HOMENAGEM AOS HERÓIS DESCONHECIDOS

 

M’bana N’tchigna *

mbatchi@yahoo.com.br

20.09.2013

M´bana N´tchignaAntes de descrever homenagem, trago meu ponto de vista sobre assunto.

Se eu e você pesquisarmos, encontraremos nas nossas tabankas (vilarejos) histórias dos heróis da nossa terra que nunca nos contaram. Heróis que a história da luta armada em Guiné Bissau já mais mencionou.

Costumo a dizer para várias pessoas que a nossa história verídica, ficou nas nossas tabankas (nos nossos vilarejos) quando a independência se deu.

A versão trazida e contada na cidade, sobretudo em Bissau, sobre heróis da luta, possui menos verdades do que a versão original que ficou nas tabankas.

Quem realmente lutou não aparece nos contos ditos “oficiais” pós-independência contada para nós. O que é lamentável! Até quem era inimigo e que deu tiro contra o PAIGC virou herói. Antigo combatente da primeira linha. Alguns inclusive recebem na folha do pagamento dos antigos combatentes.

A incoerência essa me deixa desapontado. Vá à tabanka! Vá... e, pesquise a versão que existe entre os idosos que lutaram contra colonialista português que ainda estão lá vivos. Entre eles meus tios e primos que sabem quase tudo sobre PAIGC. Desde mobilização, sabotagem a posição colonial e a passagem para ação armada. Você vai se surpreender.

 É uma pena que guineenses não valorizamos pesquisar a nossa história a fim de escrevê-la como realmente ela aconteceu. Eis uma das histórias a seguir que faço questão de contar hoje.

Quando eu era criança e para adolescente, gostava de ouvir os meus tios e em Especial o tio M’bana Na N’ñétá a contar as histórias de combates quando combati colonialista português. Contava a mim sobre derrotas, retiradas as pressas e vitórias que sempre acompanharam os anos difíceis de sua vida na luta entre 1962 a 1973.

Nessas histórias esteve e estou impressionado até hoje pela coragem do meu povo guineense e orgulhoso pela coragem dos meus parentes diretos que deram suas contribuições como puderam. A final, qual é filho que não sente orgulha com os feitos heróicos dos pais!?

 Meus mais! Uns na linha de frente outros na retaguarda.

 Hora ficava triste, chorando, hora ficava alegre tentando viver a emoção que tio M’bana Na N’ñétá vivera naqueles anos difíceis. Além de Na N’ñétá, General B’wohta Na M’batchá me contou em 2011 a mesma história.

Confesso que quando General B’wohta repetiu a história estávamos sentados frente a frente, e a esposa do mesmo, estava do lado, sentada numa cama. Olhei para aquela mulher que tem aparência física de uma da minha tia que perdeu filho na guerra. Veio-me a memória lembrança da perda que tia Saabù Na M’baagň chora até hoje e, não consegui conter as lágrimas, chorei novamente como em outras vezes que tio M’bana havia contado, pois fiquei emocionado a ouvir história novamente. 

O HOMEM CHAMAVA-SE N'THUMBÙ KPAŇ.

Morador da aldeia de Flaakňfäňth.

Flaakňfäňthna língua Braasa (balanta). “Flaakň” quer dizer: uma pedra.  “Fäňth” significa, vermelha. Logo, Flaakňfäňth traduzido para português, significa pedra vermelha. Flaakňfäňth é uma aldeia habitada pela maioria braasa. Nesse povoado aconteceu esse episodio quando a luta armada ocorria na nossa terra.

NARRAÇÃO DO FATO:

Numa manha, lá para as 09h00min quando braasa liberavam gado dos curais para pastagens. Surgiu um grupo de patrulha portugueses vindo de Banbadinga que sempre patrulhavam tabankas dos braasas suspeitas de receberem visitas dos agentes do PAIGC. O grupo era composto de fulas e mandinga. Possuía uns três a quatro homens brancos que integram o grupo.

 Quando vinha aproximando, as crianças olhavam com a curiosidade misturada a inocência e medo. Coisa da criancice perante o estranho que se apresenta sempre de forma bárbara no seu povoado, pois mandava calar boa, prendia, espancava e matava quem se atrevesse a resistir.

Desconfiados com o que pode acontecer em relação aos adultos (seus pais), dirigiram olhares uns aos outros e, duas das crianças correram para tabanka anunciando:

BEBAABŇ, BEBAABŇ KI BIFIÁ, KI M’MINDÈ, HÁ BINA BË KÁ...

Tradução:

Brancos, brancos, fulas e mandingas, estão vindo...

Ao chegar o grupo dirigiu-se diretamente à casa de N'ThumbùKpaň.

Este homem, N'ThumbùKpaň era um homem simples sem algo que chamasse atenção, porém de tamanha coragem que impressiona. Apenas recebeu uns hospedes naqueles dias. Quem era hospede em sua casa? N'ThumbùKpaň sabia que era proibido receber quem recebeu como hospede, mas ele o recebe desobedecendo a colonialista português..? Era Comandante Domingos Ramos. Esse comandante era de PAIGC e é um dos altos homens que comandava digamos quartel de Madina de Boé (naquele tempo chamava-se barraca de Madina-Boé).

