GUINÉ-BISSAU: ENTRE A DESILUSÃO E A ESPERANÇA

O maior desafio para todos os guineenses é criar mecanismos de mudança para a Guiné-Bissau!

 

Por: Fernando Casimiro (Didinho)

didinho@sapo.pt

17.12.2007

Nos dias de hoje, quando paro para pensar sobre a minha terra, confronto-me inevitavelmente, com duas expressões que certamente acompanham a maioria dos guineenses: a desilusão e a esperança.

Foi de esperança a minha primeira motivação no pós-independência da Guiné-Bissau.

Todos festejamos, todos apoiamos, todos assumimos a causa da reconstrução nacional que se impunha!

A Guiné-Bissau era uma referência positiva, não só no contexto africano, mas também mundial.

Um pequeno país que granjeou simpatias por ter feito um percurso exemplar para a conquista da sua independência e, por isso,  ter-lhe sido disponibilizado todo o tipo de apoio de países e povos amigos durante os primeiros anos da sua caminhada na estruturação e construção do Estado.

Da alegria e da esperança de repente revirou-se o país para a tristeza e para a desilusão com as primeiras matanças de irmãos guineenses que tinham prestado serviço militar do lado do exército português.

Da liberdade supostamente adquirida com a conquista da independência, perdeu-se a noção da razão de onze anos de luta armada, com muito sacrifício e que custou a vida a milhares de guineenses de um lado e de outro da barricada!

Por que desavindos, quando todos juntos éramos poucos para a tarefa da reconstrução nacional?

Por que desavindos quando nem se questionava o poder, visto esse, estar entregue aos conquistadores da independência?

A esperança foi dando lugar à desilusão à medida que os anos foram passando sem se abrir o país a uma participação pluralista que pudesse dinamizar e enriquecer a concepção de uma Nação virada para o desenvolvimento e tendo como suporte desse desenvolvimento o seu capital humano.

A governação do PAIGC partido único, tinha trocado voltas às teorias e práticas revolucionárias de Amilcar Cabral, demonstrando divergências internas graves no seu seio, o que consequentemente viria a ser prejudicial na definição do seu próprio percurso como partido político na qualidade de força política dirigente da sociedade.

De um partido para dois Estados, a Guiné e Cabo Verde, o PAIGC entrou em colapso a 14 de Novembro de 1980, quando foi dado o primeiro golpe de Estado, encontrando-se moribundo até aos dias de hoje, para desilusão da maioria dos guineenses.

De um regime severo para outros, consequente e comparativamente mais severos foi passando a Guiné-Bissau, sem que alguma vez se tenha proporcionado um debate nacional alargado, despido de identidades e adjectivos que não a identidade nacional e pelo interesse nacional!

Jovens quadros nacionais regressados dos seus percursos de formação no estrangeiro foram sendo marginalizados, outros perseguidos porquanto tidos como sombras do poder. Era o contra-senso total de um país com carência de recursos humanos mas cujos governantes, teimavam em "dispensar" os seus promissores quadros da participação na concepção e definição de estratégias de desenvolvimento quer político, económico ou social.

Da ganância e manutenção no poder a comunidade internacional pressionou no sentido de se abrir o país ao multipartidarismo, o que veio a acontecer em 1991.

Apesar dessa abertura, pouco ou nada mudou, pois o país manteve-se sob ditadura até à guerra civil de 1998/99.

Entre 1980 e 1999 o país foi presidido por João Bernardo Vieira, o símbolo máximo da desgraça em que a Guiné-Bissau ainda hoje vive.

Durante a guerra civil de 98/99 milhares de guineenses foram mortos, as parcas infra-estruturas do país foram destruídas ou vandalizadas e um número indeterminado de guineenses teve que se refugiar nos países vizinhos e na Europa.

Deposto João Bernardo Vieira, que partiu para exílio em Portugal em 1999, renasceu a esperança do povo guineense.

Um renascimento limitado, porquanto de sobreaviso, afinal de contas os novos donos do poder tinham sido no passado amigos e colegas de arma do deposto presidente.

Não tardou muito para que a palavra desilusão voltasse a ser pronunciada pelos guineenses!

Depois de algumas peripécias, eis que João Bernardo Vieira regressa ao poder em 2005...

E é nesta guerra entre a desilusão e a esperança, tal como o passado tem no seu registo, que os guineenses se confrontam no presente e antevendo o futuro, que futuro!

Acompanhando a par e passo os problemas da Guiné-Bissau, apesar da realidade dos factos, mantenho a convicção, a esperança num futuro melhor, sendo que há argumentos válidos para transmitir essa convicção.

O que me leva a acreditar na vitória da esperança sobre a desilusão é a capacitação dos nossos jovens, os valores das gerações mais novas que têm procurado evoluir conhecendo, estudando e tirando ilações do passado menos bom de todo o nosso percurso.

