Guiné-Bissau, até kal dia?
Por: Brunal Piends
04.11.2007
A Guiné-Bissau, completou 34 anos no passado dia 24 de Setembro. Uma data que além de renovar as esperanças de muitos guineenses, estimula aqueles observadores mais atentos a reflectir sobre os acontecimentos importantes. A começar pela entrada triunfal dos camaradas na praça Bissau, que sinalizou o nascimento de uma pátria chamada Guiné-Bissau. Também, deve servir para reflectirmos sobre o actual momento que o país vive, e é isso que me proponho a fazer.
Quando os camadas entraram praça, muitos deles sem qualquer preparação ou qualificação técnica para assumir o aparelho do estado, fizeram questão de o ter nas suas mãos, tudo em nome da coragem, bravura, ou simplesmente “nba luta”. Mas pergunto, o objectivo da luta, não era tornar-nos todos independentes?
Bem, compreendo, pois entre os camaradas poucos entendiam o verdadeiro significado de uma luta ou melhor a sua dimensão. Achavam que objectivo era apenas expulsar “os tugas”. Mas estes têm sua pátria e apenas arrumaram os seus “nbuludjus” e voltaram para casa.
Quando os camaradas viram o comboio na paragem, assustaram-se, porque pensavam que era a maquiavelice dos “tugas”. E começaram a dizer uns aos outros: escondam-se, porque se “os tugas” nos pegarem, eles vão nos levar para o fuzilamento. Só que se tratava de um comboio de desenvolvimento. Quando perceberam, já era tarde, porque muitos deles já haviam se escondido nos becos de Bissau contando suas historias àqueles que não foram à luta, especialmente os que Cabral dizia que são flores da luta.
Diziam que papai Noel ia trazer presentes no Natal, presentes nunca vistos; contavam histórias de “lubu ku lebre”. Impressionavam com suas histórias de bravura e coragem. E assim ganhavam simpatias não só dos mais novos, como despertavam admiração na camada feminina. Assim, nasciam meninos que adquiriram, nomes como Cabi, Titina, Domingos, Osvaldo, Pansau, Amílcar ou Cabral, dentre outros.
A população que estava acostumada a escutar a história heróica dos camaradas, esperava ouvir da geração depois dos camaradas, cuja grande maioria fez estudos na Europa, coisas do tipo, neo liberalismo, globalização, economia de mercado, políticas públicas, estado de direito e principalmente de capacitação e de valorização de capital humano, crucial para conduzir uma maquina chamada “aparelho do estado”. Mas nada disso aconteceu.
Bem, o crioulo diz I KA DI N’PASMA, porque “se garandis di casa ta tchami, mininus tudu ta nhongolé”. Será que a geração depois dos camaradas nhongoliu? Não sei, mas de uma coisa não duvido, eles conseguiram endireitar práticas iniciadas pelos camaradas, como a corrupção, o nepotismo, o amiguismo, o clientelismo, o patrimonialismo.
Assim vão ensinando nas praças de Bissau os truques para se tornar um corrupto da primeira, ou seja, para adquirir o estatuto de um cleptocrata, melhor, corrupto de colarinho branco. E os conceitos como a globalização, políticas públicas, economia de mercado, capital social, vão perdendo o significado. Esqueceram como se planeja um estado, e quando tomam uma decisão não pensam na sua consequência para a sociedade.
Aí que outorgam leis do tipo, aquelas que proíbe a admissão ou contratação de pessoal para o aparelho de estado. Um quadro superior, desde um licenciado até um pós-graduado, não pode ser enquadrado, tudo em nome da dita reforma administrativa. Um projecto que deve estar a dormir sob um ar-condicionado, à espera de um milagre. Dizem que o projecto precisa da aprovação do Parlamento. Bem, será que o parlamento tem o interesse em discutir e aprovar esta lei? Enquanto isso, entre um telefone e outro, tramitam processos de “cumadris”, amigos ou de um companheiro das trincheiras. Cuidado, não me refiro à trincheira de Boé, e sim trincheira partidária, de favores, de amiguismo, clientelismo etc.
Enquanto o parlamento não reage, ou melhor deve estar preocupado na elaboração de uma estratégia de como derrubar o “coitado” Indafa Cabi, aqueles jovens, que há trinta anos atrás escutavam a história dos camaradas sobre suas bravuras e coragem nas matas do sul do país, ficam sem saber o que fazer.
