TEMÁTICAS DA SAÚDE

Ioga & Saúde

 

Nas sociedades modernas, o estresse faz parte do dia a dia; e aprendemos a viver assim: trabalhar muitas vezes mais de 80 horas por semana,'comer'' refeições à pressa, viajar mais de 4 horas para chegar ao local de trabalho; lidar com diferentes tipos de personalidade no local de trabalho; enfrentar horrores como o a guerra fratricida de 1998 na Guiné etc.

Para combater o estresse, precisamos de sanidade mental e física!
Assim temos a música, o exercício físico, o exercício intelectual (xadrez, leitura etc.).

Uma das formas que combina todas as características supracitadas é o Yoga.
Não é surpresa que o Yoga se tem vindo a popularizar em todos os meios das sociedades ocidentais, sendo recomendado por especialistas dos vários campos da medicina e desporto.

Por isso, é com grande prazer que introduzimos a Ana Cristina Ferro Marques, caboverdiana, Professora do Ensino Secundário, Licenciada em Oceanologia pela Faculdade de Luminy, França.
Bacharel em Ciências da Terra-Opção Geologia Fundamental e Aplicada pela
Universidade Claude-Bernard, França.

Diploma de Estudos Universitários Gerais, Ciências da Natureza e da Vida
Universidade de St.Etienne, França .

Por uma razão ou outra, as professoras do ensino primário e secundário são aquelas que deixam marcas permanentes no nosso carácter e formação (posso atestar esse facto: as inesquecíveis Dona Hermínia, Dona Maria do Carmo, Dra. Ilia Barber e outras - que sempre iluminarão o meu caminho).

Uma boa leitura!
Obrigado Ana Cristina !

Prof. Joaquim Silva Tavares (Djoca)

joaquim.tavares15@gmail.com

30.05.2013


Ioga & Saúde

 

Os ioguis de hoje não mais se refugiam nas montanhas dos Himalaias. Eles mantêm-se nas cidades e constroem oásis de silêncio, momentos de interiorização/introspecção, para melhor lidarem consigo próprios e com o mundo, defendendo a visão de que «um mundo melhor começa por mim».

Ana Cristina F. Marques

 

Ana Cristina Ferro Marques

anymarques@hotmail.com

 

Ana Cristina Ferro MarquesDespertei para a prática do ioga devido a dores nas cervicais e procurei entender o que eu considerava até à data uma espécie de ginástica sentada. Este texto, baseado na prática, é uma tentativa de sistematização de informações por vezes complexas e sujeitas seguramente a uma interpretação pessoal. Sim, claro, fui aos médicos: generalistas, ortopedistas, massagistas chineses e fisioterapeutas crioulos. E a dor continua, ora suave ora aguda. Não, o ioga não me resolveu o problema em definitivo! Elas, as cervicais, continuam a dar sinais da sua graça! Mas, descobri uma filosofia, uma ciência e uma prática, que me têm proporcionado um entusiasmo sempre renovado. É o resultado desta procura que pretendo partilhar convosco.

Começando pelo princípio, a origem do ioga perde-se no tempo. Reza a lenda que o seu criador teria sido Shiva, o deus dançarino. Segundo os estudiosos, terá surgido na Índia há cerca de 6000 anos e os seus ensinamentos foram sendo transmitidos de mestre a discípulo. As primeiras referências escritas aparecem nos Vedas e nos Upanhishads, escrituras sagradas da Índia. No Bhagavad Gitâ, obra que expõe a essência do conhecimento védico, são apresentados os fundamentos filosóficos do ioga, associado nos seus inícios à escola filosófica samkhya.

O sistema filosófico samkhya/ioga afirma a necessidade de auto-realização espiritual do ser humano e da superação da insatisfação humana. E procura responder a questões existenciais que se colocam aos homens em todos os tempos. Quem sou eu? De onde venho? Para onde vou? Ao apontar como fonte de insatisfação o desconhecimento sobre a nossa verdadeira essência, este sistema filosófico propõe um caminho em que o auto-conhecimento, o cultivo de princípios éticos e a disciplina do corpo e da mente se complementam.

