GUINÉ-BISSAU: O PECADO DA CUMPLICIDADE

 

Quero para mim a Guiné-Bissau que desejo para todos os meus irmãos guineenses...!

 

 

 

Por: Fernando Casimiro (Didinho)

didinho@sapo.pt

15.11.2008

É hoje, 15 de Novembro, o dia dedicado à reflexão tendo em vista o acto cívico de votar nas legislativas de amanhã, 16 de Novembro.

Os guineenses já se vão habituando a esta rotina de uma suposta democracia sustentada pelo acto de se realizarem eleições legislativas de quatro em quatro anos e, presidenciais, de cinco em cinco anos, pois, mais não temos, numa alusão às autárquicas, ainda que, consignadas na Constituição da República.

Porque é que até hoje não se realizaram eleições autárquicas na Guiné-Bissau?

Porque os políticos cidadãos, sem excepção, querem um poder centralizado, que seja (também) o decisor das políticas regionais e que lhes permita o exercício de uma acção manipuladora, por acumulação, das  competências atribuídas, por definição, ao poder autárquico.

Esse poder centralizado não é, porém, no sentido de uma maior consistência com vista a fazer mais pelas regiões, mas sim, para um total controlo das verbas destinadas às regiões, verbas essas facilmente desviadas; como também, para tomadas de decisão, sem contestação (do poder local que não existe) das decisões que têm a ver com as potencialidades e viabilidades de negócios nas regiões.

Os políticos cidadãos continuam a achar que as nossas populações devem continuar a morar nas palhotas, sem as mínimas condições, porque é de tradição, o que justifica a ausência de políticas sociais para a habitação, bem como, políticas alicerçadas para a energia e o saneamento básico;

Os políticos cidadãos continuam a achar que as nossas crianças (o futuro da nossa terra) das regiões do interior devem continuar a ajudar os pais e familiares na lavoura, porque é de tradição e, por isso, não há necessidade de se construírem escolas no interior do país, até porque, assim, evita-se empregar/agregar mais professores ao funcionalismo público... e dá-se uma ajuda ao tráfico das nossas crianças para os países vizinhos, pois estando habituadas a trabalhar na Guiné, porque não pô-las a mendigar algures no Senegal, a pretexto de irem para lá estudar seja o que for?

Os políticos cidadãos continuam a achar que a tradição sobrepõem-se aos direitos fundamentais da pessoa humana e, por isso, desculpam-se na tradição, sempre que a questão da Mutilação genital feminina chega a debate na Assembleia Nacional Popular, porque continuamos a ser um povo que desrespeita e desvaloriza o papel e a condição da Mulher, que é: MÃE, IRMÃ E FILHA!

Os políticos cidadãos continuam a pensar que as nossas populações devem continuar a consultar os curandeiros, porque se a medicina tradicional é valorizada noutras partes do mundo, porque não na Guiné-Bissau onde a tradição também existe, até porque assim, não há necessidade de construir hospitais e é uma forma de se "condenar" os nossos médicos (uma classe com outra visão política e social) à emigração forçada, na falta de infra-estruturas para o desenvolvimento das suas actividades profissionais, que, para além da conclusão do curso, implica frequentes actualizações curriculares.

Caros compatriotas, prezados amigos,

A campanha eleitoral que se desenrolou ao longo de 21 dias pôs a nu, tal como noutras ocasiões eleitorais, a podridão de uma paz de espírito que continua a ser a marca da hipocrisia reinante na Guiné-Bissau, mas também demonstrou a mediocridade dos partidos políticos, caracterizada pela ausência de propostas de governação para os próximos 4 anos, numa clara inexistência de argumentos, de respostas e soluções para se mudar o (muito, quase tudo) que está mal na Guiné-Bissau.

Ouvimos ou lemos ao longo da campanha eleitoral, discursos com forte carga de verdade sobre a mentira  da reconciliação nacional (apregoada aqui e acolá, em momentos de conveniência, por políticos, governantes, militares e até representantes diplomáticos estrangeiros acreditados em Bissau) e o incentivo ao esquecimento dos ressentimentos do passado, pois, à luz da interpretação dos discursos de campanha, na verdade, não há nenhuma reconciliação (como pode haver, sem Justiça?), nem esquecimento dos ressentimentos do passado (como se pode esquecer, sem que haja perdão declarado das vítimas directas ou indirectas?). É esta a constatação que se chega quando, numa exigência de servir com o interesse nacional, os partidos políticos, nas suas acções de campanha eleitoral, deveriam debruçar-se sobre temas de importância generalizada e não resumir a campanha eleitoral na questão de acusações inconsistentes, porquanto, fora de prazo, em relação ao narcotráfico.

A meu ver, não houve criatividade e muito menos, diferença de estatuto, numa avaliação a nível da competência e afirmação dos partidos políticos que, se se predispusessem a servir os eleitores, deveriam basear-se, nos seguintes pontos-chave para dignificar e justificar positivamente, a realização do acto eleitoral de 16 de Novembro:

1-  Aspectos do funcionamento do Estado, numa perspectiva de governação política.

2- Aspectos do funcionamento do Estado, numa perspectiva de governação social.

3- Aspectos do funcionamento do Estado, numa confluência de interesses políticos e sociais, tendo em vista a sustentação de um Estado de Direito que promova a Justiça, a Paz e a Estabilidade, criando assim, condições básicas para o exercício livre e participativo dos cidadãos no desenvolvimento do país.