Quem esperava presente de papai Noel, frustrou-se e decidiu-se não perder mais tempo com histórias que o fazia apenas dormir. Daí que muitos se aventuram pela Europa, América Latina até a vizinha República do Senegal, feitos viajantes, em busca do tesouro chamado “formação profissional.”
Que era preciso acordar para a realidade, e também lutar não para expulsar os “ tugas”, mas sim para uma vida digna. Estes jovens sacrificaram anos a fios de estudos cá e no estrangeiro, e uma dita lei diz que não podem ser enquadrados, porque o actual governo quer descongestionar o aparelho de estado, que eles mesmo encheram e continuam a encher com suas políticas clientelistas e nepotistas.
Uma questão importante, mas que eu nunca ouvi pessoas nas praças de Bissau a comentar sobre tal decisão. Os jovens não reagem e muito menos as autoridades “competentes”. Pelo contrário, a competência está voltada para debater o narcotráfico de meia tonelada de droga porque é um assunto que se trata do poder sedutor da “garota-de-branco”, que não é para qualquer um. Quando as pessoas que a têm passam, comentamos: olha o fruto do tráfico!
Sabem uma coisa, deixem os traficantes em paz, pois os cleptocratas, desviam todos os dias milhões e milhões de francos CFA. Dinheiro que podia ser usado para formação e capacitação de recursos humanos; para a reforma de hospitais e compra de medicamentos; para a recuperação das infra-estruturas rodoviárias, para serviços como comprar um carro do ano, concluir a reforma da casa, comprar artigos de luxo, etc.
Enquanto isso, vão se agravar problemas do tipo, o analfabetismo, a prostituição, doenças, pobreza, a violação de direitos humanos, comprometendo o futuro de uma geração. Meus caros amigos e irmãos traficantes, têm os melhores advogados das praças de Bissau. Portanto, legalizem logo este negócio porque há muita gente, inclusive no parlamento que quer aprovar leis importantes e o tráfico de droga poder ser a próxima, já que o projecto da reforma está morto.
Se conseguirem legalizar a prática, muitos empregos vão gerar, e quem sabe, o próximo a ter emprego é aquele jovem recém-formado que a lei abortou. Assim, todos vão ficar em pé de igualdade com os ladrões de colarinho branco, ou melhor, ladrões legalmente constituídos, e ninguém vai ser perseguido.
Não se preocupem, pois a sociedade vai compreender, afinal todos nós estamos com a mão no bolso da pobrezinha “nhara-guine”. Um furto ali, uma prática acolá, são todos bem vindos.
Bem, deve estar à procurar no meio de tantas palavras achar o meu nome. Sabem uma coisa, isso não interessa. Mas como está curioso (a) vou lhe dar uma pista. O ano lectivo 2007/08 já vai começar, e vou voltar às salas de aula, bem magrinho, mal nutrido, tentando ensinar e formar novos valores; ou se quiser pode encontrar-me num destes ministérios, tentando dar alguém “ku pó”, tudo em nome de “mafe-de amanha”; ou andando nas praças de Bissau, com a minha pasta por debaixo dos braços; ou se preferir vá à Baiana, podemos tomar um café; ou no mercado-do-passeio.
Talvez num dos becos de Bissau, porque a coisa está tão difícil que decidi abandonar a profissão de enfermeira para me tornar numa “bideira” de “cuscuz”, porque o salário magrinho do meu marido nem sequer dá para ele sair com a “sangue nobo.” Ou também pode encontrar-me a dirigir o meu Range Rover ou Land Kruiser, em direcção à minha obra no alto bandim, um palácio que estou a construir em nome do povo ou melhor em nome da droga.
Enfim, sou apenas um cidadão como tu:
Que se preocupa com o futuro deste país;
Que sonha com um país honesto;
Que valoriza o seu povo;
Onde os castos não serão castigados;
Onde os honestos não serão açoitados;
Onde os desonestos não serão coroados;
Um país que tenha amor por inteiro
Para ter no peito o orgulho de ser guineense.
Enfim, ainda quer saber quem sou? Deixe estar.
Ah, meus amigos e irmãos na diáspora arrumem seus “nbuludjus” e voltem para cá “pa bia terra ranka,” mas não se esqueçam de trazerem água no cantil e uma lanterna, “pa bia es maratona e sin iagu e nin luz”.
VAMOS CONTINUAR A TRABALHAR!
Projecto Guiné-Bissau: CONTRIBUTO