A observação e a consciência da verdadeira natureza da mente são temas centrais no sistema samkhya/ioga. Ao reconhecer que o desassossego, a inquietação e a agitação mental estão na origem da insatisfação e do sofrimento humano, propõe a descoberta (que só pode ser individual) da verdadeira natureza da mente. E qual é ela? É um oásis de silêncio em meio ao burburinho incessante dos pensamentos. É a serenidade, a paz e o contentamento, independentes de qualquer condicionalismo. Como alcançar o oásis? Através de um conjunto de ferramentas, o ioga, a componente prática do sistema samkhya/ioga.

A partir do século VIII d.C. o ioga impregna-se da filosofia vedanta que defende a natureza divina do ser humano e a sua manifestação como propósito de vida. Convidando o homem a uma viagem interior, rumo à sua divindade, esta filosofia defende a lei da causa e efeito e a do livre arbítrio como construtoras do destino humano. Ao reconhecer a eternidade do espírito é dada a cada ser, a liberdade de escolha de uma viagem mais ou menos longa rumo ao aperfeiçoamento pessoal e à bem-aventurança. É a convicção da igualdade de oportunidades para todos, assente no esforço pessoal. Este sistema filosófico conotado como espiritualista influenciou a maioria das escolas modernas do ioga enquanto as escolas mais antigas, voltadas para o conhecimento intelectual e a meditação, se apoiam no samkhya.

O ioga começa, então, com uma indagação existencial e com a busca do Graal, com a procura do «eu», do oásis interior e da iluminação. Nessa procura individual, os antigos ioguis praticam a renúncia, refugiando-se nas montanhas dos Himalaias, para explorarem/vivenciarem o seu mundo interior.

Mais tarde, a necessidade de transmitir os resultados dessa procura faz-se sentir e aí o ioga começa a ser vulgarizado. Ao longo dos séculos, várias escolas florescem. Estas escolas divergem quanto aos sistemas filosóficos que as sustentam (samkhya ou vedanta), aos propósitos e/ou às técnicas que privilegiam. De entre as mais antigas, a Jnana Ioga privilegia o auto – conhecimento/compreensão intelectual do «eu»; a Carma Ioga, a realização de acções rectas, o trabalho e o serviço; a Rajá Ioga, o controlo da mente; a Bhakti Ioga, a devoção/amor ao divino e/ou suas manifestações, a um mestre espiritual ou um ideal. Estas, referenciadas no Bhagavad Gitâ, mais não são do que diferentes visões/propostas/caminhos para alcançar a mesma meta, a iluminação.

No século II a.C., Pátañjali (sábio e médico hindu), sistematiza numa obra de referência, o Yoga Sutras, o Ioga dos 8 passos, Asthanga Ioga, Ioga clássico, ou Rajá Ioga de Pátañjali que se baseia na filosofia samkhya sobre o qual me debruçarei no próximo texto.

A partir do século XI d.C., os benefícios terapêuticos do ioga e os seus efeitos sobre a saúde começam a ser divulgados por Goraksha, que sistematiza a Hatha Ioga, escola mais difundida no ocidente. A Hatha Ioga, a Kundalini Ioga e o Tantra Ioga privilegiam o domínio do corpo físico, a revitalização do corpo energético e o despertar da kundalini, energia cujo despertar conduz à expansão da consciência e ao desenvolvimento de faculdades psíquicas (siddhis). Outras mais recentes (séculos XVIII a XX) de mestres de referência na Índia, nomeadamente, Ramakrisna, Vivekananda e Shivananda, difundidas também no ocidente, baseiam-se na filosofia vedanta.

Como ciência, o ioga apoia-se em conhecimentos milenares (que estão também na base da medicina tradicional hindu, a Aiurveda) sobre o funcionamento do ser humano e sua relação com o cosmos. Conhecimentos que defendem a visão do ser humano como uma entidade única que integra o corpo, a mente e o espírito e em relação permanente com o cosmo. Conhecimentos que foram destronados no ocidente pela visão mecanicista do mundo e do homem, “que separa o homem da natureza, o homem do homem e o homem de si proprio” (Guimarães, 2002). E que voltam a ser resgatados pela física quântica, que sustenta uma visão holística do mundo e do ser humano, e a adopção pela OMS do conceito de saúde como o “completo bem-estar físico, mental e social do indivíduo”. E a cura, como um processo integrado.