Os partidos políticos tiveram, desde as eleições legislativas de 2004, quatro anos para se prepararem; para se aproximarem das populações; para, na Assembleia Nacional Popular denunciarem os crimes que agora insinuaram durante a campanha eleitoral; para avançarem com provas sobre os crimes cometidos por Nino Vieira durante os seus mandatos etc.,mas não fizeram nada disso nestes quatro anos, para agora, em 21 dias, quererem mostrar que, realmente algo vai mal na Guiné-Bissau e, algo de gravíssimo pode voltar a acontecer depois destas eleições, já que,  o "vencedor" destas eleições, seja qual for a cor ou símbolo do partido que reunir o maior número de votos, será o general ditador Nino Vieira.

Nino Vieira que está simplesmente à espera dos resultados eleitorais, para avançar com os planos que há muito vem preparando. Ele sim, tem sabido preparar as suas acções na perspectiva de não permitir que o poder lhe fuja das mãos, nem de forma democrática e, muito menos, através de qualquer movimentação militar, pois nesta fase e com a ajuda de Angola, conseguiu não só neutralizar as chefias militares, caso do Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, Tagme Na Waie, como também, reabilitar os seus antigos homens de mão das Forças Armadas, sendo que logo que oportuno, um deles substituirá Tagme Na Waie.

Nino Vieira que também controla na totalidade os serviços de contra-inteligência, cujos lugares-chave voltaram a ser ocupados pelos seus homens de antigamente, não pensará duas vezes para decidir derrubar qualquer governo saído destas eleições, caso haja "ameaças" de rigor e intransigência governativa que ponham em causa os seus interesses na cumplicidade com as redes de corrupção e narcotráfico.

As denúncias e insinuações de políticos de quase todos os partidos durante a campanha eleitoral não são novidade e, por isso, não merecem destaque na avaliação do estado político-social actual da Guiné-Bissau, mas ainda assim, aproveito para enaltecer o facto de, mesmo numa utilização oportunista e por conveniência, ter-se dado a conhecer, por outras vozes, por políticos, governantes e ex-governantes, o que há muito tempo, quase que diariamente, nós, através do site www.didinho.org temos vindo a denunciar!

Porque é que se chega ao cúmulo do oportunismo e da conveniência na Guiné-Bissau, quando a cumplicidade na omissão de crimes quer de sangue, quer ligados directa ou indirectamente à corrupção, também é considerado crime?

Os partidos políticos que se desdobraram em denúncias e insinuações e, se tomarmos em linha de conta o facto de até recentemente, ter funcionado um governo tripartido, constituído pelas 3 formações políticas com mais assentos conseguidos nas legislativas de 2004 - PAIGC , PRS e PUSD, aquando dos respectivos exercícios governativos será que desconheciam o dossier da droga na Guiné-Bissau? Claro que conheciam. E o que fizeram para denunciar e levar à Justiça os referenciados (pois sabe-se quem são os barões) e travar o narcotráfico no país? Nada, ou seja, foram cúmplices!

Os partidos políticos que se desdobraram em denúncias e acusações sobre os crimes perpetrados por Nino Vieira, o que fizeram (ou vão fazer), de acção concreta, para que Nino Vieira fosse (seja) processado e julgado? Nada, ou seja, foram cúmplices!

Os partidos políticos que se desdobraram em promessas desonestas de lutar pela reposição da Justiça, ou de acabar com o narcotráfico na Guiné-Bissau, o que fizeram, por exemplo, para denunciar as recentes ameaças de morte que foram dirigidas à Ministra da Justiça, Carmelita Pires e ao Procurador-Geral da República Luís Manuel Cabral? Nada, ou seja, foram cúmplices!

Qual foi o apoio e a solidariedade transmitidos pelos partidos a essas duas figuras do Estado, empenhadas na luta contra o narcotráfico? Nenhum apoio, nenhum gesto de solidariedade, o que pressupõe indiferença, desinteresse, cobardia!

Os partidos políticos que se desdobraram em promessas de tudo fazerem, sem dizer como irão arranjar dinheiro não orçamentado para o cumprimento dessas promessas, deveriam ter mais respeito e consideração pelo povo guineense, bem como, capacitarem-se de que nada se deve construir com o dinheiro do Estado, sem que haja aprovação, quer do Orçamento-Geral do Estado para as diferentes áreas de governação, quer da aprovação pela Assembleia da República dos projectos de grande  envergadura que assim se justificarem.

Tenham respeito e consideração pelo povo, senhores POLÍTICOS CIDADÃOS!

Se hoje temos o "cancro" que é o general ditador Nino Vieira no comando do país;

Se hoje continuamos sem estruturas físicas e humanas na Educação e na Saúde;

Se hoje continuamos carentes de Habitação, Saneamento Básico e Transportes;

Se hoje a Guiné-Bissau é vista como um Narco-Estado;

Se hoje o nosso povo está cada vez mais pobre;

Se hoje o nosso povo está mais dividido;

Se o nosso país está cada vez mais atrasado....

A culpa é da cumplicidade de todos , quer por conivência quer por indiferença!

É chegada a hora de cada um assumir responsabilidades e compromissos para com o país, caso contrário, não haverá mudança de rumo para que tenhamos uma Guiné-Bissau Positiva!

Como sugeri há umas semanas atrás, os que estão na Diáspora e não podem votar, devem telefonar aos seus familiares, falar com eles e ajudar nas orientações de voto. É importante que as pessoas votem em consciência e, sabemos que a maior parte das nossas populações carece de informações e conhecimentos que lhes permita votar em consciência. Não será um acto incorrecto do ponto de vista legal, nem mesmo falta de ética ou moral, porquanto se tratar de uma orientação explicativa com vista a elucidar quem vai votar.

Votem meus irmãos, que a luta pela mudança irá continuar!

Vamos continuar a trabalhar!

ABOS KINKONS - SIDÓNIO PAIS

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