Guiné-Bissau: Salve-se quem puder!
Fernando Casimiro (Didinho) 18.10.2010 Artigo enviado para publicação e assinado por "Candjura Panta". Por saber quem se trata e por me ter sido solicitado, assumo total responsabilidade pelo artigo em questão, por razões que se prendem com a salvaguarda da integridade física da autora, que reside em Bissau, onde exerce a sua actividade profissional.
Guiné-Bissau: Salve-se quem puder! Estou a escrever sob o pseudónimo Candjura Panta, por não ter condições de livre expressão e ter a minha vida sob risco por alegada traição aos poderes constituídos ilegitimamente na Guiné-Bissau. Mas o que se segue tem de ser dito e escrito!
No território da Guiné-Bissau, desde os tempos mais remotos que se identificam lutas fratricidas de controlo e acesso ao poder. Ora, se o controlo do tráfico de armas originou um conflito armado, a partir de 2002, o controlo do tráfico da cocaína foi progressivamente transformado no ingrediente fundamental das lutas internas de acesso e detenção do poder. E, actualmente, a busca desse controlo, desintegrou totalmente o Estado guineense. Assistindo-se, desde 2005, a uma guerra entre os Gangues nacionais com interesses divergentes, para domínio da(s) rota(s) que passa(m) pela Guiné-Bissau e utilizam o país como plataforma giratória da cocaína originária da América Latina e destinada sobretudo aos mercados Europeus, mas também aos EUA. Sem escusas, o certo é que o valor da cocaína nos países de procura não deixa margens de ardil ao poder político e institucional na Guiné-Bissau. Um poder corroído pela corrupção, impunidade, incompetência e falta de referências morais, começando nos anos 80, passando pelos anos 90 e entrando no Milénio. Assim é que, em dez anos, o dinheiro do direito de passagem da cocaína pelas terras, mar e espaço aéreo do território guineense, sedimentou a sua força e expandiu-se transversalmente por todas as instituições da dita República, não poupando nada e nem ninguém. O período inaugural da força da cocaína tornou-se perceptível a partir de Abril de 2005, aquando a descida de um helicóptero em Bissau, no estádio 24 de Setembro, abrindo os nossos céus, em violação ao espaço aéreo e à decisão soberana do Governo, num acto de clara parceria com a Presidência da Republica da Guiné-Conacry, onde o filho do falecido presidente confessa a sua implicação no tráfico da cocaína. A partir do indicado marco, o acesso ao poder, mais concretamente as eleições realizadas para a titularidade dos órgãos políticos, passou a ser visivelmente impregnado com o cheiro da cocaína em trânsito pelo país. Os valores financeiros mínimos, disponibilizados pelas máfias colombianas, ora colocados à disposição dos seus mandantes no terreno, ora produtos auferidos por estes comparsas das e nas transacções que intermedeiam e facilitam, foram descaradamente, de forma visível e agressiva, utilizados nas campanhas eleitorais e em benefício de partidos e candidatos às legislativas e às presidenciais. Ao ponto de qualquer questionamento ser mal visto ou cair em saco roto, numa anestesia colectiva, face à pobreza de meios de sobrevivência e de espíritos, corroborada com a mentalidade do lucro fácil, instaurada desde a liberalização económica selvagem e vivificada com uma contemplação permissiva e consentida da quantidade de viaturas novas que desceram em Bissau, dos investimentos intempestivos dos candidatos nas regiões e zonas identificadas, etc, etc…. Sintomático da transversalidade do poder da cocaína no Estado e na sociedade guineense constitui, a título exemplificativo, o seu alojamento e guarda no Tesouro Público e a realização, em 2008, de obras avultosas nas instalações do Ministério do Interior, utilizando-se dinheiro do circuito informal e de proveniência duvidosa. Como também constitui sinais evidentes do ataque consentido, os vários assaltos perpetuados às instalações da polícia de investigação criminal, a que supostamente seria responsável pelo combate à droga, definitivamente depreciada e desmoralizada pelos órgãos superiores e entregue à total ajuda dos seus parceiros internacionais. Mas também, os prognósticos que a teia está estabelecida, relevam da tipologia dos que têm rodeado o órgão Presidência da República. E, finalmente, a máfia fortifica-se pela grandiosidade extemporânea havida para os que, sediados na capital, se dedicam ao chorudo negócio. Porém, a ponta do icebergue da tomada das instituições da República pela cocaína, advém mormente de três dados: a espiral de violência instaurada pelo tráfico, a ineficácia operativa do Plano Nacional de Combate à Droga e Criminalidade Organizada e o divórcio assumido entre o poder administrativo do Estado e o prossecutor Público. Este último, caracterizando a mais débil e ineficaz instituição da República guineense, radicalmente tomada pela cocaína e interesses do narcotráfico desde 