Tenho acompanhado com orgulho a vontade, o interesse dos nossos jovens em participar nos debates sobre o país, de manifestar as suas opiniões sobre problemas nossos, de regressar ao país e dar os seus contributos para o desenvolvimento, o que é deveras motivador e indicador de boas perspectivas futuras!

A Guiné-Bissau, no entanto, continua a oscilar entre a desilusão e a esperança, mas hoje, mais de metade da nossa população são crianças e jovens e a mudança geracional que não aconteceu logo a seguir à independência, será proporcionada, natural e gradualmente pelas gerações do pós 1980 com quem devemos trabalhar, passando as nossas experiências, os nossos conhecimentos e disponibilizando todo o apoio na transmissão da mística que é o orgulho nacional!

Porquê a geração do pós 1980?

23.12.2007

Primeiro que tudo, pelo simbolismo de um marco negativo que foi a mudança pela força (golpe de Estado), que trocou a via do diálogo sobre as nossas diferenças e os nossos problemas, numa argumentação caracterizada e sustentada por uma pretensa afirmação de um nacionalismo pré-concebido por padrões inaceitáveis, porquanto incorrectos e injustos na atribuição da identidade guineense aos designados filhos puros da Guiné segundo a cor da sua pele, isto tendo em conta as divergências que fomentaram o golpe de Estado de 1980, mas que o tempo acabou por esclarecer, confirmando ter sido motivado pela ganância do poder, pois houve depois de 1980  tentativas e golpes consumados sem que o poder estivesse nas mãos dos chamados "burmedjus" (mestiços) como aconteceu nos primeiros anos da independência e até ao golpe de Estado de 1980.

No entanto, é na constatação prática da existência de uma nova geração através da semente reprodutiva lançada pela geração do pós-independência que se baseia a argumentação da caracterização e definição, a partir de 1980, de uma nova realidade capaz de moralizar a sociedade para a necessidade de se ter em conta a mudança geracional de forma a rejuvenescer e fortalecer os pilares que devem alicerçar o Estado.

Na verdade, os guineenses nascidos depois de 1980 são todos descendentes (filhos) da geração designada como a do pós-independência. Se tivermos em conta esta realidade, veremos que por valores aproximados, os períodos de vinte a trinta anos de diferença entre gerações são os períodos propícios, por excelência, para o início da passagem de testemunho.

Tomando a realidade actual, veremos que muitos dos nossos governantes pertencem efectivamente à geração do pós-independência. Os que em 1974 tinham 24 anos, hoje têm 57, mas há pessoas muito mais novas que se incluem também nesta geração,  não necessariamente por um critério de referência etária, mas por uma condição de afirmação, de vanguarda, dos que naquela altura eram vistos como os prováveis arquitectos da construção do que nos faltava depois da independência: a construção de um Estado.

Hoje também continuamos a ter nas estruturas do poder elementos de uma outra realidade presente na designação das gerações, que é a geração libertadora ou seja, compatriotas que participaram directa ou indirectamente na luta de libertação nacional, independentemente das suas faixas etárias.

De salientar que muitos compatriotas desta geração ainda são jovens, também rebentos da geração mais velha que deu início à luta de libertação nacional.

O pós-independência engloba, por isso, uma geração que não se designa como tal numa alusão concreta ao período de nascimento comparativamente à geração de 1980.

No pós-independência, a referência de base é a formação escolar à época, dos jovens que fomentaram a primeira motivação de esperança ao seguirem para vários países do mundo no intuito de prosseguirem os seus  estudos para que depois viessem servir o país e, consequentemente, o nosso povo.

No entanto, pode-se definir um marco de referência em relação aos grupos etários que compõem a geração do pós-independência.

A geração do pós-independência é constituída por cidadãos nascidos, num contexto diversificado, a partir da década de 50 e que em 1974 tinham um máximo de 24 anos de idade (há que compreender a margem dada na definição da década de 50 com a idade máxima na finalização do liceu, pois muitos cidadãos iniciaram os seus estudos primários para além do período normal de acesso) e estavam aptos para prosseguir os seus estudos em Universidades estrangeiras, bem como por todos os outros, quer da década de sessenta como de setenta, visto não ter havido a tal mudança geracional ou um marco de referência, como acontece no caso da geração de 1980.

O pós-independência foi, efectivamente, um cruzamento de realidades e de circunstâncias que não chegou a ter arquitectos capazes de projectar uma grande obra, a maior obra de um país, que é a construção do Estado, pois os ditos arquitectos de então sempre ignoraram o facto de os pilares de suporte dessa grande obra serem os seus próprios recursos humanos.