No que respeita o significado do termo ioga, este tem sido objecto de várias interpretações. Traduzido frequentemente por termos como unir, juntar, ligar, designa a união entre o corpo, a mente e o espírito ou, na filosofia vedanta, a união entre o «eu» individual (personalidade) e a essência do ser, considerada divina. Neste sentido, o termo ioga refere-se à união entre o «eu» individual e o «eu» divino (Deus interior).

Atrelar, é outro significado interpretado como o auto-controlo ou o domínio de si. Uma imagem simbólica associada ao ioga é a do cocheiro que conduz os cavalos na estrada da existência. No final da caminhada, o cocheiro e os cavalos tornam-se uno.

Libertação (moksha) é outro termo relacionado ao ioga, entendido como a libertação do ser/da mente, de tudo o que impede o seu funcionamento mais elevado, nomeadamente, do apego sob todas as formas e dos condicionalismos da existência. O Bhagavad Gitâ, verso 48, designa-o por equanimidade/ igualdade, entendido como manter-se estável tanto no sucesso como no fracasso.

Voltando a Pátañjali, este diz-nos que o ioga é um estado de cessação das flutuações da mente. Assim, na sua obra Yoga Sutras, Pátañjali organiza os ensinamentos do ioga apresentando-o como um caminho para eliminar o sofrimento e atingir a iluminação (samadhi). De referir ainda o termo marga, sinónimo de ioga, que significa caminho, senda.

Numa abordagem menos esotérica, o ioga pode ser encarado como um processo de interiorização, de auto-conhecimento e de desenvolvimento pessoal porque, ao longo do caminho, o praticante toma progressivamente consciência do seu corpo, dos seus bloqueios e/ou tensões físicas, dos seus padrões emocionais e mentais e finalmente, da sua verdadeira essência. É, neste sentido, um sistema para a transformação pessoal e a melhoria da qualidade de vida.

O ioga pode também ser percebido por qualquer praticante assíduo como um processo de “higienização/purificação” do ser nas suas diferentes dimensões o que irá traduzir-se num acréscimo do bem-estar físico, mental e social. Sim, social também. Porque os ioguis de hoje não mais se refugiam nas montanhas dos Himalaias. Eles mantêm-se nas cidades e constroem oásis de silêncio, momentos de interiorização/introspecção, para melhor lidarem consigo próprios e com o mundo, defendendo a visão de que «um mundo melhor começa por mim».

 (Continua em «Ioga de Pátañjali»)

Referências bibliográficas

O Tao da Física, Um paralelo entre a Física Moderna e o Misticismo Oriental, Fritjof Capra; tradução de José Fernades Dias.- São Paulo: Editora Cultrix, 2007

O Ponto de mutação, A ciência, a sociedade e a cultura emergente, Fritjof Capra; tradução de Álvaro Cabral.- São Paulo: Editora Cultrix, 2007

Desperte corpo e mente e mantenha-se sempre jovem, Deepak Chopra; tradução de Sofia Marujo.-Lisboa: Editorial Presença, 2006

Quem somos nós? A descoberta das infinitas possibilidades de alterar a realidade diária, William Arntz, Betsy Chasse, Mark Vicente; tradução de Doralice Lima.- Rio de Janeiro: Prestígio Editorial, 2007 

Faça Yôga antes que você precise (Swásthya Yoga Shástra), Mestre De Rose.- São Paulo: Edições Afrontamentos/União Nacional de Yoga, 1995

Os perigos ocultos do ioga e da meditação: como trabalhar com seus fogos sagrados de modo seguro, Mestre Del Pe; tradução de Tatiana Sá Antunes.- Rio de Janeiro: Qualitymark, 2006

Yoga para la salud, Shri Shri Anandamurti, Madrid: Ac.Amitavidyananda Avt, 1992

Artigos Internet

Conheça a história e o objectivo do yoga, Gilberto Coutinho

História do yoga, Pedro Kupfer

O yoga e sua filosofia, José Hermógenes.- www.yoga.pro.br/sankhyayoga.htm

Introdução do Pátañjal Yoga, Fernando Liguori.- http://srikulacara.blogspot.com

Samkhya e Yoga.- http://anahatayoga.tripod.com 

Compendio Ayurvédico

Bhagavad Gitâ

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