Até então ninguém na tabanka de Flakňfäňth sabia desse hospede. Ou poucos sabiam, mas não denunciavam por entender que PAIGC, é um partido com sua a gente a lutar para dar independência ao seu povo. É o que sempre Cabral falou para essa gente. Por outro lado comandante Domingos Ramos, evitava aparecer em público, mas como sempre existem traidores na história dos humanos, também na Guiné e nessa história, alguém traiu PAIGC, traiu povo de Flakňfäňth e conseqüência da traição atingiu e cheio de forma direta a família de N'ThumbùKpaň.

Ao se chegar soldados portugueses perguntaram pelo nome de N’thumbùKpan e por “terroristas” que haviam estado/ou ainda estão hospedados na casa do mesmo. Mas Ninguém respondeu.

 Perante o silêncio soldados de então guiné portuguesa prenderam todas as pessoas presentes. O que N’thumbù reclamou. Afirmando que a tabanka (moradia/lar) é dele e se há algum problema que o grupo deseja resolver, é com ele e mais ninguém. Reclamação, típico de um ancião braasa e, ou africano compromissado com sua função de líder defensor.

Não gostando dessa reclamação do N’thumbùKpaň os militares seguraram-no e começaram a agredi-lo com socos, ponta pés e coronhada de arma.

Nesse instante, o guerrilheiro Domingos Ramos a quem o grupo está a procurar, estava dentro da residência de N’thumbùKpaň ouvindo tudo.

Nessa situação, Domingos Ramos se esbravejou querendo sair em defesa do anfitrião N’thumbùKpaň. O que sem sombra de dúvida corresponderia prisão e morte a ele. A esposa de N’thumbùKpaň logo interviu fazendo exposição brilhante sobre situação. Entre lágrimas e dor sussurrara ao comandante próximo ao ouvido para que esse não continue a esbravejar.

“Ha mandanti, kabu sai! Si bu sai, e na mata ña omi e matau tan i, e na entra dentru e mata ña fidju ku mi! Pensa diritu! Dissa e mata ña homi el son asin e ta abai. No ta fica bibo. Dissa! Ka bu sai! I ka bali pena no perdi ne guerra quatro djintis um bias son pa indimigu!

Tradução para português:

“Comandante, não saia! Se saíres matarão o meu marido e você também!  Entrarão dentro de casa e matarão o meu filho e a mim! Se acalme! Deixe-os matar o meu marido só! Dessa maneira, irão embora! Assim nós nos salvaremos! Deixa! Não saia! Não vale a pena perdermos na guerra quatro pessoas duma vez só para o inimigo!

A essa clemência intercessora comandante Domingos Ramos relutou aceitar por entender que vai perder amigo que o recebeu tão bem, mas acabou a obedecer. Entendendo que ela está com razão. Ficou encostado na parede e olhando movimentação de tropas portuguesa por pequena abertura entre ligação dos blocos da parede principal de casebre que fica de frente para entrada da Cabana.

Foi através dessa pequena abertura que o então comandante de frente leste Domingos Ramos viu N’thumbùKpaň sendo amarrado e espancado até morrer.

Quando toda cena terminou alguém entre militares colonial fez ameaça:

Abos balanta, brassa. Djintis di matus ladrons di baca. Utru bias nona riba pake ma bo tabanka. Bo cuntinuason cu turas cu ta djomados PADJÉZÉ (PAIGC).

Tradução para português:

Vocês balanta, braasa. Gentes de mato, ladrões de vacas. Quando retornarmos queimaremos este vilarejo. Continuem como aliados de terrorista que se chama de PAIGC.  

Quando foram embora o clima de tristeza foi geral. O ódio contra português entre balantas, braasas da vila de Flakňfäňth se acendeu muito mais. É claro abrangendo etnia fula e mandinga.

N’thumbùKpan foi enterrado como herói. Pelo menos pelos parentes que estavam ali e amigo Comandante Domingos Ramos. Comandante Domingo Ramo foi embora na calada da noite doutro dia prometendo vingança contra inimigo. Duas semanas depois encontrou com Amílcar Cabral, B’wohta Na M’batchá e Paulo Correia (Paulo Bedùa) e mais outros camaradas de arma em Kandjafráos quais narrou o ocorrido que quase levou-o a morte na vila de FlaakňFäňth.

Domingos Ramos terminou com a frase a seguir:

“Ninkin kata tiran mas lungo di balantas. Pabia balantas intindi no luta. Na se tabankas no pudi finkanda firquidjas de PAIGC. Balantas kana trai PAIGC.”

Tradução para português:

 “Ninguém fala mal de balantas a mim. Porque balantas entenderam a nossa luta. No meio de seus vilarejos podemos implantar colunas de sustentabilidade de PAIGC. Balantas não vão trair o PAIGC.”

Voz de Comandante Domingos Ramos redigido a mim por general B’wohta Na M’batchá.

Quando terminou de contar aos camaradas sobre o fato, resolveram dar salva de tiros que não puderam dar na hora do inteiro de N’thumbùKpan na vila de Flaakňfäňth em homenagem a seu gesto corajoso.

Lembro e conto essa história com orgulho por entender que os nossos heróis merecem reconhecimento e homenagem que sempre lhes devemos.

M’bana N’tchigna

* Licenciado em Filosofia e bacharel em Teologia

 

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