De  Novembro de 1980 aos dias de hoje, passaram-se 27 anos, ou seja, os jovens nascidos nessa altura; em condições normais de desenvolvimento: formação e evolução profissional ou académica, estão no ponto para a aquisição de experiências e ensinamentos práticos do dia-a-dia através dos seus relacionamentos directos ou indirectos com as realidades do país.

É preciso apoiá-los, enquadrá-los, abrir-lhes caminho, dando-lhes oportunidades de se inteirarem das nossas realidades, de lhes possibilitar o uso prático dos conhecimentos adquiridos nos seus percursos de formação, para a reformulação e redefinição, de forma ajustada à conjuntura, de um modelo de desenvolvimento mais moderno, mais atractivo, mais consentâneo com as realidades do nosso país e do mundo de que fazemos parte e temos necessariamente que acompanhar.

Este apoio assente na transmissão de experiências e de referências passa obviamente pelo testemunho das gerações anteriores das quais são descendentes e que, infelizmente, não tiveram oportunidade de passar por uma mudança geracional que hoje impõe-nos facilitar, até porque estamos perante cidadãos que são nossos filhos, irmãos, familiares e amigos.

As consequências da ausência de uma mudança geracional são bem visíveis hoje na sociedade guineense, que por sua vez, reflecte o Estado débil que conseguimos erigir.

Não devemos obstruir a participação dos nossos jovens (que também são nossos filhos, irmãos, familiares e amigos) na construção do Estado que ainda não temos!

Não devemos pensar que o Estado deve ser construído só por quem está no dirigismo nacional e, por esse dirigismo nacional possibilitar vantagens e privilégios, agarrarmo-nos a ele de forma vitalícia, ou em conformidade, beneficiando os nossos familiares directos ou amigos, no acesso a esse mesmo dirigismo, passando por cima das legislações e dos critérios de competência para o preenchimento de vagas, por exemplo, na Administração Pública e, deixando de fora toda uma geração que por ser mais nova deve ser integrada, até porque será essa mesma geração a sofrer com os erros da sua não participação na definição de estratégias de desenvolvimento delineados por outros, com base numa conveniência marcadamente pessoal e não ao serviço do colectivo, como tem sido até aqui e que merece reprovação.

Hoje vemos que as estruturas do Estado não conseguiram acompanhar a formação dos nossos quadros, pois de um problema de carência no pós-independência, estamos com excesso de quadros em várias áreas, devido em parte a uma política de formação toda ela virada para interesses pessoais e não para as reais necessidades do país, isto tendo em conta que a maior parte dos nossos quadros formou-se com bolsas de estudo concedidas pelo Estado.

Também devido a essa falha na estratégia de formação de quadros, ainda hoje continuamos carentes em sectores específicos e vitais para o nosso desenvolvimento. Formou-se muito do mesmo, a nível superior, tendo-se formado pouco nas muitas exigências da formação técnico-profissional.

Hoje temos muitos quadros jovens que não conseguem colocação após regressarem ao país.

A Guiné continua concentrada em Bissau, a capital, reflexo de uma política manifestamente carente da noção de Estado, pois se assim não fosse, 34 anos depois, já deveríamos ter organizado eleições autárquicas e ter-se-ia descentralizado o Estado que se fica por Bissau, possibilitando a integração dos jovens quadros e, consequentemente, o desenvolvimento sectorial, que por sua vez iria galvanizar o desenvolvimento nacional.

Nós que somos pais, irmãos, familiares e amigos desta geração de 1980, de que estamos à espera para abrirmos uma discussão em torno da passagem de testemunho, gradual é certo, que possibilite o enquadramento legal dos nossos jovens nas estruturas do Estado?

Quando é que o Estado deixará de ser uma imposição dos partidos políticos na atribuição de cargos públicos e na gestão dos recursos humanos da administração pública?

Para quando a descentralização do Estado tendo em conta a urgência da integração e aproveitamento dos nossos jovens quadros no sentido do próprio Estado tirar dividendos com as suas capacidades?

Estou esperançado, ainda que tenha tido desilusões e vou continuar a tê-las, obviamente, de que melhores dias virão, porque acredito na geração do pós 1980 como sendo a ponte para o futuro de uma Guiné-Bissau com expressão e afirmação no mundo!

Os jovens simbolizam a mudança e, por isso, sinto o aproximar dessa mudança, à medida que mais jovens se interessam por questões nacionais e se posicionam afirmativamente do lado da busca de respostas e soluções para os nossos problemas e não do lado da resignação e da indiferença.

É pelos jovens que passa o futuro da Guiné-Bissau!

Vamos continuar a trabalhar!

PROJECTO GUINÉ-BISSAU: CONTRIBUTO - LOGOTIPO

VAMOS CONTINUAR A TRABALHAR!

Projecto Guiné-Bissau: CONTRIBUTO

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