2005, é o local de guarida de lideres políticos frustrados e oportunistas e dos que, com vestes de poder público, imoralmente advogam pelos narcotraficantes civis e militares. Tudo o mais, é simplificadamente justificado com a falta de meios investigações, para assim fazer improceder confissões escritas e assumidas de narcotraficantes do e no poder, apanhados com a boca na botija, e calcar a indiciação feita pelos Estados Unidos de traficantes guineenses. Daí que, pouco importe uma prova consistente confiscada aos colombianos residentes em Bissau, indicativa de quem é quem no negócio da busca de domínio da rede colombiana mais proeminente no país e elucidativa de mortes violentamente ocorridas. Lógico que, nesta cumplicidade, conivência, distribuição de dinheiros e permissividade do desenvolvimento do negócio da cocaína, o poder judicial aparece como um braço final que, accionado, imediatamente formaliza a libertação de tudo e todos e pune os que estão fora do circuito do tráfico, sendo de somenos importância a condenação dos que são mundialmente perseguidos por tráfico de cocaína, ainda que com mandato de captura vermelho. Neste maralhal impõem-se o verdadeiro poder, o que vem da luta de libertação do país, detido pelos homens das armas, na sua maioria incompetentes e iletrados, facilitadores das operações da cocaína, com interesses próprios, mas também aliciados por políticos corruptos e oportunistas. De facto e na realidade, são estes que sobressaem no negócio e que nos surgem como os auto-intitulados Combatentes da Liberdade da Pátria, passando a auferir incalculáveis rendimentos, investindo descomunalmente no imobiliário e no parque automóvel nacional. São estes os detentores de exércitos privados e de significantes depósitos pecuniários nos bancos comerciais da capital. São estes os verdadeiros donos da terra e o suporte operacional das redes de narcotráfico da América Latina que laboram no país. São estes que, com o tempo, adquiriram alguma competência e muita perspicácia, enquanto fiadores aprazados da cocaína em circulação, estendendo as redes através dos políticos e politiqueiros, num controlo mútuo e partilhado, fazendo benesses nos quartéis e junto aos clãs familiares, sustentando e absorvendo as clivagens étnicas, estas últimas inteligentemente recuperadas no inicio desta década. Esta assistência material compartilhada entre os diversos poderes da República, vis-a-vis as redes de tráfico de cocaína, inviabiliza, à partida, quaisquer pretensões do martirizado e humilhado povo guineense e também da comunidade internacional de entrada de uma força/missão estrangeira. Bastando a efémera possibilidade dessa intervenção possuir um mandato de combate à criminalidade organizada transnacional e ao tráfico de cocaína para nunca e jamais entrar voluntariamente na Guiné-Bissau. Por conseguinte, a impossibilidade da assunção do tráfico como negócio do Estado, obriga a operações de cosmética, a panaceias e ziguezagues, enquanto se vai ganhando tempo para concluir no terreno as guerras de domínio. Daí que, na convicção recorrente de que há que saber fazer o negócio, se nomeie e se mantenha no topo os mais incautos dos militares, desde que narcotraficantes, vislumbrando a criação de uma força tampão interna que, por um lado, possa amedrontar qualquer acção de entrada da comunidade internacional e, pelo outro, constitua garantia para os cartéis da América Latina de que as parcerias internas continuam devidamente firmadas para o depósito transitório da cocaína e que as alianças projectam a continuidade do negócio, ao mais baixo nível de perdas. Hoje, institucionalizado o negócio e girando tudo à volta da cocaína e do dinheiro (poder), numa luta desmedida para manutenção e ascensão ao poder, mantém-se para o país o status quo de há 37 anos. Ou seja, está adiada e penhorada ad eterno a paz e a estabilidade. Contudo, o almejado desenvolvimento sine die, toma a configuração de admissível, desde que venha em coadjuvação ao negócio da cocaína e desde que consentâneo ao enriquecimento ilícito dos donos da terra. Sem reserva moral, tudo se aparenta numa mórbida acalmia que esconde uma bola de fogo em ebulição, num patamar onde a criminalidade, a podridão e a promiscuidade doentia dão cartas elevadas. Aonde ninguém é refém de ninguém e todos são reféns uns dos outros. Avizinhando-se novas mortes, novamente encapuçadas como acerto de contas, e mantendo-se a Guiné e os guineenses entregues à máfia colombiana e à nacional, esta composta pela pior franja societária do país. O que nos resta? Salve-se quem puder! E, os que não puderem se salvar, que aguardem! Porque não há mal que dure sempre! E estaremos todos aqui, guineenses até morrer, para nos desfazermos dos cacos que eles deixarem depois de se digladiarem.
Bissau,18 de Outubro de 2010 Candjura Panta
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