem sem que o Estado seja informado” (www.angolapress-angop – agencia Angola Press)  

         

Essa citação demonstra a vulnerabilidade do presidente Vieira perante as chefias militares, responsáveis pela sua segurança. Não acreditamos que ele não sabia o que realmente acontecia e ainda acontece no país.  Na verdade o presidente Vieira não dirige o país. Se dirigisse não terias dúvidas quem realmente dirija o destino da Guiné-Bissau. Como é possível a entrada e saída de aviões e barcos sem conhecimento do governo, dos representantes máximo do Estado. O presidente Vieira esqueceu-se que quando retornou de exílio político em Portugal, na seqüência do golpe de Estado de 1998, liderado por Ansumane Mané da Junta Militar, o então governo de Carlos Gomes também não tinha conhecimento da sua vinda e muito menos que o avião que o trouxe de Portugal aterraria no estádio de foot-boll. Trata-se de uma relação dúbia. Quando os civis precisam de aparatos militares para se chegar ao poder, a classe castrense é tratada de “heróis”. Já quando os militares começam desobedecer à política domestica, os civis alegam que são apolíticos e apartidários, portanto, devem respeitar as instituições do Estado de Direito democrático. 

A presença militar nas atividades políticas e econômicas acontece em todas as instituições da República, seja no âmbito político, seja ainda no campo econômico e social. No campo político, os oficiais militares são previamente consultados em caso de nomeação ou não de civis para cargos públicos. No âmbito econômico, com apoio do Ministro das Finanças, do Presidente da República (mesmos os interinos), a classe castrense controla a entrada e saída de receitas públicas, como atualmente acontece no Comitê da Tesouraria; os militares podem vender o patrimônio de Estado sem licitação (isso acontece também com os civis), sem prestar conta ao Tesouro, o que pode ser visto como uma das causas para queda do governo de Martinho Cabi, que defendia a luta contra a corrupção, a criminalização do Estado e o tráfico internacional de drogas.

A separação entre as funções militares e políticas é fundamental para estabelecer o controle democrático sobre os militares. Se não houver essa separação de fato o Estado continuará refém da classe castrense e perpetuará a ingerência dos militares na política doméstica. Isto porque os sucessivos governos e presidente não conseguiram estabelecer controle civil legal sobre os militares. E o atual presidente que sempre usou as FA para manter-se no poder corre sérios riscos de ver o seu poder ameaçado pela classe castrense. Portanto, a profissionalização das FA (investimento acompanhado de formação técnica com alto grau de conhecimento sobre o Estado Democrático de Direito), o respeito às regras do jogo democrático e a obediência a órgãos supremo da soberania pode não estabelecer o controle civil democrático, mas contribui para criar um ambiente estável (que não pressupõe negar o conflito), mas com base na lei Constitucional, nas normais e convenções internacionais, sendo as principias a Declaração Universal dos Direitos Humanos, Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, Convenções de Genebra e respeito às organizações da sociedade civil, não na condição de simples beneficiários, mas de atores sociais fundamentais nos assuntos de interesse público e na institucionalização da democracia.     


 

[1] Mestre em Sociologia Política pela Universidade Federal de Pernambuco. Professor de sociologia na Faculdade de Ipojuca - Brasil

 

 

 


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